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Agenda cultural Espírita

 

O   E s p i r i t i s m o

 

 

 

                     ESPIRITISMO - A TERCEIRA REVELAÇÃO - "O CONSOLADOR PROMETIDO"

 

 

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                                            Allan Kardec               Chico Xavier                                 

 

 

 

I  N  T  R  O  D  U  Ç  Ã  O

 

 

AO ESTUDO DA DOUTRINA ESPÍRITA

1

PALAVRAS NOVAS

 

Para designar coisas novas são necessárias palavras novas; assim exige a clareza de uma língua, para evitar a confusão que ocorre quando uma palavra tem múltiplo sentido. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm um significado bem definido, e acrescentar-lhes uma nova significação para aplicá-las à Doutrina dos Espíritos seria multiplicar os casos já tão numerosos de palavras com duplo sentido. De fato, o espiritualismo é o oposto do materialismo, e qualquer um que acredite ter em si algo além da matéria é espiritualista, embora isso não queira dizer que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo material. Em vez das palavras espiritual, espiritualismo, utilizamos, para designar a crença nos Espíritos, as palavras espírita e Espiritismo, que lembram a origem e têm em si a raiz e que, por isso mesmo, têm a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, reservando à palavra espiritualismo sua significação própria. Diremos que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio a relação do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo espiritual. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas ou, se quiserem, os espiritistas. Como especialidade, o Livro dos Espíritos contém a Doutrina Espírita; como generalidade, liga-se ao espiritualismo num dos seus aspectos. Esta é a razão por que traz, no início de seu título, as palavras: “filosofia espiritualista”.

2

A alma

Há outra palavra sobre a qual devemos igualmente nos entender, por constituir em si um dos fechos de abóbada2 , isto é, a sustentação de toda a doutrina moral, e que se tornou objeto de muitas controvér- 1 - É extraordinária a clareza com que Allan Kardec se refere à alma como ponto de partida para a discussão em torno de assunto tão relevante. Poderia ter dito que a alma é a base; mas, não. Diz que é o fecho de abóbada, a cúpula. O cimo, o mais alto, o mais importante, sobre o qual se deve estruturar tudo (Nota do Editor). 2 - Fecho de abóbada: Fecho de abóbada: pedra angular e principal de uma abóbada ou arco, na qual se sustenta toda a estrutura e as cargas externas. Neste caso: a questão primordial, a mais importante (N. E.)

sias por falta de um significado que a defina com precisão determinada. É a palavra alma. A divergência de opiniões sobre a natureza da alma resulta da aplicação particular que cada um faz dessa palavra. Uma língua perfeita, em que cada ideia tivesse sua representação por um termo próprio, evitaria muitas discussões; com uma palavra para cada coisa, todos se entenderiam. Segundo alguns, a alma é o princípio da vida material orgânica, não tem existência própria e termina com a vida: é o materialismo puro. É nesse sentido e por comparação que se diz de um instrumento rachado quando não emite mais som: não tem alma. De acordo com essa opinião, a alma seria um efeito e não uma causa. Outros pensam que a alma é o princípio da inteligência, agente universal do qual cada ser absorve uma porção. De acordo com esse pensamento, haveria para todo o universo apenas uma única alma que distribui suas centelhas entre os diversos seres inteligentes durante a vida. Após a sua morte, cada centelha retornaria à fonte comum, onde se misturaria no todo, como as águas dos riachos e dos rios retornam ao mar de onde saíram. Essa opinião difere da anterior apenas em que, nessa hipótese, há no corpo mais do que a matéria e que resta alguma coisa depois da morte; mas é quase como se não restasse nada, uma vez que, incorporando-se ao todo de onde veio, perde a individualidade e, assim, não teríamos mais consciência de nós mesmos. De acordo com essa opinião, a alma universal seria Deus e cada ser, uma porção da divindade. Essa é uma variante do panteísmo3 . E por fim, segundo outros, a alma é um ser moral, distinto e independente da matéria, que conserva sua individualidade após a morte. Essa concepção é, indiscutivelmente, a mais generalizada, visto que, sob um nome ou outro, a idéia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra como crença instintiva e independentemente de qualquer ensinamento, entre todos os povos, seja qual for o grau de sua civilização. Essa doutrina, segundo a qual a alma é a causa e não o efeito, é a dos espiritualistas. Sem discutir o mérito dessas opiniões, considerando apenas o lado linguístico da questão, diremos que as três aplicações da palavra alma constituem três ideias distintas e que, para serem claramente expressas, cada uma precisaria de um termo diferente. A palavra tem, portanto, uma tríplice significação e cada uma tem razão em seu ponto de vista, na definição que lhe dá. O problema é a língua ter apenas uma palavra para designar três ideias. Para evitar qualquer equívoco, seria preciso aplicar o significado da palavra alma a uma dessas três ideias. Escolher qualquer uma é indiferente, é uma questão de ajuste 3 - Panteísmo: Panteísmo: doutrina filosófica segundo a qual só Deus é real. Tudo o que existe é a manifestação de Deus, que por sua vez é a soma de tudo o que existe (N. E.). 11 de opiniões; o importante é que nos entendamos. Acreditamos mais lógico tomá-la na sua concepção mais comum; é por isso que denominamos ALMA o ser imaterial e individual que existe em nós e que sobrevive ao corpo. Ainda que esse ser não existisse e fosse apenas um produto da imaginação, seria preciso assim mesmo um termo para designá-lo. Na falta de uma palavra especial para cada uma das outras duas ideias, denominamos princípio vital o princípio da vida material e orgânica, qualquer que lhe seja a origem, e que é comum a todos os seres vivos, desde as plantas até o homem. Podendo existir vida sem depender da capacidade de pensar, o princípio vital é assim uma propriedade distinta e autônoma 4 . A palavra vitalidade não daria a mesma ideia. Para alguns, o princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que se produz quando a matéria se encontra em determinadas circunstâncias. Segundo outros, e esta é a ideia mais comum, ele se encontra num fluido especial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila uma parte durante a vida, como vemos os corpos inertes absorverem a luz. Este seria, então, o fluido vital, que, segundo algumas opiniões, seria o fluido elétrico animalizado, designado também sob os nomes de fluido magnético, fluido nervoso, etc. O que quer que ele seja, há um fato que não se poderá contestar, porque é resultante da observação: é que os seres orgânicos têm em si uma força íntima que produz o fenômeno da vida, enquanto essa força dure; que a vida material é comum a todos os seres orgânicos e é independente da inteligência e do pensamento; que a inteligência e o pensamento são capacidades próprias de algumas espécies orgânicas; e que, enfim, entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência e de pensamento, há uma que é dotada de um senso moral especial que lhe dá uma incontestável superioridade sobre as outras: é a espécie humana. Concebe-se assim que nem o materialismo nem o panteísmo excluem em suas teorias a noção de alma por causa do significado abrangente que se lhe pode atribuir. Mesmo o espiritualista pode entender muito bem a alma segundo uma das duas primeiras definições, sem reduzir o ser imaterial distinto ao qual dará um nome qualquer. Assim, a palavra alma não representa uma ideia única; é um Proteu5 que cada um acomoda a seu gosto, daí a fonte de tantas disputas intermináveis. Ao se utilizar da palavra alma em qualquer dos três casos, teríamos uma ideia clara ao lhe acrescentar um qualificativo que especificasse o ponto de vista a que se refere, ou a aplicação que se faz dela. 4 - Autônoma: Autônoma: que se realiza sem a intervenção de agentes externos; independente, livre (N. E.). 5 - Proteu: aquele que muda constantemente de opinião ou de sistema (N. E.)

Seria, então, uma palavra genérica, representando ao mesmo tempo o princípio da vida material, da inteligência e do sentido moral, mas que se diferenciaria por um atributo, como o gás, por exemplo, que se distingue quando lhe acrescentamos as palavras hidrogênio, oxigênio ou azoto. Assim é que deveríamos compreender a alma vital para designar o princípio da vida material; a alma intelectual para o princípio da inteligência que se expressa enquanto há vida e a alma espírita para o princípio de nossa individualidade após a morte. Como se vê, tudo isso é uma questão de palavras, mas uma questão muito importante para entender. De acordo com isso, a alma vital seria comum a todos os seres orgânicos: plantas, animais e homens; a alma intelectual seria própria dos animais e dos homens; e a alma espírita, apenas do homem. Acreditamos dever insistir nessas explicações, porque a Doutrina Espírita baseia-se naturalmente na existência em nós de um ser independente da matéria e que sobrevive à morte do corpo. Como a palavra alma deve aparecer frequentemente no decorrer desta obra, é importante saber o exato sentido que lhe damos, a fim de evitar qualquer equívoco. Vamos, agora, ao ponto principal desta instrução preliminar.

3

A história

 

A A Doutrina Espírita, como toda idéia nova, tem seus adeptos e seus opositores. Vamos tentar responder a algumas das objeções, examinando o valor dos motivos em que se apoiam, sem termos, entretanto, a pretensão de convencer a todos, porque há pessoas que acreditam que a luz tenha sido feita exclusivamente para elas. Dirigimo-nos às pessoas de boa-fé, sem idéias preconcebidas ou obstinadas e sinceramente desejosas de se instruir, e demonstraremos que a maior parte das objeções à Doutrina provém de uma observação incompleta dos fatos e de um julgamento feito com muita leviandade e precipitação. Lembremos primeiramente e em poucas palavras a série progressiva dos fenômenos que deram origem à Doutrina Espírita. O primeiro fato observado foi o de que diversos objetos se movimentavam; de maneira geral, chamaram-no de mesas girantes ou dança das mesas. Esse fenômeno, observado primeiramente nos Estados Unidos, ou melhor, que se repetiu e foi anunciado naquele país, porque a história prova que remonta à mais alta Antiguidade, se produziu acompanhado de circunstâncias estranhas, como barulhos anormais, pancadas sem causa aparente ou conhecida. Dos Estados Unidos se propagou rapidamente pela Europa e em seguida por todo o mundo. A princípio houve muita incredulidade, mas a multiplicidade das experiências não mais permitiu duvidar da realidade.

Se o fenômeno tivesse ficado restrito ao movimento dos objetos materiais, poderia ser explicado por uma causa puramente física. Estamos longe de conhecer todos os agentes ocultos da natureza e todas as propriedades daqueles que conhecemos; a eletricidade, aliás, multiplica a cada dia ao infinito os recursos que ela proporciona ao homem e parece destinada6 a iluminar a ciência com uma nova luz. Não haveria, portanto, nada de impossível se a eletricidade, modificada por algum fator ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causa desse movimento. A reunião de muitas pessoas, aumentando o poder da ação, parecia apoiar essa teoria, porque se podia considerar todo o conjunto como uma pilha múltipla cujo potencial estava em razão do número de elementos. O movimento circular não apresentaria nada de extraordinário, está na natureza, todos os astros se movem em círculos; poderíamos ter um pequeno reflexo do movimento geral do universo, ou melhor, uma causa até então desconhecida poderia produzir acidentalmente, com pequenos objetos e em determinadas circunstâncias, uma corrente parecida à que faz girar os mundos. Ocorre que o movimento nem sempre era circular; muitas vezes era brusco, desordenado; outras vezes o objeto era violentamente sacudido, derrubado, levado numa direção qualquer e, contrariamente a todas as leis da estática7 , levantado do chão e mantido no espaço. Ainda não havia nada nesses fatos que não pudesse ser explicado pelo poder de um agente físico invisível. Não vemos a eletricidade derrubar edifícios, destruir árvores, lançar ao longe os mais pesados corpos, atraí-los ou repeli-los? Os ruídos anormais, as pancadas, supondo-se que não fossem um dos efeitos normais da dilatação da madeira ou de qualquer outra causa acidental, poderiam muito bem ser produzidos pelo acúmulo de um fluido oculto: a eletricidade não produz os ruídos mais violentos8 ? Até aí, como se vê, tudo podia ocorrer no domínio dos fatos puramente físicos e fisiológicos. Sem sair desse círculo de idéias, havia matéria para estudos sérios e dignos de fixar a atenção dos sábios. Por que isso não aconteceu? É lamentável dizer, mas isso se prende a causas que provam, entre mil fatos semelhantes, a leviandade do espírito humano. Por se tratar de um objeto comum, no caso a mesa que serviu de base às primeiras experiências, provocou a estranheza e a indiferença dos sábios. Que influência, muitas vezes, não tem uma palavra sobre as coisas mais sérias? Sem considerar que o movimento- 6 - Kardec escreveu “parece destinada” porque referia-se aos primeiros inventos relacionados à eletricidade, como a lâmpada, que estava, na época, em pesquisas e ainda era desconhecida (N. E.). 7 - Estática: Estática: ciência que estuda o equilíbrio dos corpos sob a ação das forças (N. E.). 8 - Os trechos “não vemos a eletricidade derrubar edifícios...” e “a eletricidade não produz os ruídos mais violentos” referem-se às descargas elétricas provocadas pelos relâmpagos, trovões e raios (N. E.).

poderia ser dado a um outro objeto qualquer, a idéia das mesas prevaleceu, sem dúvida, porque esse era o objeto mais cômodo e ao redor de uma mesa as pessoas se sentam com mais naturalidade do que ao redor de qualquer outro móvel. Portanto, os homens de inteligência superior são, algumas vezes, tão pretensiosos que não seria nada impossível considerar que inteligências de elite tenham acreditado que se rebaixariam caso se ocupassem daquilo que foi convencionado chamar a dança das mesas. É mesmo provável que se o fenô- meno observado por Galvani9 o tivesse sido por homens comuns e ficasse conhecido por um nome simples, ainda estaria rebaixado ao mesmo plano da varinha mágica. Qual é, de fato, o sábio que não teria julgado uma indignidade se ocupar da dança das rãs10? Entretanto, alguns sábios, bastante modestos por admitir que a natureza poderia muito bem não lhes ter dito sua última palavra, quiseram ver, para tranquilizar as suas consciências. Mas aconteceu que o fenômeno nem sempre correspondeu à expectativa que tinham, e como o fato não se produziu conforme a sua vontade e segundo seu modo de experimentação, concluíram pela negativa. Apesar do que decretaram, as mesas continuaram a girar, e podemos dizer como Galileu: “Todavia elas se movem!” Diremos mais: “É que os fatos se multiplicaram de tal modo que hoje têm direito à cidadania e que não se trata senão de achar-lhes uma explicação racional”. Pode-se deduzir algo contra a realidade de um fenômeno pelo fato de ele não se produzir de um modo sempre idêntico, atendendo à vontade e às exigências do observador? Acaso não estão os fenômenos da eletricidade e da química também subordinados a certas condições? Deve-se negá-los porque não se produzem fora dessas condições? Portanto, não há nada de surpreendente em que o fenômeno do movimento dos objetos pelo fluido humano também tenha suas condições para se realizar e deixe de se produzir quando o observador, colocando-se em seu próprio ponto de vista, pretende fazer com que ele se realize conforme o seu capricho ou submetê-lo às leis dos fenômenos conhecidos, sem considerar que para os fatos novos pode e deve haver novas leis? Portanto, para conhecer essas leis é preciso estudar as circunstâncias em que os fatos se produzem, e esse estudo só pode ser fruto de uma observação perseverante, atenta e às vezes muito longa. Mas algumas pessoas alegam que muitas vezes há fraudes evidentes. Em primeiro lugar, devemos perguntar se estão bem certas disso e se não tomaram por fraudes os efeitos que não conseguiram entender, como o camponês que confundiu um sábio professor de física realizando 9 - Luigi Galvani: Luigi Galvani: médico e físico italiano (N. E.). 10 - Dança das rãs: Dança das rãs: Galvani notou que as rãs dissecadas, expostas em pedaços sobre uma superfície de ferro, davam pulos. Dessa observação a ciência caminhou para o conhecimento do fluido nervoso e mais tarde da pilha elétrica (N. E.).

experiências como um mágico habilidoso. Mas, mesmo supondo que a fraude pudesse acontecer algumas vezes, seria razão para negar o fato? Deve-se negar a física porque há ilusionistas e mágicos que dão a si mesmo o título de físicos? Aliás, é preciso levar em conta o caráter das pessoas e o interesse que podiam ter em enganar. Então seria um gracejo? Admite-se que uma pessoa possa se divertir por um instante, mas uma brincadeira indefinidamente prolongada seria tão cansativa para o mistificador11 quanto para o mistificado. De resto, numa mistificação que se propaga de um lado a outro do mundo e entre pessoas mais sérias, mais veneráveis e mais esclarecidas, haveria algo tão extraordinário quanto o próprio fenômeno.

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O método

Se os fenômenos de que nos ocupamos ficassem restritos ao movimento dos objetos, estariam dentro, como dissemos, do domínio das ciências físicas. Mas não foi isso que aconteceu: estavam destinados a nos colocar no caminho de fatos de uma natureza estranha. Acreditou-se descobrir, não sabemos por iniciativa de quem, que a impulsão dada aos objetos não era somente produto de uma força mecânica cega, mas que havia nesse movimento a intervenção de uma causa inteligente. Esse caminho, uma vez aberto, revelou um campo totalmente novo de observações: era o véu levantado de sobre muitos mistérios. Há, de fato, um poder inteligente? Essa é a questão. Se esse poder existe, qual é ele, qual é a sua natureza, sua origem? Ele está acima da humanidade? Essas são as outras questões decorrentes da primeira. As primeiras manifestações inteligentes aconteceram por meio de mesas se levantando e batendo, com um dos pés, um número determinado de pancadas e respondendo desse modo sim ou não, segundo fora convencionado, a uma questão proposta. Até aí, não havia nada de convincente para os céticos12, porque se podia acreditar num efeito do acaso. Obtiveram-se, em seguida, respostas mais desenvolvidas por meio das letras do alfabeto: o objeto móvel, batendo um número de vezes correspondente ao número de ordem de cada letra, chegava a formular palavras e frases respondendo às perguntas propostas. A precisão das respostas e sua correlação com a pergunta causaram espanto. O ser misterioso que assim respondia, quando interrogado sobre sua natureza, declarou que era um Espírito ou gênio, deu o seu nome e forneceu diversas informações a seu respeito. Aqui há um fato muito importante que convém ressaltar: ninguém havia imaginado os Espíritos como um meio de explicar o fenômeno. Foi o próprio fenômeno que se revelou. Muitas vezes, nas ciências exatas, formulam-se hipóteses para se ter uma base de raciocínio, mas isso não ocorreu nesse caso. Esse meio de comunicação era demorado e incômodo. O Espírito, e isso ainda é uma circunstância digna de nota, indicou um outro processo. Foi um desses seres espirituais que ensinou a prender um lápis a um pequeno cesto ou a um outro objeto. Esse cesto, colocado sobre uma folha de papel, foi posto em movimento pelo mesmo poder oculto que fazia mover as mesas; mas, em vez de um simples movimento regular, o lápis traçou, por si mesmo, letras formando palavras, frases e discursos inteiros de muitas páginas, tratando das mais altas questões da filosofia, da moral, da metafísica, da psicologia, etc., e isso com tanta rapidez como se fosse escrito à mão. Esse conselho foi dado simultaneamente nos Estados Unidos, na França e em diversos países. Eis os termos em que foi dado em Paris, no dia 10 de junho de 1853, a um dos mais fervorosos adeptos da Doutrina, que desde 1849 se ocupava com a evocação dos Espíritos: “Vá pegar no quarto ao lado o pequeno cesto; prenda-lhe um lápis, coloque-o sobre um papel e ponha os dedos sobre a borda”. Alguns instantes depois, o cesto se pôs em movimento, e o lápis escreveu esta frase muito claramente: “O que eu vos digo aqui, eu vos proíbo expressamente de o dizer a alguém. A próxima vez que eu escrever, escreverei melhor”. O objeto ao qual se adaptava o lápis era apenas um instrumento, sua natureza e forma não tinham importância. Procurou-se sua disposição mais cômoda, por isso muitas pessoas fazem uso de uma pequena prancheta.

O cesto ou a prancheta apenas podem ser colocados em movimento sob a influência de algumas pessoas dotadas, para esse fim, de um poder especial e que são designadas como médiuns, isto é, intermediários entre os Espíritos e os homens. As condições de que se origina esse poder especial têm causas ao mesmo tempo físicas e morais ainda desconhecidas, visto que se encontram médiuns de todas as idades, de ambos os sexos e em todos os graus de desenvolvimento intelectual. Essa faculdade13, esse dom, se desenvolve pelo exercício.

 

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O SURGIMENTO DA PSICOGRAFIA

 

Mais tarde se reconheceu que o cesto e a prancheta, na realidade, eram apenas um substituto da mão, e o médium, pegando diretamente o lápis, pôs-se a escrever por um impulso involuntário e quase febril.

Dessa forma, as comunicações tornaram-se mais rápidas, fáceis e completas. Hoje é o meio mais empregado, tanto é que o número de pessoas dotadas dessa aptidão é muito grande e multiplica-se todos os dias. A experiência fez conhecer outras variedades da faculdade mediúnica e constatou-se que as comunicações poderiam igualmente ter lugar pela fala, pela audição, pela visão, pelo tato, etc. e até mesmo pela escrita direta dos Espíritos, ou seja, sem a interferência da mão do médium nem do lápis. Comprovado o fato, era preciso estabelecer e demonstrar um ponto essencial: qual era o papel do médium nas respostas e a parte que poderia nelas tomar, mecânica e moralmente. Duas circunstâncias fundamentais, que não poderiam escapar a um observador atento, podem resolver a questão. A primeira é a maneira pela qual o cesto se movia sob influência do médium, somente pela imposição dos dedos sobre a borda. O exame demonstra a impossibilidade de que o médium pudesse lhe impor qualquer direção. Essa impossibilidade torna-se mais evidente quando duas ou três pessoas colocam ao mesmo tempo as pontas dos dedos nas bordas de um mesmo cesto. Seria preciso uma concordância de movimentos entre elas verdadeiramente fenomenal, e ainda seria preciso mais, a concordância de seus pensamentos para que pudessem se entender quanto à resposta a dar à questão formulada. Um outro fato, não menos importante, ainda vem se juntar à dificuldade: é a mudança radical que se constata na caligrafia, conforme o Espírito que se manifesta; porém, cada vez que o mesmo Espírito retorna, sua escrita se reproduz. Seria preciso, portanto, que o médium fosse capaz de mudar sua própria escrita de 20 maneiras diferentes e, principalmente, que pudesse se lembrar da que pertence a este ou àquele Espírito. A segunda circunstância resulta da própria natureza das respostas que são, na maioria, principalmente quando se trata de questões abstratas14 ou científicas, notoriamente fora dos conhecimentos e algumas vezes além da capacidade intelectual do médium, que não tem consciência do que escreve sob influência do Espírito. Com freqüência, o médium não ouve ou não compreende a questão proposta, uma vez que pode ser feita numa língua que lhe é estranha, ou mesmo mentalmente; e a resposta pode ser dada por escrito ou falada nessa mesma língua. Enfim, acontece que muitas vezes o cesto escreve espontaneamente, sem pergunta prévia, sobre um assunto qualquer e inteiramente inesperado. Essas respostas, em alguns casos, têm uma tal marca de sabedoria, profundidade e oportunidade, revelam pensamentos tão elevados, tão sublimes, que somente podem proceder de uma inteligência superior, fundamentada na mais pura moralidade. Outras vezes, são tão levianas, tão fúteis e até mesmo tão vulgares que a razão se recusa a acreditar que possam proceder de uma mesma fonte. Essa diversidade da linguagem e dos ensinamentos somente se pode explicar pela diversidade das inteligências que se manifestam. Estarão essas inteligências na humanidade ou fora dela? Esse é o ponto a esclarecer, para o qual se encontrará a explicação completa nesta obra, exatamente como foi revelada pelos próprios Espíritos. Eis que os efeitos ou fenômenos evidentes e incontestáveis que se produzem fora do círculo habitual de nossas observações não se processam misteriosamente, mas sim à luz do dia, e todos podem vê-los e constatá-los, porque não são privilégio de um único indivíduo, uma vez que milhares de pessoas os repetem todos os dias à vontade. Esses efeitos têm necessariamente uma causa, e a partir do momento que revelam a ação de uma inteligência e de uma vontade saem do domínio puramente físico. Muitas teorias foram anunciadas a esse respeito. Elas serão examinadas em seguida e veremos se podem fornecer a razão de todos os fatos que se produzem. Admitamos, em princípio, antes de chegar até lá, a existência de seres distintos da humanidade, uma vez que esta é a explicação fornecida pelas inteligências que se revelam, e vejamos o que nos dizem.

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RESUMO DOS PRINCIPAIS PONTOS DA DOUTRINA ESPÍRITA

Os seres que se comunicam designam-se, a si mesmos, como o dissemos, sob o nome de Espíritos ou de Gênios, tendo pertencido, pelo menos alguns, a homens que viveram na Terra. Eles constituem o mundo espiritual, como nós constituímos, durante nossa vida, o mundo corporal. Resumimos assim, em poucas palavras, os pontos mais importantes da Doutrina que eles nos transmitiram, a fim de respondermos mais facilmente a algumas objeções. “Deus é eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom.” “Criou o universo, que compreende todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais.” “Os seres materiais constituem o mundo visível ou corporal; os seres imateriais, o mundo invisível ou espírita, ou seja, dos Espíritos.” “O mundo espírita é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistindo e sobrevivendo a tudo.” “O mundo corporal é apenas secundário, poderia deixar de existir ou nunca ter existido, sem alterar a essência do mundo espírita.” “Os Espíritos vestem temporariamente um corpo material perecível, cuja destruição pela morte lhes devolve a liberdade.”

“Entre as diferentes espécies de seres corporais, Deus escolheu a espécie humana para a encarnação dos Espíritos que atingiram um certo grau de desenvolvimento, o que lhe dá a superioridade moral e intelectual sobre os outros.” “A alma é um Espírito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltório.” “Há três coisas no homem: 1ª) o corpo ou ser material semelhante ao dos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2ª) a alma ou ser imaterial, Espírito encarnado no corpo; 3ª) o laço que une a alma ao corpo, princípio intermediário entre a matéria e o Espírito. “Assim, o homem tem duas naturezas: pelo corpo participa da natureza dos animais, dos quais tem os instintos; pela alma participa da natureza dos Espíritos.” “O laço ou perispírito que une o corpo e o Espírito é uma espécie de envoltório semi-material. A morte é a destruição do envoltório mais grosseiro.  “O Espírito conserva o segundo, que constitui para ele um corpo etéreo, invisível para nós no estado normal, mas que pode tornar-se algumas vezes visível e mesmo tangível, como ocorre no fenômeno das aparições.” “O Espírito não é, portanto, um ser abstrato, indefinido, que somente o pensamento pode conceber; é um ser real, definido, que, em alguns casos, pode ser reconhecido, avaliado pelos sentidos da visão, da audi- ção e do tato.” “Os Espíritos pertencem a diferentes classes e não são iguais em poder, inteligência, saber e nem em moralidade. Os da primeira ordem são os Espíritos superiores, que se distinguem dos outros por sua perfeição, seus conhecimentos, sua proximidade de Deus, pela pureza de seus sentimentos e seu amor ao bem: são os anjos ou Espíritos puros. Os das outras classes não atingiram ainda essa perfeição; os das classes inferiores são inclinados à maioria das nossas paixões: ao ódio, à inveja, ao ciúme, ao orgulho, etc. Eles se satisfazem no mal; entre eles há os que não são nem muito bons nem muito maus, são mais trapaceiros e importunos do que maus, a malícia e a irresponsabilidade parecem ser sua diversão: são os Espíritos desajuizados ou levianos.” “Os Espíritos não pertencem perpetuamente à mesma ordem. Todos melhoram ao passar pelos diferentes graus da hierarquia espí- rita. Esse progresso ocorre pela encarnação, que é imposta a alguns como expiação15 e a outros como missão. A vida material é uma prova que devem suportar várias vezes, até que tenham atingido a perfeição absoluta. É uma espécie de exame severo ou de depuração, de onde saem mais ou menos purificados.”

“Ao deixar o corpo, a alma retorna ao mundo dos Espíritos, de onde havia saído, para recomeçar uma nova existência material, depois de um período mais ou menos longo, durante o qual permanece no estado de Espírito errante16.” “O Espírito deve passar por várias encarnações. Disso resulta que todos nós tivemos muitas existências e que ainda teremos outras que, aos poucos, nos aperfeiçoarão, seja na Terra, seja em outros mundos.” “A encarnação dos Espíritos se dá sempre na espécie humana; seria um erro acreditar que a alma ou o Espírito pudesse encarnar no corpo de um animal*.” “As diferentes existências corporais do Espírito são sempre progressivas e o Espírito nunca retrocede, mas o tempo necessário para progredir depende dos esforços de cada um para chegar à perfeição.” “As qualidades da alma17, isto é, as qualidades morais, são as do Espírito que está encarnado em nós; desse modo, o homem de bem é a encarnação do bom Espírito, e o homem perverso a de um Espírito impuro.” “A alma tinha sua individualidade antes de sua encarnação e a conserva depois que se separa do corpo.” “Na sua reentrada no mundo dos Espíritos, a alma reencontra todos aqueles que conheceu na Terra e todas as suas existências anteriores desfilam na sua memória com a lembrança de todo o bem e de todo o mal que fez.” “O Espírito, quando encarnado, está sob a influência da matéria. O homem que supera essa influência pela elevação e pela depuração de sua alma aproxima-se dos bons Espíritos, com os quais estará um dia. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões e coloca todas as alegrias da sua existência na satisfação dos apetites grosseiros se aproxima dos Espíritos impuros, porque nele predomina a natureza animal.” “Os Espíritos encarnados habitam os diferentes globos do universo.” “Os Espíritos não encarnados ou errantes não ocupam uma região determinada e localizada, estão por todos os lugares no espaço e ao nosso lado, vendo-nos numa presença contínua. É toda uma população invisível que se agita ao nosso redor.” “Os Espíritos exercem sobre o mundo moral e o mundo físico uma ação incessante. Eles agem sobre a matéria e o pensamento e constituem uma das forças da natureza, causa determinante de uma multidão de fenômenos até agora inexplicável ou mal explicada e que apenas encontram esclarecimento racional no Espiritismo.” “As relações dos Espíritos com os homens são constantes. Os bons Espíritos nos atraem e estimulam para o bem, sustentando-nos nas provações da vida e ajudando-nos a suportá-las com coragem e resignação. Os maus nos sugestionam para o mal; é um prazer para eles nos ver fracassar e nos assemelharmos a eles.” “As comunicações dos Espíritos com os homens são ocultas ou ostensivas. As comunicações ocultas ocorrem pela influência boa ou má que exercem sobre nós sem o sabermos; cabe ao nosso julgamento discernir as boas das más inspirações. As comunicações ostensivas ocorrem por meio da escrita, da palavra ou outras manifestações materiais, muitas vezes por médiuns que lhes servem de instrumento.” “Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou por evocação. Podem-se evocar todos os Espíritos, tanto aqueles que animaram homens simples como os de personagens mais ilustres, qualquer que seja a época em que viveram, os de nossos parentes, amigos ou inimigos, e com isso obter, por meio das comunicações escritas ou verbais, conselhos, ensinamentos sobre sua situação depois da morte, seus pensamentos a nosso respeito, assim como as revelações que lhes são permitidas nos fazer.” “Os Espíritos são atraídos em razão de sua simpatia pela natureza moral do ambiente em que são evocados. Os Espíritos superiores se satisfazem com reuniões sérias em que dominam o amor pelo bem e o desejo sincero de receber instrução e aperfeiçoamento. A sua presença afasta os Espíritos inferiores que, caso contrário, encontrariam aí livre acesso e poderiam agir com toda a liberdade entre as pessoas levianas ou guiadas somente pela curiosidade. Em todos os lugares onde se encontram maus instintos, longe de obter bons conselhos, ensinamentos úteis, devem-se esperar apenas futilidades, mentiras, gracejos de mau gosto ou mistificações, visto que, freqüentemente, eles tomam emprestado nomes veneráveis para melhor induzir ao erro.” “Distinguir os bons dos maus Espíritos é extremamente fácil. A linguagem dos Espíritos superiores é constantemente digna, nobre, repleta da mais alta moralidade, livre de toda paixão inferior; seus conselhos exaltam a sabedoria mais pura e sempre têm por objetivo nosso aperfeiçoamento e o bem da humanidade. A linguagem dos Espíritos inferiores, ao contrário, é inconseqüente, muitas vezes banal e até mesmo grosseira; se por vezes dizem coisas boas e verdadeiras, dizem na maioria das vezes coisas falsas e absurdas por malícia ou por ignorância. Zombam da credulidade e se divertem à custa daqueles que os interrogam ao incentivar a vaidade, alimentando seus desejos com falsas esperanças. Em resumo, as comunicações sérias, no verdadeiro sentido da palavra, apenas acontecem nos centros sérios, cujos membros estão unidos por uma íntima comunhão de pensamentos, visando ao bem”.

“A moral dos Espíritos superiores se resume, como a de Cristo, neste ensinamento evangélico: ‘Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem’, ou seja, fazer o bem e não o mal. O homem encontra neste princípio a regra universal de conduta, mesmo para as suas menores ações.” “Eles nos ensinam que o egoísmo, o orgulho e a sensualidade são paixões que nos aproximam da natureza animal, prendendo-nos à matéria; que o homem que se desliga da matéria já neste mundo, desprezando as futilidades mundanas e amando o próximo, se aproxima da natureza espiritual; que cada um de nós deve se tornar útil segundo as capacidades e os meios que Deus nos colocou nas mãos para nos provar; que o forte e o poderoso devem apoio e proteção ao fraco, pois aquele que abusa de sua força e de seu poder para oprimir seu semelhante transgride a Lei de Deus. Enfim, ensinam que no mundo dos Espíritos nada pode ser escondido, o hipócrita será desmascarado e todas as suas baixezas descobertas; que a presença inevitável, em todos os instantes, daqueles com quem agimos mal é um dos castigos que nos estão reservados; que ao estado de inferioridade e de superioridade dos Espíritos equivalem punições e prazeres que desconhecemos na Terra.” “Mas também nos ensinam que não há faltas imperdoáveis que não possam ser apagadas pela expiação. Pela reencarnação, nas sucessivas existências, mediante os seus esforços e desejos de melhoria no caminho do progresso, o homem avança sempre e alcança a perfeição, que é a sua destinação final.” Este é o resumo da Doutrina Espírita, resultante do ensinamento dado pelos Espíritos superiores. Vejamos agora as objeções que lhe fazem.

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A DOUTRINA ESPÍRITA E A CIÊNCIA

Para muitas pessoas, a oposição de cientistas, se não é uma prova, é pelo menos uma forte opinião contrária. Não somos dos que se levantam contra os sábios, porque não queremos que digam que nós os insultamos; nós os temos, ao contrário, em grande estima e ficaríamos muito honrados de estar entre eles. Porém, suas opiniões não podem ser em todas as circunstâncias um julgamento irrevogável. Quando a ciência sai da observação material dos fatos e procura apreciar e explicar esses fatos, o campo está aberto às hipóteses e às suposições; cada um defende seu pequeno sistema na intenção de fazê-lo prevalecer e o sustenta com firmeza. Não vemos todos os dias as opiniões mais divergentes alternativamente acatadas e rejeitadas, repelidas como erros absurdos, ou proclamadas como verdades incontestáveis? Os fatos, eis o verdadeiro critério de nossos julgamentos, o argumento incontestável. Na ausência de fatos, a dúvida é opinião sábia e prudente. Para as coisas de conhecimento de todos, a opinião dos sábios deve ser respeitada, e com razão, porque sabem mais e melhor do que a maioria das pessoas comuns; mas na questão de novos princípios, de coisas desconhecidas, sua maneira de ver é sempre e apenas uma suposição, porque não estão mais do que quaisquer outros livres de preconceitos. Direi até mesmo que o sábio talvez tenha mais preconceitos, porque uma tendência natural leva-o a submeter tudo ao ponto de vista em que se especializou: o matemático apenas vê a prova numa demonstração algébrica, o químico relaciona tudo à ação dos elementos, etc. Todo homem que se dedica a uma especialização subordina a ela todas as suas ideias. Fora do seu campo, muitas vezes se perderá, por querer submeter tudo ao seu modo de ver; é uma consequência da fraqueza humana. Consultarei, de bom grado e com toda a confiança, um químico sobre uma questão de análise de uma substância, um físico sobre a energia elétrica, um mecânico sobre a força motriz; mas eles me permitirão, sem que isso desmereça o respeito que sua especialização merece, considerar suas opiniões negativas sobre o Espiritismo idênticas ao conceito de um arquiteto sobre uma questão de música. As ciências gerais se apoiam nas propriedades da matéria, que pode ser manipulada e experimentada à vontade; os fenômenos espíritas se fundamentam na ação das inteligências que têm vontade própria e nos provam a cada instante que não estão à disposição dos nossos caprichos. As observações, em vista disso, não podem ser feitas da mesma maneira; requerem condições diferenciadas, especiais e um outro ponto de partida. Querer submetê-las aos nossos processos comuns de investigação é querer estabelecer e forçar semelhanças que não existem. A ciência propriamente dita, como ciência, é incompetente para pronunciar-se na questão do Espiritismo; ela não tem que se ocupar com isso, e qualquer que seja seu julgamento, favorável ou não, não tem nenhuma importância. O Espiritismo pode vir a ser uma convicção pessoal que os sábios possam ter como indivíduos, sem considerar a sua qualidade de sábios, isto é, a sua especialização e o seu saber científico. Contudo, querer conceder a questão à ciência equivaleria a decidir a existência da alma por uma assembleia de físicos ou astrônomos. De fato, o Espiritismo está inteiramente fundamentado na existência da alma e na sua situação depois da morte; contudo, é extremamente ilógico pensar que um homem deve ser um grande psicólogo porque é um grande matemático ou um grande anatomista. O anatomista, ao dissecar o corpo humano, procura a alma, e como o seu bisturi não a encontra, como encontra um nervo, ou porque não a vê sair volátil como um gás, conclui que ela não existe, porque se coloca sob um ponto de vista exclusivamente material. Resultará que ele tenha razão contra a opinião universal? Não. Vemos, portanto, que o Espiritismo não é da competência da ciência. Quando a crença espírita estiver bastante difundida, quando for aceita pelas massas, e, a se julgar pela rapidez com que se propaga, esse tempo não está longe, acontecerá com o Espiritismo o que ocorre com todas as ideias novas que encontraram oposição: os sábios irão se render à evidência. Chegarão a ela por si sós e pela força das coisas. Até lá, é inoportuno desviá-los de seus trabalhos especiais, para obrigá-los a se ocupar de uma coisa estranha ao seu mundo, que não está nem nas suas atribuições, nem nos seus programas. Enquanto isso não ocorre, aqueles que, sem um estudo prévio e aprofundado da matéria, se pronunciam pela negativa e zombam de todos os que não estão de acordo com a sua opinião, esquecem que o mesmo ocorreu com a maior parte das grandes descobertas que honram a humanidade. Eles se expõem a ver seus nomes incluídos na extensa lista dos ilustres contestadores das ideias novas e inscritos ao lado dos membros da erudita assembleia que, em 1752, acolheu com zombaria e muitos risos o relatório de Franklin18 sobre os para-raios, julgando-o indigno de figurar ao lado das comunicações que eram apreciadas; e desse outro que fez a França perder o benefício da iniciativa do motor a vapor, declarando que o sistema de Fulton19 era um sonho irrealizável. Entretanto, essas eram questões da sua competência. Se essas assembleias, que contavam em seu seio com a elite dos sábios do mundo, apenas tiveram a zombaria e o sarcasmo por ideias que não compreendiam e que alguns anos mais tarde deveriam revolucionar a ciência, os costumes e a indústria, como esperar que uma questão estranha aos seus trabalhos obtenha melhor acolhimento? Esses erros lamentáveis de alguns homens de comprovada sabedoria, indignos de sua memória, não tiraram dos sábios os títulos com que, em outros campos de ação, se fazem respeitar. Mas acaso é necessário um diploma oficial para se ter bom senso, e fora das poltronas acadêmicas somente há tolos e imbecis? Que se observem os adeptos da Doutrina Espírita, e que avaliem se entre eles somente há ignorantes, e se o número imenso de homens de mérito que a abraçaram permite nivelá-la à categoria das crendices populares. Pelo caráter e pelo saber desses homens, vale bem a pena dizer: uma vez que eles afirmam, é certo pelo menos que há alguma coisa. Repetimos ainda que se os fatos de que nos ocupamos ficassem reduzidos ao movimento mecânico dos objetos, a procura da causa física desse fenômeno entraria no campo da ciência; mas, desde que se trata de uma manifestação fora das leis dos homens, ela escapa da competência da ciência material, porque não se pode exprimir nem por algarismos, nem pela força mecânica. Quando surge um fato novo que não se situa no círculo de alguma ciência conhecida, o sábio, para estudá-lo, deve despojar-se de seu saber e considerar que é um estudo novo que não se pode fazer com idéias preconcebidas. O homem que considera que o seu saber é infalível está bem perto do erro. Mesmo os que defendem as mais falsas idéias apóiam-se sempre na sua razão, e é em virtude disso que rejeitam tudo que lhes parece impossível. Aqueles que antigamente repeliram as admiráveis descobertas de que hoje a humanidade se honra faziam apelo à razão para as rejeitar; porém, o que se chama razão é, muitas vezes, somente orgulho disfarçado, e quem quer que se acredite infalível se coloca como igual a Deus. Dirigimo-nos, portanto, àqueles que são bastante ponderados para duvidar do que não viram e que, julgando o futuro pelo passado, não acreditam que o homem tenha chegado ao seu apogeu, nem que a natureza tenha virado para ele a última página de seu livro.

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A SERIEDADE DA DOUTRINA

Acrescentamos que o estudo de uma doutrina, como a Doutrina Espírita, que nos lança de repente e em cheio numa ordem de coisas tão novas e grandiosas, somente pode ser feito por homens sérios, perseverantes, isentos de prevenções e movidos por uma firme e sincera vontade de chegar a um resultado esclarecedor. Não podem ser considerados assim os que julgam, a priori20, levianamente e sem ter visto tudo; que não dão a seus estudos nem a seqüência, nem a regularidade, nem a cautela necessária; e muito menos certas pessoas que, para não perder a pose de sua reputação de homens de espírito21, se empenham em encontrar um lado ridículo nas coisas mais verdadeiras, ou assim julgadas, por pessoas cujo saber, caráter e convicções fazem jus ao respeito de quem se tem na conta de ser bem-educado. Aqueles que não julgarem os fatos espíritas dignos de si e de sua atenção que se calem; ninguém tenciona violentar sua crença, mas que saibam respeitar a dos outros. O que caracteriza um estudo sério é a sequência que se dá a esse estudo. Deve causar estranheza o fato de não se obter, muitas vezes, nenhuma resposta sensata às questões, sérias por si próprias, quando são feitas ao acaso e lançadas à queima-roupa no meio de enxurradas de perguntas absurdas? Uma questão, aliás, é muitas vezes complexa e requer, para ser esclarecida, indagações preliminares ou complementares. Quem quer aprender uma ciência deve fazer um estudo metódico dela, começar pelo início e seguir o encadeamento e o desenvolvimento das idéias. Aquele que sem mais nem menos pergunta a um sábio algo sobre a ciência da qual nada sabe acaso obterá algum proveito? E o próprio sábio poderá, com a melhor boa vontade, dar uma resposta satisfatória? Essa resposta isolada será forçosamente incompleta e, muitas vezes, por isso mesmo, ininteligível, ou poderá parecer absurda e contraditória. Acontece exatamente o mesmo nas relações que estabelecemos com os Espíritos. Se quisermos nos instruir na sua escola, é preciso fazer um curso com eles, mas proceder exatamente como entre nós: selecionar os professores e trabalhar com constância. Dissemos que os Espíritos superiores apenas vêm às reuniões sérias e, em especial, àquelas em que reina uma perfeita comunhão de pensamentos e de sentimentos pelo bem. A leviandade e as questões inúteis os afastam, como, entre os homens, afastam as pessoas racionais; o campo fica, então, livre à multidão de Espíritos mentirosos e fúteis, sempre à espreita de ocasiões para zombar e se divertir à nossa custa. O que devemos esperar de uma reunião dessa natureza quando desejamos resposta a uma questão séria? Será respondida? Sim, será, mas respondida por quem? É como se no meio de um bando de gozadores lançássemos estas questões: o que é a alma? O que é a morte? E outras também de igual tom recreativo. Se quereis respostas sérias, sede sérios no verdadeiro sentido da palavra e colocai-vos de acordo com todas as condições que se requerem. Somente assim obtereis grandes coisas. Sede mais laboriosos e perseverantes em vossos estudos; sem isso os Espíritos superiores vos abandonarão, como faz um professor com seus alunos negligentes.

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A DOUTRINA E OS SEUS CONTESTADORES

O movimento dos objetos é um fato comprovado. A questão é saber se, nesse movimento, há ou não uma manifestação inteligente e, caso haja, qual é a origem dessa manifestação. Não trataremos somente do movimento inteligente de alguns objetos, nem de comunicações verbais, nem mesmo das diretamente escritas pelo médium. Esse gênero de manifestação, clara e evidente para aqueles que viram e se aprofundaram no assunto, não é à primeira vista muito convincente para um observador novato, por não a entender como independente da vontade do médium. Não trataremos somente da escrita obtida com a ajuda de um objeto qualquer munido de um lápis, como o cesto, a prancheta, etc. A maneira como os dedos do médium ficam colocados sobre o objeto desafia, como já dissemos, a habilidade mais consumada de poder participar de qualquer modo que seja no traçado das letras. Mas admitamos ainda que, por efeito de uma habilidade maravilhosa, o médium possa enganar o olhar mais atento. De que maneira explicar a natureza das respostas, quando estão muito além de todas as idéias e de todos os conhecimentos do médium? E, que se note bem, não se trata de respostas monossilábicas, mas muitas vezes de numerosas páginas escritas com a mais espantosa rapidez, seja espontaneamente, seja sobre um assunto determinado. Pela mão do médium, mais alheio e avesso à literatura, nascem, algumas vezes, poesias de uma sublimidade e pureza irrepreensíveis, que os melhores poetas se dignariam em assinar. O que acrescenta ainda mais estranheza a esses fatos é que acontecem em todos os lugares, e que os médiuns se multiplicam ao infinito. Esses fatos são reais ou não? Para isso, apenas temos uma resposta: vede e observai, ocasiões não faltarão; mas observai repetidamente, por um período e obedecendo às condições determinadas. Diante da evidência, o que respondem os opositores? “Sois”, dizem, “vítimas do charlatanismo ou joguete de uma ilusão.” Diremos, primeiramente, que é preciso separar a idéia de charlatanismo de onde não há lucro; os charlatães não fazem seu trabalho de graça. Isso seria, então, uma mistificação. Mas por que estranha coincidência tantos mistificadores teriam combinado em harmonia e concordância para, de um canto a outro do planeta, agir da mesma forma, produzir os mesmos efeitos e dar sobre os mesmos assuntos e em tão diversas línguas respostas idênticas, se não quanto às palavras, pelo menos quanto ao sentido? E o que levaria pessoas sérias, honradas, instruídas a se prestar a semelhantes artimanhas e com que objetivo? Como encontrar entre as crianças a paciência e a habilidade necessárias para esse fim? Porque, se esses médiuns não são instrumentos passivos, será preciso reconhecer neles habilidade e conhecimentos incompatíveis com a idade infantil e com certas posições sociais. Então, dizem que, se não há trapaças, os dois lados podem ser vítimas de uma ilusão. Numa avaliação lógica, a qualidade dos testemunhos tem grande valor; portanto, é o caso de se perguntar se a Doutrina Espírita, que hoje conta com milhões de seguidores, apenas os recruta entre os ignorantes? Os fenômenos em que se apóia são tão extraordinários que compreendemos a dúvida, mas não se pode admitir a pretensão de alguns incrédulos que julgam ter o privilégio exclusivo do bom senso e que, sem respeito pela decência ou o valor moral de seus adversários, tacham, sem cerimônia, de tolos todos que não estão de acordo com as suas opiniões. Aos olhos de toda pessoa sensata, ajuizada, a opinião das pessoas esclarecidas, que por muito tempo viram, estudaram e meditaram um fato, constituirá sempre, se não uma prova, pelo menos uma probabilidade em seu favor, uma vez que pôde prender a atenção de homens sérios que não têm interesse em propagar erros, nem tempo a perder com futilidades.

 

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OBJEÇÕES

Dentre as objeções, há algumas sedutoras, pelo menos na aparência, que podem induzir ao erro por serem tiradas da observação dos fenômenos espíritas e serem feitas por pessoas respeitáveis. Uma delas é que a linguagem de alguns Espíritos não parece digna da elevação que se supõe em seres sobrenaturais. Mas, se considerarmos o resumo da Doutrina que apresentamos, seguramente se concluirá o que os próprios Espíritos nos ensinam: eles não são iguais nem em conhecimento, nem em qualidades morais, e que não se deve tomar ao pé da letra tudo o que dizem. Cabe às pessoas sensatas distinguir o bom do mau. Seguramente, os que, em função disso, concluem que apenas temos contato com seres maldosos, cuja única ocupação é a de mistificar, não têm conhecimento das comunicações que se recebem nas reuniões, onde apenas se manifestam Espíritos Superiores; caso contrário, não pensariam assim. É lastimável que a casualidade os tenha levado a ver apenas o lado mau do mundo espí- rita, pois é difícil imaginar que por uma tendência de simpatia tenham atraído para si Espíritos maus, mentirosos ou aqueles cuja linguagem é revoltante de tão grosseira, em vez dos bons Espíritos. No máximo, poderíamos concluir que a solidez dos princípios dos opositores da Dourina Espírita não é bastante poderosa para afastar o mal e que, encontrando um certo prazer em satisfazer sua curiosidade, os maus Espíritos aproveitam a oportunidade para se introduzir entre eles, enquanto os bons se afastam. Julgar a questão dos Espíritos por esses fatos seria tão pouco lógico quanto julgar o caráter de um povo pelo que se diz e se faz numa reunião de alguns amalucados ou de pessoas de má fama, e da qual não participam nem os sábios, nem as pessoas sensatas. Essas pessoas se encontram na situação de um estrangeiro que, chegando a uma grande capital pelo mais pobre e feio subúrbio, julgasse todos os habitantes pelos costumes e a linguagem desse bairro ínfimo. No mundo dos Espíritos, há também uma sociedade de bons e de maus. Portanto, que os opositores da Doutrina estudem bem o que se passa entre os Espíritos Superiores e ficarão convencidos de que a cidade celeste encerra outra coisa além da ralé do povo, a camada mais baixa da sociedade. Mas, perguntam, os Espíritos Superiores vêm até nós? A isso respondemos: Não fiqueis no subúrbio; vede, observai e julgai. Os fatos estão aí para todos, a menos que sejam a elas que se apliquem essas palavras de Jesus: “Têm olhos e não veem, ouvidos e não ouvem”. Uma variante dessa opinião consiste em ver somente nas comunicações espíritas, e em todos os fenômenos a intervenção de um poder diabólico, novo Proteu que se revestiria de todas as formas para melhor nos enganar. Não a consideramos à altura de um exame sério, por isso não nos deteremos nela; encontra-se respondida por aquilo que dissemos; acrescentaremos somente que, se fosse assim, seria preciso convir que o diabo é algumas vezes muito sábio, razoável e, sobretudo, muito moral, ou, então, que há também bons diabos. Como acreditar, de fato, que Deus somente permita ao Espírito do mal se manifestar para nos perder, sem nos dar, por contrapeso, os conselhos dos bons Espíritos? Se Ele não o pode impedir, é impotente; se o pode e não o faz, é incompatível com sua bondade; qualquer destas suposições seria uma blasfêmia. Notai que admitir a comunicação dos maus Espíritos é reconhecer em princípio as manifestações; portanto, a partir do momento que elas existem, isso somente pode acontecer com a permissão de Deus; como acreditar sem impiedade que Ele permita o mal com a exclusão do bem? Semelhante doutrina seria contrária às mais simples noções do bom senso e da religião.

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QUE ESPÍRITOS?

Um fato interessante, dizem, é que somente se fala com Espíritos de pessoas conhecidas e pergunta-se por que só eles se manifestam. Essa afirmativa é um erro proveniente, como muitos outros, de uma observação superficial. Entre os Espíritos que se comunicam espontaneamente há para nós muito mais desconhecidos do que ilustres. Eles se designam por um nome qualquer e, muitas vezes, por um nome figurado ou característico. Quanto aos que se evocam, a menos que não seja um parente ou um amigo, é bastante natural evocar os que são conhecidos. O nome das pessoas ilustres impressiona mais, é por isso que são mais notados. Considera-se estranho também que Espíritos de homens ilustres venham familiarmente ao nosso chamado e se ocupem, por vezes, de coisas insignificantes em comparação com as que realizaram durante a sua vida. Não há nada de espantoso para aqueles que sabem que o poder ou a consideração que esses homens desfrutaram na Terra não lhes dá nenhuma supremacia no mundo espiritual; os Espíritos confirmam nisso as palavras do Evangelho: “Os grandes serão rebaixados e os pequenos, elevados”, o que se deve entender como a categoria que cada um de nós virá a ocupar. Assim aquele que foi o primeiro na Terra pode ser um dos últimos no mundo espiritual; aquele diante do qual curvávamos a cabeça numa vida pode vir entre nós agora como o mais humilde operário, porque, ao deixar a vida, deixou toda a sua grandeza, e o mais poderoso monarca talvez possa estar abaixo do último de seus soldados.

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A identidade dos espíritos

Um fato que a observação demonstrou e foi confirmado pelos próprios Espíritos é que os Espíritos inferiores apresentam-se, muitas vezes, com nomes conhecidos e respeitados. Quem pode nos assegurar que aqueles que dizem ter sido, por exemplo, Sócrates, Júlio César, Carlos Magno, Fénelon, Napoleão, Washington, etc. tenham realmente animado esses personagens? Essa dúvida existe entre alguns adeptos fervorosos da Doutrina Espírita; admitem a intervenção e a manifestação dos Espíritos, mas se perguntam como comprovar sua identidade. Essa comprovação é, de fato, muito difícil de estabelecer, já que não pode ser apurada de uma maneira tão prática e simples como por meio de um documento de identidade. Pode, entretanto, ser feita por alguns indícios. Quando o Espírito de alguém que conhecemos pessoalmente se manifesta, seja de um parente ou de um amigo, por exemplo, especialmente se morreu há pouco tempo, ocorre, em geral, que sua linguagem está em perfeita relação com o seu caráter; isso já é um indício de identidade. Mas não há mais dúvida quando esse Espírito fala de coisas particulares, lembra de fatos de família apenas conhecidos pelo interlocutor. Um filho não se equivocaria certamente com a linguagem de seu pai ou de sua mãe, nem os pais com a de seu filho. Algumas vezes, nessas evocações, acontecem coisas surpreendentes, de forma a convencer o mais incrédulo. O cético mais endurecido fica, então, maravilhado com as revelações inesperadas que lhe são feitas. Uma outra circunstância muito característica vem fundamentar a identidade do Espírito. Dissemos que a letra do médium muda geralmente com o Espírito evocado, e que essa escrita se reproduz exatamente igual a cada vez que o mesmo Espírito se apresenta. Constatou-se, muitas vezes, que para as pessoas mortas há pouco tempo, essa escrita tem uma semelhança marcante com a da pessoa quando viva; têm-se visto assinaturas de uma exatidão perfeita. Estamos longe de dar esse fato, embora observado, como regra e, principalmente, como uma regra constante; nós o mencionamos como algo digno de nota. Somente os Espíritos que atingiram um certo grau de purificação estão desligados de toda influência corporal. Porém, quando não estão completamente desmaterializados (é essa a expressão da qual se servem), conservam a maior parte das idéias, das tendências e até mesmo das manias que tinham na Terra, o que demonstra o meio de os reconhecermos; como também numa grande quantidade de fatos e detalhes, que somente uma observação atenta e firme pode revelar. Veem-se escritores discutir suas próprias obras ou suas doutrinas, aprovar ou condenar certas partes; outros Espíritos a lembrar fatos ignorados ou pouco conhecidos de sua vida ou de sua morte; enfim, detalhes que são pelo 12 31 menos provas morais de identidade, as únicas a que se pode recorrer quando se trata de coisas abstratas, isto é, que estão fora da realidade. Se, portanto, a identidade do Espírito evocado pode ser, até certo ponto, estabelecida em alguns casos, não há razão para que não o seja em outros, e se, em relação às pessoas cuja morte ocorreu há mais tempo, não há os mesmos meios de controle, tem-se sempre o da linguagem e do caráter que revelam, porque, seguramente, o Espírito de um homem de bem não falará como um perverso ou um devasso. Quanto aos Espíritos que se apresentam exibindo nomes respeitá- veis, logo se traem pela linguagem e pelos ensinamentos. Aquele que dissesse ser Fénelon, por exemplo, e embora acidentalmente ofendesse o bom senso e a moral, mostraria, por esse simples fato, a fraude. Se, ao contrário, os pensamentos que exprimisse fossem sempre puros, sem contradições e constantemente à altura do caráter de Fénelon, não haveria motivos para duvidar de sua identidade. De qualquer maneira, seria preciso supor que um Espírito que apenas prega o bem pode conscientemente empregar a mentira, e isso sem utilidade. A experiência nos ensina que os Espíritos da categoria, do mesmo caráter e animados pelos mesmos sentimentos se reúnem em grupos ou em famílias; que o número de Espíritos é incalculável e estamos longe de conhecê-los todos; e que até mesmo a maior parte deles não tem nome para nós. Um Espírito da mesma categoria de Fénelon pode vir em seu lugar, muitas vezes, enviado a seu pedido; apresentar-se sob seu nome, pois lhe é idêntico, e substituí-lo, porque precisamos de um nome para fixar nossas ideias. Mas o que importa, em definitivo, que um Espírito seja realmente ou não o de Fénelon? A partir do momento que somente diz coisas boas e que fala como o próprio Fénelon falaria, é um bom Espírito; o nome com que se apresenta é indiferente e, muitas vezes, é apenas um meio de fixar nossas ideias. O mesmo não seria admissível nas evocações dos familiares; mas aí, como dissemos, a identidade pode ser estabelecida por provas de alguma forma evidentes. Contudo, é certo que a substituição dos Espíritos pode ocasionar uma série de enganos e resultar em erros e, muitas vezes, em mistificações; essa é uma dificuldade do Espiritismo prático. Mas nunca dissemos que fosse algo fácil, nem que se pudesse aprendê-lo brincando, como não se faz com qualquer outra ciência. Nunca será demais repetir que ele pede um estudo assíduo e, frequentemente, bastante prolongado; não podendo provocar os fatos, é preciso esperar que se apresentem por si mesmos e, frequentemente, são conduzidos por circunstâncias com as quais nem ao menos se sonha. Para o observador atento e paciente, os fatos se produzem e então ele descobre milhares de detalhes característicos que representam fachos de luz. É assim também nas ciências comuns, enquanto o homem superficial vê numa flor apenas uma forma elegante, o sábio descobre nela tesouros para o pensamento.

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CONTRADIÇÕES ENTRE OS ESPÍRITOS

As observações nos levam a dizer algumas palavras a respeito de uma outra dificuldade, a da divergência na linguagem dos Espíritos. Como os Espíritos são muito diferentes uns dos outros nos conhecimentos e na moralidade, é evidente que a mesma questão pode ser por eles explicada com sentidos opostos, conforme a categoria que ocupam, como se ela fosse proposta, entre os homens, ora a um sábio, ora a um ignorante ou a um gracejador de mau gosto. O ponto essencial, já o dissemos, é saber a quem se dirige. Mas, dizem os críticos: como se explica que os Espíritos reconhecidos por seres superiores não estejam sempre de acordo? Diremos, primeiramente, que além da causa que acabamos de assinalar há outras que podem exercer uma certa influência sobre a natureza das respostas, independentemente da qualidade dos Espíritos. Este é um ponto importante cuja explicação somente será dada pelo estudo. É por isso que dizemos que esses estudos requerem uma atenção firme, uma observação profunda e, principalmente, como em todas as ciências humanas, continuidade e perseverança. São necessários anos para fazer um médico medíocre, três quartos da vida para fazer um sábio; como pretender, em algumas horas, adquirir a ciência do infinito? Portanto, não nos enganemos: o estudo do Espiritismo é imenso, toca em todas as questões da metafísica22 e da ordem social, é todo um mundo que se abre diante de nós; será de espantar que seja preciso tempo, e muito tempo, para o adquirir? A contradição, aliás, não é sempre tão evidente quanto pode parecer. Não vemos, todos os dias, homens que, ensinando a mesma ciência, divergem quanto à definição de uma coisa, seja ao empregar termos diferentes, seja ao encará-la sob um outro ponto de vista, ainda que a idéia fundamental permaneça a mesma? Que se conte, se possível, o número de definições que foram dadas pela gramática! Acrescentamos ainda que a forma da resposta depende, muitas vezes, da forma da pergunta. Seria ingenuidade encontrar uma contradição onde há apenas uma diferença de palavras. Os Espíritos Superiores não se prendem de nenhum modo à forma; para eles, o fundo do pensamento é tudo. Tomemos por exemplo a definição da alma. Por essa palavra comportar várias significações, os Espíritos podem, assim como nós, divergir na definição que lhe dão: um poderá dizer que é o princípio da vida; um outro, chamá-la de centelha anímica23; um terceiro, dizer que é interna; um quarto, que é externa, etc., e todos terão razão em seu ponto de vista. Poderíamos até mesmo acreditar que alguns deles, em vista da sua definição, ensinassem teorias materialistas e, entretanto, não é assim. Ocorre o mesmo em relação a Deus; Ele será: o Princípio de todas as coisas, o Criador do universo, a Soberana inteligência, o Infinito, o Grande Espírito, etc., etc. e decisivamente será sempre Deus. Citamos, por fim, a classificação dos Espíritos. Eles formam uma escala contínua desde o grau inferior até o superior; portanto, a classificação não é rígida: um poderia estabelecer três classes; um outro, cinco, dez ou vinte, à vontade, sem estar, por isso, em erro. Também as ciências humanas nos oferecem o exemplo: cada sábio tem o seu sistema, os sistemas mudam, mas a ciência não. Que se aprenda botânica pelo sistema de Lineu, de Jussiel ou de Tournefort 24 e não será menos botânica. Deixemos de dar, portanto, às coisas de pura convenção mais importância do que merecem, para nos ocupar daquilo que é verdadeiramente sério, e a reflexão nos fará descobrir, muitas vezes, naquilo que parece mais contraditório, uma semelhança que nos havia escapado à primeira vista.

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MANEIRAS E MÉTODOS/ERROS DE ORTOGRAFIA

ortografia de alguns Espíritos, se ela não nos permitisse fazer, sobre o fato, uma observação essencial. A ortografia deles, é preciso dizer, nem sempre é impecável; mas é necessário não ter mais nenhum argumento para fazer disso objeto de uma crítica séria, alegando que, uma vez que os Espíritos sabem tudo, devem saber ortografia. Poderíamos apontar numerosos pecados desse gênero cometidos por mais de um sábio da Terra, o que não lhes tira em nada o mérito; entretanto, há nesse fato uma questão mais importante: para os Espíritos e principalmente para os Espíritos Superiores, a idéia é tudo, a forma não é nada. Desligados da matéria, sua linguagem é rápida como o pensamento, uma vez que é o próprio pensamento que se comunica sem intermediário; em vista disso, devem sentir-se constrangidos, pouco à vontade, quando são obrigados, para se comunicar conosco, a se servir de formas longas e confusas da linguagem humana, agravadas pela insuficiência e imperfeição dessa linguagem para exprimir todas as ideias; é o que eles próprios dizem. É curioso também ver os meios que empregam para atenuar esse inconveniente. Certamente faríamos o mesmo se tivéssemos que nos exprimir numa língua mais longa em palavras e expressões e mais pobre do que aquela que nos é usual. É o embaraço que experimenta o homem de gênio, como podemos imaginar, se impacientando com a lentidão de sua caneta, que está sempre atrás de seu pensamento. Concebe-se, por essa razão, que os Espíritos deem pouca importância ao detalhe da pobreza das regras ortográficas, quando se trata especialmente de um ensinamento sério. Já não é maravilhoso, aliás, que eles se exprimam indiferentemente em todas as línguas e as compreendam todas? Entretanto, não devemos concluir que a correção convencional da linguagem lhes seja desconhecida; eles a observam quando necessário. É assim, por exemplo, que a poesia ditada por eles, muitas vezes, desafia a crítica mais meticulosa, e isso apesar da ignorância do médium.

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A LOUCURA E O ESPIRITISMO

Há também pessoas que veem perigo em todos os lugares e em tudo o que não conhecem e rapidamente apontam uma consequência desfavorável no fato de algumas pessoas, ao estudar a Doutrina Espírita, terem perdido a razão. Como é que homens de bom senso podem ver nesse fato uma objeção séria? Não ocorre o mesmo com todas as preocupações intelectuais sobre um cérebro fraco? Sabe-se lá o número de loucos e maníacos produzidos pelos estudos matemáticos, médicos, musicais, filosóficos e outros? É preciso, por causa disso, banir esses estudos? O que prova esse fato? Muitas vezes os trabalhos corporais deformam ou mutilam os braços e as pernas, que são os instrumentos da ação material; pode acontecer que os trabalhos da inteligência danifiquem o cérebro, o instrumento pelo qual o pensamento se expressa. Mas se o instrumento está quebrado, o Espírito está intacto, e quando se libertar do corpo vai se achar de posse e na plenitude de suas capacidades. É dessa maneira, como homem, um mártir do trabalho. Qualquer uma das grandes preocupações do Espírito pode ocasionar a loucura: as ciências, as artes e a própria religião mostram-nos vários casos. A loucura tem como causa principal uma predisposição orgânica do cérebro, que o torna mais ou menos acessível a algumas impressões. Se houver predisposição para a loucura, ela assume um caráter de preocupação principal, se transformando em idéia fixa, podendo tanto ser a dos Espíritos, em quem com eles se ocupou, como poderá ser a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, de uma ciência, da maternidade ou a de um sistema político-social. É provável que um louco religioso se tornasse um louco espírita, se o Espiritismo fosse sua preocupação dominante, como um louco espírita o teria sido sob uma outra forma, segundo as circunstâncias. Digo, portanto, que o Espiritismo não tem nenhum privilégio nessa relação; e digo mais, afirmo que, se bem compreendido, o Espiritismo é uma defesa contra a loucura. Entre as causas mais comuns de supraexcitação cerebral, ou seja, do desequilíbrio mental, estão as decepções, as infelicidades, as afei- ções contrariadas, que são, ao mesmo tempo, as causas mais frequentes de suicídio. Assim é que o verdadeiro espírita vê as coisas deste mundo de um ponto de vista mais elevado; elas lhe parecem tão pequenas, tão mesquinhas, diante do futuro que o espera; a vida é para ele tão curta, tão passageira, que as tribulações são, a seus olhos, apenas incidentes desagradáveis de uma viagem. O que em qualquer outro produziria uma violenta emoção pouco o afeta; sabe, além de tudo, que os desgostos da vida são provas que servem para o seu adiantamento, se as suporta sem lamentar, porque será recompensado segundo a coragem com que as tiver suportado. Suas convicções lhe dão uma resignação que o protege do desespero e, por consequência, de uma causa frequente de loucura e suicídio. Ele sabe, por outro lado, por observar as comunicações com os Espíritos, o destino dos que encurtaram voluntariamente seus dias, e esse quadro é muito sério para fazê-lo refletir; também o número de pessoas que por causa disso se detiveram sobre essa inclinação fatal é considerável. Esse é um dos resultados do Espiritismo. Que os incrédulos riam dele quanto quiserem. Desejo-lhes as consolações que ele proporciona a todos que se dão ao trabalho de sondar-lhe as misteriosas profundezas. Ao número das causas de loucura é preciso ainda adicionar o dos temores, e entre estes o medo do diabo, que provocou o desequilíbrio de mais de um cérebro. Sabe-se lá o número de vítimas que se fez ao amedrontar as fracas imaginações com esse quadro que se procura tornar sempre mais pavoroso com terríveis detalhes? O diabo que, dizem, apenas mete medo às criancinhas, é um freio para torná-las ajuizadas, como o bicho-papão e o lobisomem. Contudo, quando não têm mais medo deles, tornam-se piores; e esse belo resultado não é levado em conta no número das epilepsias25 causadas pelo abalo em cérebros delicados. A religião seria bem fraca se não gerasse medo, sua força correria risco, seria abalada. Felizmente não é assim, há outros meios de ação sobre as almas; o Espiritismo lhe aponta os mais eficazes e os mais sérios, se souber usá-los com proveito; mostra a realidade das coisas e com isso neutraliza os efeitos desastrosos de um temor exagerado.

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TEORIAS ENGANADORAS

Resta-nos examinar duas objeções; as únicas que merecem verdadeiramente esse nome, porque são baseadas em teorias racionais. Ambas admitem a realidade de todos os fenômenos materiais e morais, mas excluem a intervenção dos Espíritos. A primeira dessas teorias diz que todas as manifestações atribuí- das aos Espíritos não seriam outra coisa senão efeitos magnéticos. Os médiuns entrariam num estado que se poderia chamar de sonambulismo acordado, fenômeno do qual toda pessoa que estudou o magnetismo pôde verificar e testemunhar. Nesse estado, as capacidades intelectuais adquirem um desenvolvimento anormal; o círculo das percepções intuitivas se estende além dos limites de nossa concepção normal. Dessa maneira, o médium tiraria de si mesmo e por efeito de sua lucidez tudo o que diz e todas as noções que transmite, mesmo sobre assuntos que lhe são completamente desconhecidos quando se acha no seu estado normal. Não seremos nós que contestaremos a força do sonambulismo, do qual vimos os extraordinários fenômenos e os estudamos em todas as fases durante mais de 35 anos. Concordamos, de fato, que muitas manifestações espíritas podem se explicar por ele, mas uma observação paciente e atenta mostra uma multidão de fatos em que a intervenção do médium, a não ser como instrumento passivo, é materialmente impossível. Àqueles que partilham dessa opinião diremos como aos outros: vede e observai, pois seguramente não vistes tudo. Em seguida propomos duas considerações tiradas de sua própria doutrina. De onde veio a teoria espírita? É um sistema imaginado por alguns homens para explicar os fatos? De modo algum. Quem a revelou? Precisamente esses mesmos médiuns dos quais exaltais a lucidez. Se, portanto, essa lucidez é exatamente como a supondes, por que teriam eles atribuído aos Espíritos o que possuíam em si mesmos? Como dariam esses ensinamentos tão precisos, lógicos e sublimes sobre a natureza dessas inteligências extrahumanas? De duas coisas, uma: ou são lúcidos ou não o são; se o são e se se pode confiar em sua veracidade, não haveria como, sem contradi- ção, admitir que não estão com a verdade. Em segundo lugar, se todos os fenômenos tivessem origem no médium, seriam idênticos no mesmo indivíduo e não se veria a mesma pessoa manifestar-se em linguagens diferentes e exprimir alternativamente as mais polêmicas idéias. Essa falta de unidade nas manifestações obtidas por um mesmo médium prova a diversidade das fontes; se, portanto, não se pode encontrá-las todas no médium, é preciso procurá-las fora dele. Uma outra opinião diz que o médium é a fonte das manifestações, mas, em vez de as tirar de si mesmo, assim como o pretendem os par tidários da teoria sonambúlica, as tira do meio ambiente. Assim sendo, o médium seria uma espécie de espelho refletindo todas as idéias, pensamentos e conhecimentos das pessoas que o rodeiam; não diria nada que já não fosse conhecido pelo menos por alguns. Não se poderia negar, e isso é mesmo um princípio da Doutrina, a influência exercida pelos assistentes sobre a natureza das manifestações. Porém, essa influência é diferente da que os opositores supõem existir, e daí a ser o médium o eco dos pensamentos daqueles que o rodeiam há uma grande distância, visto que milhares de fatos demonstram indiscutivelmente o contrário. Portanto, há nisso um erro grave que atesta, uma vez mais, o perigo das conclusões prematuras. Essas pessoas, não podendo negar a existência de um fenômeno que a ciência comum não pode explicar e não querendo admitir a presença dos Espíritos, o explicam a seu modo. Esta teoria, embora enganosa, seria atraente se pudesse abraçar todos os fatos, mas não é assim. Quando se lhes demonstra com a clareza mais lógica que algumas comunicações do médium são completamente estranhas ao pensamento, aos conhecimentos, às próprias opiniões de todos os assistentes, que essas comunicações são, muitas vezes, espontâneas e contradizem todas as ideias preconcebidas, eles não recuam e nem se dão por convencidos. A irradiação, dizem, estende-se muito além do círculo imediato que nos rodeia; o médium é o reflexo de toda a humanidade, de forma que, se não tira suas inspirações das coisas que estão ao seu redor, vai procurá-las fora, na cidade, no país, em todo o globo e mesmo em outras esferas. Não creio que se encontre nessa teoria uma explicação mais simples e mais provável que a do Espiritismo, embora revele uma causa bem mais maravilhosa. Porém, a ideia de que seres inteligentes povoam os espaços e que, estando em contato permanente conosco, nos comunicam seus pensamentos, nada tem que choque mais a razão do que se supor que essa irradiação universal vinda de todos os pontos do universo possa concentrar-se no cérebro de um indivíduo. Ainda uma vez, e esse é um ponto importante sobre o qual nunca é demais insistir: tanto a teoria sonambúlica quanto a que se poderia chamar refletiva foram imaginadas por alguns homens; são opiniões individuais criadas para explicar um fato, enquanto a Doutrina dos Espíritos não é de concepção humana. Foi ditada pelas próprias inteligências que se manifestaram quando ninguém sequer a concebia e que a própria opinião geral a repelia. Portanto, perguntamos: de onde os médiuns foram tirar uma doutrina que não existia no pensamento de ninguém na Terra? E perguntamos mais: por que estranha coincidência milhares de médiuns espalhados por todos os pontos do globo, que nunca se viram, combinaram dizer a mesma coisa? Se o primeiro médium que apareceu na França revelou a influência das mesmas opiniões já aceitas nos Estados Unidos, por que razão teria ido procurar essas idéias a 2000 léguas além dos mares, entre um povo de costumes e linguagem estranhos, em vez de procurá-las ao seu redor? Mas há uma outra particularidade sobre a qual não se tem pensado o suficiente. É que as primeiras manifestações, tanto na França quanto nos Estados Unidos, não ocorreram pela escrita, nem pela fala, mas por pancadas que concordavam com as letras do alfabeto formando palavras e frases. Foi por esse meio que as inteligências que se revelavam declararam ser Espíritos. Se pudermos, portanto, supor que haja a intervenção do pensamento dos médiuns nas comunicações verbais ou escritas, o mesmo não pode ter ocorrido com as pancadas, cuja significação não poderia ser conhecida com antecedência. Poderíamos citar muitos outros fatos que demonstram, na inteligência que se manifesta, uma individualidade evidente e uma independência absoluta de vontade. Remetemos, entretanto, os discordantes a uma observação mais atenta, e se querem estudar sem prevenção e não concluir antes de terem visto tudo, reconhecerão a fragilidade de sua teoria para explicar os fatos. Nós nos limitaremos a colocar as questões seguintes: por que a inteligência que se manifesta, seja ela qual for, recusa-se a responder a algumas questões sobre assuntos perfeitamente conhecidos, como, por exemplo, sobre o nome ou a idade do interrogador, sobre o que tem na mão, o que fez na véspera e o que fará no dia seguinte, etc.? Se o médium é de fato o espelho do pensamento dos assistentes, nada haveria de ser mais fácil do que dar essas respostas. Os adversários retrucam o argumento ao perguntar, por sua vez, por que os Espíritos, que devem saber tudo, não podem responder a coisas tão simples, de acordo com o axioma26 Quem pode o mais pode o menos, concluindo, daí, que não são respostas dos Espíritos. Se um ignorante ou um zombador se apresentasse diante de uma assembleia de sábios e perguntasse, por exemplo, por que faz dia em pleno meio-dia, acredita-se que alguém se desse ao trabalho de responder seriamente? Seria razoável por isso concluir, pelo silêncio ou desdém que se desse ao interrogador, que os componentes dessa assembleia são tolos? Portanto, é precisamente porque os Espíritos são superiores que não respondem às questões inúteis e ridículas e não querem se pôr em evidência, é por isso que se calam ou dizem se ocupar com coisas mais sérias. Perguntaremos, por fim, por que os Espíritos vêm e vão frequentemente num dado momento, e por que, passado esse momento, não há preces nem súplicas que os possam trazer de volta? Se o médium somente agisse como um reflexo do impulso mental dos assistentes, é evidente que, nessa circunstância, o concurso de todas as vontades reunidas deveria estimular sua clarividência. Se não cede ao desejo da assembleia, fortalecido também por sua própria vontade, é porque obedece a uma influência estranha a ele mesmo e aos que estão à sua volta, e que essa influência demonstra, por esse fato, sua independência e sua individualidade.

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A DOUTRINA E AS OBRAS DE DEUS

A descrença com que se têm referido à Doutrina Espírita, quando não é o resultado de uma oposição sistemática interesseira, tem quase sempre origem no conhecimento incompleto dos fatos, o que não impede algumas pessoas de abordar e decidir a questão como se a conhecessem perfeitamente. Pode-se ser muito inteligente, ter muita instrução e não se ter bom senso; portanto, o primeiro indício de falta de discernimento quando se julga é acreditar ser infalível. Muitas pessoas também vêem as manifestações espíritas somente como curiosidade; esperamos que pela leitura deste livro elas encontrem nesses extraordinários fenô- menos outra coisa além de um simples passatempo. A ciência espírita compreende duas partes: uma experimental, sobre as manifestações em geral, e outra filosófica, sobre as manifestações inteligentes. Todo aquele que somente observou a primeira está na posição de quem conhece a física apenas por experiências recreativas, sem ter penetrado a fundo na ciência. A verdadeira Doutrina Espírita está no ensinamento dado pelos Espíritos, e os conhecimentos que esse ensinamento comporta são muito sérios para serem adquiridos de qualquer outro modo que não seja por um estudo atencioso e contínuo, feito no silêncio e no recolhimento, porque somente nessa condição pode-se observar um número infinito de fatos e de detalhes que escapam ao observador superficial e permitem firmar uma opinião. Se este livro não tivesse outra finalidade que não fosse mostrar o lado sério da questão e de provocar estudos nesse sentido, para nós já seria bastante honroso e ficaríamos felizes por ter realizado uma obra a que não pretendemos, de resto, nos atribuir mérito pessoal, uma vez que seus princípios não são de nossa criação e o seu mérito é inteiramente dos Espíritos que a ditaram. Esperamos que ela tenha um outro resultado: o de guiar os homens desejosos de se esclarecer, mostrando-lhes nestes estudos um objetivo grande e sublime: o do progresso individual e social, e de lhes indicar o caminho a seguir para atingi-lo. Concluímos com uma última consideração. Os astrônomos, ao sondar os espaços, encontraram na distribuição dos corpos celestes lacunas não justificadas e em desacordo com as leis do conjunto. Eles supuseram que essas lacunas deveriam estar ocupadas por globos que escapavam à sua observação, mas, ao mesmo tempo, observa ram alguns efeitos cuja causa desconheciam e concluíram: “Aí deve haver um mundo, porque essa lacuna não pode existir e esses efeitos devem ter uma causa”. Analisando, então, a causa pelo efeito, puderam calcular os elementos, e mais tarde os fatos vieram justificar suas previsões. Apliquemos esse mesmo raciocínio a uma outra ordem de ideias. Se observarmos todas as criaturas, verificaremos que formam uma cadeia, sem interrupção, desde a matéria bruta até o homem mais inteligente. Mas entre o homem e Deus, o alfa e o ômega27 de todas as coisas, que imensa lacuna! É racional pensar que terminem no homem os elos dessa cadeia? Ou que ele possa transpor de uma vez a distância que o separa do infinito? A razão nos diz que entre o homem e Deus deve haver outros escalões, como disse aos astrônomos que entre os mundos conhecidos devia haver outros mundos desconhecidos. Qual é a filosofia que preencheu essa lacuna? O Espiritismo a mostra ocupada por seres de todas as categorias do mundo invisível, e esses seres não são outros senão os Espíritos dos homens que atingiram os diferentes graus que conduzem à perfeição; então, tudo se liga, tudo se encaixa, desde o alfa até o ômega. Vós que negais a existência dos Espíritos, preenchei, portanto, o vazio que eles ocupam; e vós que rides deles, ousai rir das obras de Deus e de seu grande poder!

Allan Kardec

 

Princípios Básicos

Os fenômenos que estão além das leis da ciência comum se manifestam por toda parte e revelam na causa que os produz a ação de uma vontade livre e inteligente. A razão diz que um efeito inteligente deve ter como causa uma força inteligente, e os fatos provaram que essa força pode entrar em comunicação com os homens por meio de sinais materiais. Essa força, interrogada sobre sua natureza, declarou pertencer ao mundo dos seres espirituais que se libertaram do corpo carnal do homem. Foi assim que a Doutrina dos Espíritos foi revelada. As comunicações entre o mundo espírita e o mundo corporal estão na ordem natural das coisas e não constituem nenhum fato sobrenatural, é por isso que seus vestígios são encontrados entre todos os povos e em todas as épocas e hoje são comuns e evidentes para todos. Os Espíritos anunciam que os tempos marcados pela Providência para uma manifestação universal chegaram e que, sendo os mensageiros de Deus e os agentes de sua vontade, sua missão é instruir e esclarecer os homens ao abrir uma nova era para a regeneração da humanidade. Este livro contém os seus ensinamentos, foi escrito por ordem e sob o ditado dos Espíritos Superiores para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta dos preconceitos sistemáticos; não contém nada que não seja a expressão do pensamento deles e que não tenha sido submetido ao seu controle. Somente a ordem e a distribuição metódica das matérias, assim como as notas e a forma de algumas partes da redação, são obra daquele que recebeu a missão de publicá-lo.

Entre os Espíritos que concorreram para a realização desta obra, muitos viveram em diversas épocas na Terra, onde pregaram e praticaram a virtude e a sabedoria; outros não pertencem, pelo nome, a nenhum personagem cuja lembrança a história tenha guardado, mas sua elevação é atestada pela pureza dos seus ensinamentos e sua união com aqueles que trazem nomes venerados. Eis em que termos nos deram por escrito, e por intermédio de muitos médiuns, a missão de escrever este livro: “Ocupa-te com zelo e perseverança do trabalho que empreendeste com a nossa cooperação, porque esse trabalho é nosso. Nele pusemos as bases do novo edifício que se eleva e deve um dia reunir todos os homens num mesmo sentimento de amor e de caridade; mas antes de o publicares, nós o reveremos em conjunto, a fim de verificar todos os seus detalhes. Estaremos contigo todas as vezes que o pedires e para te ajudar em todos os outros trabalhos, porque isso é somente uma parte da missão que te foi confiada e que já te foi revelada por um de nós. Entre os ensinamentos que te são dados, há alguns que deves guardar somente para ti, até nova ordem. Nós vamos te indicar quando o momento de publicá-los tiver chegado. Enquanto esperas, examinaos e medita sobre eles, para estares pronto quando o dissermos. Coloca no início do livro a cepa de vinha que te desenhamos*, como emblema do trabalho do Criador; todos os princípios materiais que podem melhor representar o corpo e o Espírito estão nela reunidos: o corpo é a cepa; o Espírito é o licor; a alma ou o Espírito unido à matéria é o bago da uva. O homem purifica o Espírito pelo trabalho e tu sabes que é somente pelo trabalho do corpo que o Espírito adquire conhecimento. Não te deixes desencorajar pela crítica. Encontrarás opositores ferozes, especialmente entre as pessoas interessadas nos abusos. Irás encontrá-los, também, mesmo entre os Espíritos, porque aqueles que não são completamente desmaterializados frequentemente procuram semear a dúvida pela malícia ou ignorância; mas continua sempre, acredita em Deus e marcha com confiança: aqui estaremos para te sustentar e está próximo o tempo em que a Verdade brilhará por toda parte. A vaidade de alguns homens que acreditam saber tudo e querem explicar tudo à sua maneira fará surgir opiniões divergentes, mas todos que tiverem em vista o grande princípio de Jesus vão se irmanar num mesmo sentimento de amor ao bem e se unir por um laço fraternal que abrangerá o mundo inteiro. Eles deixarão de lado as disputas mesquinhas de palavras para apenas se ocupar das coisas essenciais, e a Doutrina será sempre a mesma, quanto ao fundo, para todos aqueles que receberem as comunicações dos Espíritos Superiores. É com a perseverança que chegarás a recolher o fruto de teus trabalhos. O prazer que experimentarás ao ver a Doutrina se propagar e ser compreendida será uma recompensa da qual conhecerás todo o valor, talvez mais no futuro do que no presente. Não te inquietes, portanto, com os espinhos e as pedras que os incrédulos ou os maus semearão no teu caminho; conserva a confiança: com a confiança chegarás ao objetivo e merecerás ser sempre ajudado. Lembra-te que os bons Espíritos somente assistem aos que servem a Deus com humildade e desinteresse e repudiam todo aquele que procura no caminho do céu um degrau para conquistar as coisas da Terra; eles se distanciam dos orgulhosos e ambiciosos. O orgulho e a ambição serão sempre uma barreira entre o homem e Deus; são um véu lançado sobre as claridades celestes, e Deus não pode se servir do cego para fazer compreender a luz”. São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, O Espírito da Verdade, Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, Swedenborg, etc.

 

PARTE PRIMEIRA

AS CAUSAS PRIMÁRIAS

DEUS E O INFINITO

 

CAPÍTULO 1

 

DEUS Deus e o infinito  

Provas da existência de Deus  

Atributos da Divindade – Panteismo

1 O que é Deus? – Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.

 2 O que devemos entender por infinito? – O que não tem começo nem fim; o desconhecido; tudo o que é desconhecido é infinito.

3 Poderíamos dizer que Deus é infinito? – Definição incompleta. Pobreza da linguagem dos homens, que é insuficiente para definir as coisas que estão acima de sua inteligência.  Deus é infinito em suas perfeições, mas o infinito é uma abstração. Dizer que Deus é infinito é tomar o atributo2 de uma coisa por ela própria, é definir uma coisa que não é conhecida por uma outra igualmente desconhecida.

PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS

4 Onde podemos encontrar a prova da existência de Deus? – Num axioma que aplicais às vossas ciências: não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem, e a vossa razão vos responderá. Para acreditar em Deus, basta ao homem lançar os olhos sobre as obras da criação. O universo existe, portanto ele tem uma causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo efeito tem uma causa e admitir que o nada pôde fazer alguma coisa.

5 Que conclusão podemos tirar do sentimento intuitivo que todos os homens trazem em si mesmos da existência de Deus? – A de que Deus existe; de onde lhes viria esse sentimento se repousasse sobre o nada? É ainda uma consequência do princípio de que não há efeito sem causa.

6 O sentimento íntimo que temos em nós da existência de Deus não seria o efeito da educação e das ideias adquiridas? – Se fosse assim, por que vossos selvagens teriam também esse sentimento? Se o sentimento da existência de um ser supremo fosse o produto de um ensinamento, não seria universal. Somente existiria naqueles que tivessem recebido esse ensinamento, como acontece com os conhecimentos científicos.

7 Poderemos encontrar a causa primária da formação das coisas nas propriedades íntimas da matéria? – Mas, então, qual teria sido a causa dessas propriedades? Sempre é preciso uma causa primária. Atribuir a formação primária das coisas às propriedades íntimas da matéria seria tomar o efeito pela causa, porque essas propriedades são elas mesmas um efeito que deve ter uma causa.

8 O que pensar da opinião que atribui a formação primária a uma combinação acidental e imprevista da matéria, ou seja, ao acaso? – Outro absurdo! Que homem de bom senso pode conceber o acaso como um ser inteligente? E, além de tudo, o que é o acaso? Nada.  A harmonia que regula as atividades do universo revela combinações e objetivos determinados e, por isso mesmo, um poder inteligente. Atribuir a formação primária ao acaso seria um contrassenso, porque o acaso é cego e não pode produzir os efeitos que a inteligência produz. Um acaso inteligente não seria mais um acaso.

9 Onde é que se vê na causa primária a manifestação de uma inteligência suprema e superior a todas as inteligências? – Tendes um provérbio que diz: “Pela obra reconhece-se o autor.” Pois bem: olhai a obra e procurai o autor. É o orgulho que causa a incredulidade. O homem orgulhoso não admite nada acima dele; é por isso que se julga um espírito forte. Pobre ser, que um sopro de Deus pode abater! ? Julga-se o poder de uma inteligência por suas obras. Como nenhum ser humano pode criar o que a natureza produz, a causa primária é, portanto, uma inteligência superior à humanidade. Quaisquer que sejam os prodígios realizados pela inteligência humana, essa inteligência tem ela mesma uma causa e, quanto mais grandioso for o que ela realize, maior deve ser a causa primária. É essa inteligência superior que é a causa primária de todas as coisas, qualquer que seja o nome que o homem lhe queira dar.

ATRIBUTOS DA DIVINDADE

10 - O homem pode compreender a natureza íntima de Deus? – Não, falta-lhe, para isso, um sentido.

11 Um dia será permitido ao homem compreender o mistério da Divindade? – Quando seu Espírito não estiver mais obscurecido pela matéria e, pela sua perfeição, estiver mais próximo de Deus, então o verá e o compreenderá. A inferioridade das faculdades do homem não lhe permite compreender a natureza íntima de Deus. Na infância da humanidade, o homem O confunde muitas vezes com a criatura, da qual lhe atribui as imperfeições; mas, à medida que o senso moral nele se desenvolve, seu pensamento compreende melhor o fundo das coisas e ele faz uma idéia de Deus mais justa e mais conforme ao seu entendimento, embora sempre incompleta.

12 Se não podemos compreender a natureza íntima de Deus, podemos ter idéia de algumas de suas perfeições? – Sim, de algumas. O homem as compreende melhor à medida que se eleva acima da matéria. Ele as pressente pelo pensamento.

13 Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom, não temos uma ideia completa de seus atributos? – Do vosso ponto de vista, sim, porque acreditais abranger tudo. Mas ficai sabendo bem que há coisas acima da inteligência do homem mais inteligente e que a vossa linguagem, limitada às vossas ideias e sensações, não tem condições de explicar. A razão vos diz, de fato, que Deus deve ter essas perfeições em grau supremo, porque se tivesse uma só de menos, ou que não fosse de um grau infinito, não seria superior a tudo e, por conseguinte, não seria Deus. Por estar acima de todas as coisas, Ele não pode estar sujeito a qualquer instabilidade e não pode ter nenhuma das imperfeições que a imaginação possa conceber. Deus é eterno. Se Ele tivesse tido um começo teria saído do nada, ou teria sido criado por um ser anterior. É assim que, de degrau em degrau, remontamos ao infinito e à eternidade. É imutável; se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o universo não teriam nenhuma estabilidade. É imaterial, ou seja, sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria; de outro modo não seria imutável, porque estaria sujeito às transformações da matéria. É único; se houvesse vários deuses, não haveria unidade de desígnios, nem unidade de poder na ordenação do universo. É todo-poderoso, porque é único. Se não tivesse o soberano poder, haveria alguma coisa mais ou tão poderosa quanto Ele; não teria feito todas as coisas e as que não tivesse feito seriam obras de um outro Deus.

É soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das Leis Divinas se revela nas menores como nas maiores coisas, e essa sabedoria não permite duvidar de sua justiça nem de sua bondade.

PANTEÍSMO

14 Deus é um ser distinto, ou seria, segundo a opinião de alguns, resultante de todas as forças e de todas as inteligência. Deus existe, não podeis duvidar disso, é o essencial. Crede em mim, não deveis ir além, não vos percais num labirinto de onde não podereis sair, isso não vos tornaria melhores, mas talvez um pouco mais orgulhosos, porque acreditaríeis saber e na realidade não saberíeis nada. Deixai de lado todos esses sistemas; tendes muitas coisas que vos tocam mais diretamente, a começar por vós mesmos. Estudai vossas próprias imperfeições a fim de vos desembaraçar delas, isso vos será mais útil do que querer penetrar no que é impenetrável.

15 O que pensar da opinião de que todos os corpos da natureza, todos os seres, todos os globos do universo, seriam parte da Divindade e constituiriam, pelo seu conjunto, a própria Divindade, ou seja, o que pensar da doutrina panteísta? – O homem, não podendo se fazer Deus, quer pelo menos ser uma parte d’Ele. 16 Aqueles que acreditam nessa doutrina pretendem nela encontrar a demonstração de alguns atributos de Deus. Sendo os mundos infinitos, Deus é, por isso mesmo, infinito; não havendo o vazio ou o nada em nenhuma parte, Deus está, portanto, em toda parte; Deus, estando por toda parte, uma vez que tudo é parte integrante de Deus, dá a todos os fenômenos da natureza uma razão de ser inteligente. O que se pode opor a esse raciocínio? – A razão. Refleti maduramente e não vos será difícil reconhecer o absurdo disso. Esta doutrina faz de Deus um ser material que, embora dotado de uma inteligência suprema, seria em tamanho grande o que nós somos em tamanho pequeno. Uma vez que a matéria se transforma sem parar, se assim for, Deus não teria nenhuma estabilidade, estaria sujeito a todas as mudanças e variações, a todas as necessidades da humanidade, e lhe faltaria um dos atributos essenciais da Divindade: a imutabilidade. Não se pode imaginar que são as mesmas as propriedades da matéria e a essência de Deus, sem O rebaixar na nossa concepção. Todas as sutilezas do sofisma3 não conseguirão resolver o problema na sua natureza íntima. Não sabemos tudo o que Deus é, mas sabemos o que não pode deixar de ser, e a teoria do panteísmo está em contradição com suas propriedades mais essenciais; ela confunde o criador com a criatura, exatamente como se afirmasse categoricamente que uma máquina engenhosa fosse parte integrante do mecânico que a concebeu. A inteligência de Deus se revela em suas obras como a de um pintor em seu quadro, mas as obras de Deus não são o próprio Deus, assim como o quadro não é o pintor que o concebeu e executou.

CAPÍTULO 2

 

ELEMENTOS GERAIS DO UNIVERSO

 

Conhecimento do princípio das coisas -

Espírito e matéria - Propriedades da matéria -

 Espaço universal

CONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DAS COISAS

17 É permitido ao homem conhecer o princípio das coisas? – Não, Deus não permite que tudo seja revelado ao homem aqui na Terra.

18 O homem penetrará um dia no mistério das coisas que lhe são ocultas? – O véu se levanta para ele à medida que se depura; mas, para compreender algumas coisas, precisa de faculdades, dons, que ainda não possui.

19 O homem não pode, pelas investigações das ciências, penetrar em alguns dos segredos da natureza? – A ciência lhe foi dada para seu adiantamento em todas as coisas, mas não pode ultrapassar os limites fixados por Deus. Quanto mais é permitido ao homem penetrar pelo conhecimento nesses segredos, maior deve ser sua admiração pelo poder e sabedoria do Criador; mas, seja pelo orgulho ou fraqueza, sua própria inteligência o torna, muitas vezes, joguete da ilusão. Amontoa sistemas sobre sistemas e cada dia que passa lhe mostra quantos erros tomou por verdades e quantas verdades rejeitou como erros. São outras tantas decep- ções para o seu orgulho.

20 Fora das investigações da ciência, é permitido ao homem receber comunicações de uma ordem mais elevada sobre o que escapa ao alcance dos seus sentidos? – Sim, se Deus julgar útil, pode revelar o que a ciência não consegue apreender.  É por essas comunicações que o homem obtém, dentro de certos limites, o conhecimento de seu passado e de sua destinação futura.

ESPÍRITO E MATÉRIA

21 A matéria existe desde o princípio, como Deus, ou foi criada por Ele em determinado momento? – Somente Deus o sabe. Entretanto, há uma coisa que a vossa razão deve deduzir: é que Deus, modelo de amor e caridade, nunca esteve inativo. Por mais remoto que possa vos parecer o início de sua ação, acaso o podereis imaginar por um segundo sequer na ociosidade?

22 Define-se, geralmente, a matéria como sendo o que tem extensão, o que pode causar impressão aos nossos sentidos, o que é impenetrável. Essas definições são exatas? – Do vosso ponto de vista são exatas, visto que somente falais do que conheceis. Mas a matéria existe em estados que para vós são desconhecidos. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil que não cause nenhuma impressão aos vossos sentidos; entretanto, é sempre matéria, embora para vós não o seja.

22 a Que definição podeis dar da matéria? – A matéria é o laço que prende o Espírito; é o instrumento de que ele se serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce sua ação. ? De acordo com essa idéia, pode-se dizer que a matéria é o agente, o intermediário, com a ajuda do qual, e sobre o qual, atua o Espírito.

23 O que é o Espírito? – Espírito é o princípio inteligente do universo1 .

23 a Qual é a natureza íntima do Espírito? – Não é fácil explicar o Espírito com a vossa linguagem. Para vós, ele não é nada, visto que o Espírito não é algo palpável, mas para nós é alguma coisa. Sabei bem: o nada não é coisa nenhuma, o nada não existe.

24 Espírito é sinônimo de inteligência? – A inteligência é um atributo essencial do Espírito, mas ambos se confundem num princípio comum, de modo que, para vós, são a mesma coisa.

25 O Espírito é independente da matéria ou é apenas uma propriedade dela, como as cores são propriedades da luz e o som uma propriedade do ar? – Ambos são distintos, mas é preciso a união do Espírito e da matéria para que a inteligência se manifeste na matéria.

25 a Essa união é igualmente necessária para a manifestação do Espírito? (Entendemos, aqui, por espírito o princípio inteligente, e não as individualidades designadas sob esse nome). – Ela é necessária para vós, porque não sois organizados para perceber o Espírito sem a matéria; vossos sentidos não são feitos para isso.

26 Pode-se conceber o Espírito sem a matéria e a matéria sem o Espírito? – Pode-se, sem dúvida, pelo pensamento.

27 Haveria, assim, dois elementos gerais do universo: a matéria e o Espírito? – Sim, e acima de tudo Deus, o Criador, o Pai de todas as coisas. Deus, Espírito e matéria são o princípio de tudo o que existe, a trindade universal. Mas ao elemento material é preciso acrescentar o fluido universal, que faz o papel de intermediário entre o Espírito e a matéria propriamente dita, muito grosseira para que o Espírito possa ter uma ação sobre ela. Ainda que sob certo ponto de vista se possa incluí-lo no elemento material, ele se distingue por propriedades especiais. Se o fluido universal fosse matéria, não haveria razão para que o Espírito não o fosse também. Ele está colocado entre o Espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria; suscetível, por suas inumeráveis combinações com ela e sob a ação do Espírito, de poder produzir uma infinita variedade de coisas das quais conheceis apenas uma pequena parte. Esse fluido universal, primitivo, ou elementar, sendo o agente que o Espírito utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de dispersão e nunca adquiriria as propriedades que a força da gravidade lhe dá.

27 a Seria esse fluido o que designamos sob o nome de eletricidade? – Dissemos que ele é suscetível de inumeráveis combinações; o que chamais fluido elétrico, fluido magnético, são modificações do fluido universal, que é, propriamente falando, uma matéria mais perfeita, mais sutil e que se pode considerar como independente.

28 Uma vez que o próprio Espírito é alguma coisa, não seria mais exato e menos sujeito a confusões designar esses dois elementos gerais pelas palavras: matéria inerte e matéria inteligente? – As palavras pouco nos importam; cabe a vós formular vossa linguagem de maneira a vos entenderdes. Vossas controvérsias surgem quase sempre do que não compreendeis sobre as palavras que usais, porque vossa linguagem é incompleta para as coisas que os vossos sentidos não percebem. Um fato notório domina todas as hipóteses: vemos matéria sem inteligência e vemos um princípio inteligente independente da matéria. A origem e a ligação dessas duas coisas nos são desconhecidas. Se elas vêm ou não de uma fonte comum, se há pontos de contato entre elas, se a inteligência tem sua existência própria ou se é uma propriedade, um efeito ou mesmo, conforme a opinião de alguns, se é uma emanação da Divindade, é o que ignoramos. Elas nos aparecem distintas, é por isso que nós as admitimos como formando dois princípios que constituem o universo. Vemos acima de tudo isso uma inteligência que domina todas as outras e as governa, que se distingue por seus atributos essenciais. É a essa inteligência suprema que chamamos Deus.

PROPRIEDADES DA MATÉRIA

29 A ponderabilidade2 é um atributo essencial da matéria? – Da matéria, assim como a entendeis, sim; mas não da matéria considerada como fluido universal. A matéria etérea e sutil que forma esse fluido é imponderável para vós, mas nem por isso deixa de ser o princípio de vossa matéria pesada.

A gravidade3 é uma propriedade relativa. Fora das esferas de atração dos mundos, não há peso, do mesmo modo que não há nem acima, nem abaixo.

30 A matéria é formada de um único ou de vários elementos? – De um único elemento primitivo. Os corpos que considerais simples não são verdadeiros elementos, mas transformações da matéria primitiva.

31 De onde vêm as diferentes propriedades da matéria? – São modificações que as moléculas4 elementares sofrem por sua união e em determinadas circunstâncias.

32 Diante disso, os sabores, os odores, as cores, o som, as qualidades venenosas ou salutares dos corpos apenas seriam modificações de uma única e mesma substância primitiva? – Sim, sem dúvida, e que apenas existem pela disposição dos órgãos destinados a percebê-los.  Esse princípio é demonstrado pelo fato de que nem todo mundo percebe as qualidades dos corpos da mesma maneira: um acha uma coisa agradável ao gosto, outro a acha ruim; uns veem azul o que outros veem vermelho; o que é um veneno para uns é inofensivo ou salutar para outros.

33 A mesma matéria elementar é suscetível de passar por todas as modificações e adquirir todas as propriedades? – Sim, e é o que se deve entender quando dizemos que tudo está em tudo*.

O oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o carbono e todos os corpos que consideramos como simples são somente modificações de uma substância primitiva. Na impossibilidade em que nos encontramos até o presente de conhecer, a não ser pelo pensamento, essa matéria primitiva, esses corpos são para nós verdadeiros elementos e podemos, sem maiores consequências, considerá-los assim, até nova ordem.

33 a E essa teoria parece dar razão à opinião daqueles que só admitem na matéria duas propriedades essenciais, a força e o movimento, e pensam que todas as outras propriedades são apenas efeitos secundários, variando de acordo com a intensidade da força e a direção do movimento? – Essa opinião é exata. É preciso também acrescentar: conforme a disposição das moléculas, como vês, por exemplo, num corpo opaco, que pode tornar-se transparente, e vice-versa. 34 As moléculas têm uma forma determinada? – Sem dúvida, as moléculas têm uma forma, que não é perceptível para vós.

34 a Essa forma é constante ou variável? – Constante para as moléculas elementares primitivas e variável para as moléculas secundárias, que são somente aglomerações das primeiras; porque aquilo que chamais molécula ainda está longe da molécula elementar.

ESPAÇO UNIVERSAL

35 O espaço universal é infinito ou limitado? – Infinito. Supondo que fosse limitado, devíeis perguntar: o que haverá além de seus limites? Isso confunde a razão, bem o sei, e, entretanto, a própria razão diz que não pode ser de outro modo. Essa é a idéia do infinito em todas as coisas, e não é na vossa pequena esfera que podeis compreendê-lo. Supondo-se um limite ao espaço, por mais distante que o pensamento possa concebê-lo, a razão diz que além desse limite há alguma coisa, e, assim, sucessivamente, até o infinito; porém, se essa alguma coisa fosse o vazio absoluto, ainda seria espaço.

36 O vazio absoluto existe em alguma parte no espaço universal? – Não, nada é vazio. O que imaginais como vazio é ocupado por uma matéria que escapa aos vossos sentidos e aos vossos instrumentos.

CAPÍTULO 3

 

CRIAÇÃO

Formação dos mundos

– Formação dos seres vivos

– Povoamento da Terra. Adão

– Diversidade das raças humanas

– Pluralidade dos mundos

– Considerações e concordâncias bíblicas a respeito da Criação

 

FORMAÇÃO DOS MUNDOS

? O universo abrange a infinidade dos mundos que vemos e aqueles que não vemos, todos os seres animados e inanimados, todos os astros que se movem no espaço e os fluidos que o preenchem.

37 O universo foi criado ou existe desde toda a eternidade, como Deus? – Sem dúvida, ele não se fez a si mesmo. Se existisse de toda a eternidade, como Deus, não poderia ser obra de Deus. ? A razão nos diz que o universo não se fez por si só e que, não podendo ser obra do acaso, deve ser obra de Deus.

38 Como Deus criou o universo? – Para me servir de uma expressão usual: pela Sua vontade. Nada revela melhor essa vontade Todo-poderosa do que estas belas palavras da Gênese: “E Deus disse: ‘Que se faça a luz’. E a luz se fez.”

39 Poderemos conhecer o modo da formação dos mundos? – Tudo o que se pode dizer e o que podeis compreender é que os mundos se formam pela condensação da matéria espalhada no espaço.

40 Os cometas seriam, como se pensa atualmente, um começo da condensação da matéria, mundos em processo de formação? – Isso é exato, mas o absurdo é acreditar na influência deles. Quero dizer, na influência que lhes é atribuída vulgarmente, porque todos os corpos celestes influem em certos fenômenos físicos.

41 Um mundo completamente formado pode desaparecer e a maté- ria que o compõe ser espalhada de novo no espaço? – Sim, Deus renova os mundos como renova os seres vivos.

42 Podemos saber o tempo de duração da formação dos mundos, da Terra, por exemplo? – Não posso te dizer, somente o Criador sabe, e bem louco seria quem pretendesse saber ou conhecer o número dos séculos dessa formação.

FORMAÇÃO DOS SERES VIVOS

43 Quando a Terra começou a ser povoada? – No início tudo era o caos, os elementos estavam desordenados. Pouco a pouco, cada coisa tomou seu lugar. Então apareceram os seres vivos apropriados ao estado do globo.

44 De onde vieram os seres vivos da Terra? – A Terra continha os germes que aguardavam o momento favorável para se desenvolverem. Os princípios orgânicos se agregaram desde que cessou a força que os mantinha separados, e eles formaram os germes de todos os seres vivos. Aqueles germes ficaram em estado latente1 , de inércia, como a crisálida e as sementes das plantas, até chegar o momento propício para o aparecimento de cada espécie. Então os seres de cada espécie se reuniram e se multiplicaram.

45 Onde estavam os elementos orgânicos antes da formação da Terra? – Eles se encontravam, por assim dizer, no estado de fluido no espaço, no meio dos Espíritos, ou em outros planetas, à espera da criação da Terra para começar uma nova existência em um novo globo2 . A química nos mostra as moléculas dos corpos inorgânicos se unindo para formar cristais de uma regularidade constante, segundo cada espécie, desde que se encontrem nas condições adequadas. A menor alteração dessas condições basta para impedir a reunião dos elementos ou, pelo menos, mudar a disposição regular que constitui o cristal. Por que não ocorreria o mesmo com os elementos orgânicos? Conservamos durante anos sementes de plantas e de animais que somente se desenvolvem a uma temperatura certa e em ambiente propício; vimos grãos de trigo germinar depois de muitos séculos3 . Há, portanto, nessas sementes, um princípio latente da vitalidade que apenas espera uma circunstância favorável para se desenvolver. O que se passa diariamente sob nossos olhos não pode também ter existido desde a origem do globo? Essa formação dos seres vivos partindo do caos pela força da própria natureza diminui em alguma coisa a grandeza de Deus? Longe disso: responde melhor à ideia que fazemos de Seu poder se exercendo sobre mundos infinitos pela ação de leis eternas. Esta teoria não resolve, é verdade, a questão da origem dos elementos vitais; mas Deus tem seus mistérios e colocou limites às nossas investigações.

46 Ainda há seres que nascem espontaneamente? – Sim. Mas o germe primitivo já existia em estado latente. Todos os dias vós mesmos sois testemunhas desse fenômeno. Não dormitam, em estado latente, tanto no homem quanto no animal, bilhões de germes de uma multidão de vermes aguardando o momento de despertar para iniciarem a putrefação que vai provocar a decomposição cadavérica indispensável à sua existência? Este é um pequeno mundo que dorme e se cria.

47 A espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos contidos no globo terrestre? – Sim, e veio a seu tempo. Foi o que levou a dizer que o homem foi formado do limo da Terra.

48 Podemos conhecer a época do aparecimento do homem e de outros seres vivos sobre a Terra? – Não, todos os vossos cálculos são hipotéticos, suposições.

49 Se o germe da espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos do globo, por que não se formam mais espontaneamente os homens, como na sua origem? – O princípio das coisas está nos segredos de Deus. Entretanto, podese dizer que os homens, uma vez espalhados pela Terra, absorveram os elementos necessários para a própria formação da espécie, para transmiti-los de acordo com as leis da reprodução. Ocorreu o mesmo com as diferentes espécies de seres vivos.

POVOAMENTO DA TERRA. ADÃO

50 A espécie humana começou por um único homem? – Não; aquele a quem chamais Adão não foi nem o primeiro, nem o único que povoou a Terra.

51 Podemos saber em que época viveu Adão? – Mais ou menos na que assinalais: por volta de 4000 anos antes de Cristo. ? O homem cuja tradição se conservou sob o nome de Adão foi um dos que sobreviveram, numa região, após alguns dos grandes cataclismos que abalaram a superfície do globo em diversas épocas e veio a originar uma das raças que o povoam hoje. As leis da natureza se opõem à opinião de que os progressos da humanidade, observados muito antes de Cristo, tenham se realizado em alguns séculos, caso o homem tivesse aparecido na Terra somente a partir da época assinalada para a existência de Adão. Para muitos, Adão é considerado, e com muita razão, mais um mito, uma alegoria, personificando os primeiros tempos do mundo.

DIVERSIDADE DAS RAÇAS HUMANAS

52 De onde vêm as diferenças físicas e morais que distinguem as variedades de raças humanas na Terra?

– Do clima, da vida e dos costumes. Aconteceria o mesmo com dois filhos de uma mesma mãe que, se educados longe um do outro e de maneira diferente, não se pareceriam em nada quanto ao moral.

53 O homem apareceu em muitos pontos do globo? – Sim, e em diversas épocas. Esta é uma das causas da diversidade das raças. Depois, os homens, ao se dispersarem sob diferentes climas e ao se misturarem os de raças diferentes, formaram novos tipos. 53 a Essas diferenças constituem espécies distintas? – Certamente que não, todas são da mesma família. Por acaso, diferentes variedades de um mesmo fruto deixam de pertencer à mesma espécie?

54 Se a espécie humana não procede de um só indivíduo, os homens devem deixar por isso de se considerarem irmãos? – Todos os homens são irmãos perante Deus, porque são animados pelo Espírito e tendem para o mesmo objetivo. Por que razão deveis sempre tomar as palavras ao pé da letra?

PLURALIDADE DOS MUNDOS

55 Todos os globos que circulam no espaço são habitados? – Sim, e o homem da Terra está longe de ser, como pensa, o primeiro em inteligência, bondade e perfeição. Entretanto, há homens que se julgam superiores a tudo e imaginam que somente este pequeno globo tem o privilégio de ter seres racionais. Orgulho e vaidade! Acreditam que Deus criou o universo só para eles. ? Deus povoou os mundos com seres vivos, todos convergindo para o objetivo final da Providência. Acreditar que só existem seres vivos no planeta que habitamos seria colocar em dúvida a sabedoria de Deus, que não faz nada inútil. A cada um desses mundos Deus deve ter dado uma destinação mais séria do que divertir as nossas vistas. Nada, aliás, nem pela posição, nem pelo volume, nem pela constituição física da Terra, pode razoavelmente fazer supor que seja a única a ter o privilégio de ser habitada, com exclusão de tantos milhares de mundos semelhantes.

56 A constituição física dos diferentes globos é a mesma? – Não. Não se assemelham em nada.

57 Como a constituição física dos mundos não é a mesma, podemos concluir que os seres que os habitam têm corpos e uma organização diferente? – Sem dúvida, como entre vós os peixes são feitos para viver na água e os pássaros, no ar.

58 Os mundos mais afastados do Sol são privados da luz e do calor, já que o Sol apenas se mostra para eles com a aparência de uma estrela?

– Acreditais então que não há outras fontes de luz e de calor além do Sol, e não considerais o valor e a importância da eletricidade que, em alguns mundos, desempenha um papel que vos é desconhecido e muito mais importante do que na Terra? Aliás, já dissemos que os seres desses mundos não são nem da mesma matéria nem têm os órgãos dispostos como os vossos. ? As condições de existência dos seres que habitam os diferentes mundos devem ser apropriadas ao meio em que vivem. Se nunca tivéssemos visto peixes, não compreenderíamos que seres pudessem viver na água. É assim em outros mundos, que contêm, sem dúvida, elementos que nos são desconhecidos. Não vemos, na Terra, longas noites polares iluminadas pela eletricidade das auroras boreais4 ? O que há de impossível em que, em certos mundos, a eletricidade seja mais abundante do que na Terra e tenha aplicações e funções, cujos efeitos não podemos compreender? Esses mundos podem, portanto, conter em si mesmos as fontes de calor e de luz necessárias aos seus habitantes.

CONSIDERAÇÕES E CONCORDÂNCIAS BÍBLICAS A RESPEITO DA CRIAÇÃO

59 Os povos formaram ideias muito divergentes a respeito da Criação, conforme o grau de seus conhecimentos. A razão, apoiada na ciência, reconheceu a impossibilidade e a contradição de algumas teorias. O ensinamento dos Espíritos a esse respeito confirma a opinião desde há muito tempo admitida pelos homens mais esclarecidos. A objeção que se pode fazer a essa teoria é que está em contradição com o texto dos livros bíblicos, mas um exame sério fará reconhecer que essa contradição é mais aparente do que real e resulta da interpretação dada a certas passagens dos textos que em geral têm um sentido alegórico, figurado. A questão do primeiro homem, Adão, ter sido a única fonte que originou a humanidade não é o único ponto sobre o qual as crenças religiosas tiveram que se modificar. O movimento da Terra pareceu, em certa época, de tal modo oposto ao texto bíblico que não houve forma de perseguição da qual essa teoria não tenha sido o pretexto e, entretanto, a Terra gira, apesar dos anátemas5 , e ninguém hoje poderia contestá-lo sem depreciar a sua própria razão e submeter-se ao ridículo. A Bíblia diz igualmente que o mundo foi criado em seis dias e fixa a época da criação por volta de 40006 anos antes da Era Cristã. Antes disso, a Terra não existia, ela foi tirada do nada; o texto é formal, é claro.

Mas, eis que a ciência positiva, a ciência inabalável, vem provar o contrá- rio. A formação do globo está gravada em caracteres nítidos e indiscutíveis no mundo fóssil 7 , e está provado que os seis dias da criação representam períodos que podem constituir-se, cada um, de centenas de milhares de anos. Isso não é um sistema, doutrina, ou opinião isolada; é um fato tão constatado quanto o movimento da Terra, que a teologia8 não pode recusar-se a admitir, prova evidente do erro em que se está sujeito a cair por tomar ao pé da letra as expressões de uma linguagem frequentemente figurada. Devemos por isso concluir que a Bíblia está errada? Não. Mas podemos concluir que os homens, em muitos pontos, se enganaram ao interpretá-la. A ciência, ao escavar os arquivos da Terra, descobriu a ordem em que os diferentes seres vivos apareceram na sua superfície, e essa ordem está de acordo com a que é indicada na Gênese9 , com a diferença de que toda a Criação, em vez de ter saído miraculosamente das mãos de Deus em algumas horas, conforme está escrito no Gênese, se realizou sempre pela Sua vontade, mas de acordo com a lei das forças da natureza, em alguns milhões de anos. Deus é por isso menor e menos poderoso? Sua obra é menos sublime por não ter o prestígio da instantaneidade? Evidente que não. Seria preciso fazer da Divindade uma ideia bem mesquinha para não reconhecer Seu grande poder nas leis eternas que estabeleceu para reger os mundos. A ciência, longe de diminuir a obra divina, mostra-a sob um aspecto mais grandioso e mais em conformidade com as noções que temos do poder e da majestade de Deus, em razão de ter se realizado sem anular as leis da natureza. A ciência, neste ponto concordante com Moisés, coloca o homem em último lugar na ordem da criação dos seres vivos; mas, enquanto Moisés, no Gênese, põe o dilúvio universal no ano de 1654 após a Criação, a Geologia nos mostra o grande cataclismo10 anterior ao aparecimento do homem na Terra. Até hoje não se encontrou nas camadas primitivas do globo nenhum indício nem da presença do homem nem de animais da mesma categoria do ponto de vista físico. Mas nada prova que isso seja impossível. Muitas descobertas já lançaram dúvidas a esse respeito. Pode-se, portanto, de um momento para outro, adquirir a certeza material dessa anterioridade da raça humana, e então se reconhecerá que, sobre esse ponto, como em outros, o texto bíblico é um símbolo, uma representação. A questão é saber se o cataclismo geológico é o mesmo que atingiu Noé. O certo é que a duração necessária à formação das camadas fósseis não permite confundi-los, e a partir do momento que se tiverem encontrado traços da existência do homem antes da grande catástrofe, ficará provado ou que Adão não foi o primeiro homem, ou que sua criação se perde na noite dos tempos. Contra fatos não há argumentos possíveis e será preciso aceitar esses fatos, como se aceitou o do movimento da Terra e os seis períodos da Criação. A existência do homem11 antes do dilúvio geológico, na verdade, ainda é hipotética12, mas eis aqui um detalhe que revela que não é assim. Ao admitir que o homem tenha aparecido pela primeira vez sobre a Terra 4000 anos antes de Cristo, e que, 1650 anos mais tarde, toda a raça humana tenha sido destruída, com exceção de uma única família, resulta que o povoamento da Terra ocorreu somente a partir de Noé, ou seja, 2350 anos antes de nossa era. Porém, quando os hebreus emigraram para o Egito no décimo oitavo século, encontraram esse país muito povoado e já muito avançado em civilização. A História prova que nessa época também a Índia e outros países estavam igualmente florescentes, sem mesmo se levar em conta a cronologia de alguns outros povos que remonta a uma época ainda bem mais antiga. Teria sido preciso, portanto, que do vigésimo quarto ao décimo oitavo século, ou seja, no espaço de 600 anos, não somente os descendentes de um único homem pudessem povoar todos os imensos países então conhecidos, supondo que os outros não o fossem, mas também que, nesse curto espaço de tempo, a espécie humana pudesse se elevar da ignorância absoluta do estado primitivo ao mais alto grau do desenvolvimento intelectual, o que é contrário a todas as leis antropológicas13. A diversidade das raças vem, ainda, em apoio a essa opinião. O clima e os costumes, sem dúvida, produzem modificações no caráter físico, mas sabe-se até onde pode chegar a influência dessas causas, e o exame fisiológico14 prova que há entre algumas raças diferenças mais profundas do que o clima pode produzir na constituição física do homem. O cruzamento das raças origina os tipos intermediários. Ele tende a apagar os caracteres extremos, primitivos, mas não os produz; apenas cria variedades. Portanto, em vista disso, para que houvesse cruzamento de raças, seria preciso que houvesse raças distintas. Como explicar a existência de raças tão distintas se lhes dermos uma origem comum e sobretudo tão próxima? Como admitir que, em poucos séculos, alguns descendentes de Noé fossem transformados a ponto de produzir, por exemplo, a raça etíope? Uma transformação desse porte é tão pouco admissível quanto a hipótese de terem uma mesma origem o lobo e o cordeiro, o elefante e o pulgão, o pássaro e o peixe. Mais uma vez: nada pode prevalecer contra a evidência dos fatos. Tudo se explica, ao contrário, se admitirmos que a existência do homem é anterior à época que lhe é vulgarmente assinalada; a diversidade das origens; que Adão, que viveu há seis mil anos, tenha povoado uma região ainda desabitada; que o dilúvio de Noé foi uma catástrofe parcial e que foi considerada como um cataclismo geológico e, finalmente, atentando para o fato da forma de linguagem alegórica própria do estilo oriental e que se encontra nos livros sagrados de todos os povos. Por isso é prudente não acusar apressadamente de falsas as doutrinas que podem cedo ou tarde, como tantas outras, desmentir aqueles que as combatem. As idéias religiosas, em vez de perder, se engrandecem ao marchar com a ciência. Esse é o único meio de não mostrar ao ceticismo um lado vulnerável.

CAPÍTULO 4

 

PRINCÍPIO VITAL

Seres orgânicos e inorgânicos

– A vida e a morte

– Inteligência e instinto

 

SERES ORGÂNICOS E INORGÂNICOS

Os seres orgânicos são os que têm em si uma fonte de atividade íntima que lhes dá a vida. Eles nascem, crescem, se reproduzem por si mesmos e morrem. São providos de órgãos especiais para a realização dos diferentes atos da vida, apropriados às suas necessidades de conservação. Os homens, os animais e as plantas são seres orgânicos. Seres inorgânicos são todos os que não têm nem vitalidade, nem movimentos próprios e são formados apenas pela agregação da matéria; são os minerais, a água, o ar, etc. 60 É a mesma força que une os elementos da matéria nos corpos orgânicos e inorgânicos? – Sim, a lei de atração é a mesma para tudo.

61 Há uma diferença entre a matéria dos corpos orgânicos e a dos inorgânicos? – A matéria é sempre a mesma, mas nos corpos orgânicos está animalizada.

62 Qual é a causa da animalização da matéria? – Sua união com o princípio vital.

63 O princípio vital é um agente particular ou é apenas uma propriedade da matéria organizada? Numa palavra, é um efeito ou uma causa? – Uma e outra. A vida é um efeito produzido pela ação de um agente sobre a matéria. Esse agente, sem a matéria, não é vida, do mesmo modo que a matéria não pode viver sem esse agente. O princípio vital dá a vida a todos os seres que o absorvem e assimilam.

64 Vimos que o Espírito e a matéria são dois elementos constituintes do universo. O princípio vital forma um terceiro? – É, sem dúvida, um dos elementos necessários à constituição do universo, mas ele mesmo tem sua fonte na matéria universal modificada. É um elemento, como para vós o oxigênio e o hidrogênio que, entretanto, não são elementos primitivos, embora tudo isso proceda de um mesmo princípio.

64 a Disso parece resultar que a vitalidade não tem seu princípio num agente primitivo distinto, mas numa propriedade especial da matéria universal, em razão de algumas modificações? – É a consequência do que dissemos.

65 O princípio vital reside em algum dos corpos que conhecemos? – Tem sua fonte no fluido universal. É o que chamais fluido magnético ou fluido elétrico animalizado. Ele é o intermediário, o elo entre o Espírito e a matéria.

66 O princípio vital é o mesmo para todos os seres orgânicos? – Sim, modificado conforme as espécies. É o que lhes dá movimento e atividade e os distingue da matéria inerte, uma vez que o movimento da matéria não é a vida. A matéria recebe esse movimento, não o dá.

67 A vitalidade é um atributo permanente do agente vital ou apenas se desenvolve pelo funcionamento dos órgãos? – Apenas se desenvolve com o corpo. Não dissemos que esse agente sem a matéria não é a vida? É preciso a união das duas coisas para produzir a vida.

67 a Pode-se dizer que a vitalidade está em estado latente, quando o agente vital não está unido ao corpo? – Sim, é isso. ? O conjunto dos órgãos constitui uma espécie de mecanismo que recebe um estímulo de atividade íntima ou princípio vital que existe neles. O princípio vital é a força motriz dos corpos orgânicos. Ao mesmo tempo que o agente vital estimula os órgãos, a ação deles mantém e desenvolve a atividade do agente vital, quase do mesmo modo como o atrito produz o calor.

68 Qual é a causa da morte entre os seres orgânicos? – O esgotamento dos órgãos. Podemos comparar a morte com o cessar do movimento numa máquina desarranjada? – Sim; se a máquina está mal montada, o movimento cessa; se o corpo está doente, a vida se extingue. 

69 Por que uma lesão do coração causa a morte mais do que em qualquer outro órgão? – O coração é a máquina da vida, mas não é o único órgão cuja lesão ocasiona a morte. É somente uma das peças essenciais.

70 O que acontece com a matéria e o princípio vital dos seres orgânicos quando eles morrem? – A matéria sem atividade se decompõe e vai formar novos organismos. O princípio vital retorna à sua origem, à sua fonte. ? Quando o ser orgânico morre, os elementos que o constituíam passam a fazer parte de novas combinações e participam na formação de novos seres, que por sua vez passam a tirar da fonte universal o princí- pio da vida e da atividade, o absorvem e assimilam para novamente devolvê-lo a essa fonte quando deixarem de existir.

Os órgãos estão, por assim dizer, impregnados de fluido vital que dá a todas as partes do organismo uma atividade geradora da união entre elas, e, no caso de lesões, restabelece as funções que estavam momentaneamente danificadas. Mas quando os elementos essenciais ao funcionamento dos órgãos são destruídos, ou muito profundamente desarranjados, o fluido vital é incapaz de transmitir o movimento da vida, e o ser morre. Mais ou menos por uma ação inevitável e forçosa os órgãos reagem uns sobre os outros. É da harmonia de seu conjunto que resulta sua ação mútua. Quando, por qualquer causa, essa harmonia é destruída, suas funções param como o movimento de uma máquina cujas peças principais se desarranjaram. Como um relógio que se desgasta com o tempo ou quebra por acidente, e ao qual a força motriz é incapaz de pôr em movimento. Temos uma imagem mais exata da vida e da morte num aparelho elétrico. Esse aparelho, como todos os corpos da natureza, possui eletricidade em estado latente. Os fenômenos elétricos somente se manifestam quando o fluido é colocado em atividade por uma causa especial. Então, poderíamos dizer que o aparelho está vivo. Parando a causa da atividade, o fenômeno cessa: o aparelho volta ao estado de inércia. Os corpos orgânicos seriam, assim, uma espécie de pilhas ou aparelhos elétricos nos quais a atividade do fluido produz o fenômeno da vida. A paralisação dessa atividade produz a morte. A quantidade de fluido vital não é precisamente a mesma para todos os seres orgânicos. Ela varia de acordo com as espécies e não é constante, seja no mesmo indivíduo ou em indivíduos da mesma espécie. Há os que são, por assim dizer, saturados desse fluido, enquanto outros possuem apenas uma quantidade suficiente; daí, para alguns a vida mais ativa, mais tenaz e, de certo modo, superabundante. A quantidade de fluido vital se esgota. Pode tornar-se insuficiente para a manutenção da vida se não for renovada pela absorção e assimilação das substâncias que o contêm. O fluido vital se transmite de um indivíduo para outro. Aquele que tem mais pode dar para quem tem menos e, em alguns casos, restabelecer a vida prestes a se extinguir.

INTELIGÊNCIA E INSTINTO

71 A inteligência é um atributo do princípio vital? – Não, uma vez que as plantas vivem e não pensam: apenas têm a vida orgânica. A inteligência e a matéria são independentes, uma vez que um corpo pode viver sem inteligência. Porém, a inteligência só pode manifestar-se por meio dos órgãos materiais. É preciso a união com o Espírito para prover de inteligência a matéria animalizada. ? A inteligência é um dom especial, próprio de algumas classes de seres orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a vontade de agir, a consciência de sua existência e de sua individualidade, assim como os meios de estabelecer relações com o mundo exterior e de proverem as suas necessidades. Podem distinguir-se assim: 1º) os seres inanimados, formados apenas de matéria, sem vitalidade nem inteligência: são os corpos brutos; 2º) os seres animados que não pensam, formados de matéria e dotados de vitalidade, mas desprovidos de inteligência; 3º) os seres animados pensantes, formados de matéria, dotados de vitalidade e tendo a mais um princípio inteligente que lhes dá a faculdade de pensar.

72 Qual é a fonte da inteligência? – Já o dissemos: a inteligência universal.

72 a Podemos, então, dizer que cada ser tira uma porção de inteligência da fonte universal e a assimila, como tira e assimila o princí- pio da vida material? – Isso é apenas uma comparação, mas não é exata. A inteligência é um dom próprio de cada ser e constitui sua individualidade moral. Por fim, há coisas que não são dadas ao homem penetrar, e essa por enquanto é uma delas.

73 O instinto é independente da inteligência? – Não, precisamente, mas ele é uma espécie de inteligência. O instinto é uma inteligência não-racional. É por meio dele que todos os seres provêm as suas necessidades.

74 Pode-se assinalar um limite entre o instinto e a inteligência, ou seja, perceber onde um acaba e a outra começa? – Não, porque frequentemente se confundem. Mas pode-se muito bem distinguir os atos do instinto dos da inteligência.

75 É exato dizer que os dons instintivos diminuem à medida que aumentam os intelectuais? – Não; o instinto sempre existe, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele nos guia, quase sempre, mais seguramente do que a razão. Nunca se engana.

75 a Por que a razão não é sempre um guia infalível? – Ela seria infalível se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo egoísmo. O instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o livre-arbítrio. O instinto é uma inteligência rudimentar em que as manifestações são quase sempre espontâneas, e difere da inteligência propriamente dita, cujas manifestações expressam uma avaliação de um ato deliberado que sofreu exame interior. O instinto varia em suas manifestações quanto às espécies e às suas necessidades. Entre os seres que têm a consciência e a percepção das coisas exteriores, ele se alia à inteligência, quer dizer, à vontade e à liberdade.

PARTE SEGUNDA

MUNDO ESPÍRITA OU DOS ESPÍRITOS

CAPÍTULO 1

 

DOS ESPÍRITOS

Origem e natureza dos Espíritos – Mundo normal primitivo – Forma e ubiquidade dos Espíritos – Períspirito – Diferentes ordens de Espíritos – Escala espírita – Terceira ordem - Espíritos imperfeitos – Segunda ordem - Bons Espíritos – Primeira ordem - Espíritos puros – Progressão dos Espíritos – Anjos e demônios.

ORIGEM E NATUREZA DOS ESPÍRITOS

76 Que definição se pode dar dos Espíritos? – Pode-se dizer que os Espíritos são os seres inteligentes da Criação. Eles povoam o universo, fora do mundo material. ? Nota: A palavra Espírito é empregada aqui para designar a individualidade e não mais o elemento inteligente universal.

77 Os Espíritos são seres distintos da Divindade ou seriam somente emanações ou porções da Divindade e chamados, por essa razão, filhos de Deus? – Meu Deus! São obras de Deus. Exatamente como um homem que faz uma máquina, essa máquina é a obra do homem, mas não é ele próprio. Quando o homem faz uma coisa bela, útil, a chama sua filha, sua criação. Pois bem! Ocorre o mesmo com Deus: somos seus filhos, porque somos sua obra.

78 Os Espíritos tiveram um princípio, ou são como Deus, de toda a eternidade? – Se os Espíritos não tivessem tido um princípio, seriam iguais a Deus. São sua criação e submissos à Sua vontade. Deus existe de toda a eternidade, isso é incontestável. Mas saber quando e como nos criou, não sabemos nada. Podeis dizer que não tivemos princípio, se entenderdes com isso que Deus, sendo eterno, tem criado sem descanso. Mas quando e como cada um de nós foi criado, repito, ninguém o sabe: esse é o mistério.

79 Uma vez que há dois elementos gerais no universo: o inteligente e o material, pode-se dizer que os Espíritos são formados do elemento inteligente, como os corpos inertes são formados do elemento material?

– É evidente. Os Espíritos são a individualização do princípio inteligente, como os corpos são a individualização do princípio material. A época e o modo dessa formação é que são desconhecidos.

80 A criação dos Espíritos é permanente, ou só ocorreu no início dos tempos? – É permanente, Deus nunca parou de criar.

81 Os Espíritos se formam espontaneamente, ou procedem uns dos outros? – Deus os cria, como a todas as outras criaturas, por sua vontade. Mas, repito mais uma vez, sua origem é um mistério.

82 É exato dizer que os Espíritos são imateriais? – Como podemos definir uma coisa quando não temos termos de comparação e com uma linguagem insuficiente? Pode um cego de nascença definir a luz? Imaterial não é bem a palavra, incorpóreo seria mais exato, porque deveis compreender bem que o Espírito, sendo uma criação, deve ser alguma coisa. É uma matéria puríssima, mas sem comparação ou semelhança para vós, e tão etérea que não pode ser percebida pelos vossos sentidos. ? Dizemos que os Espíritos são imateriais, porque sua essência difere de tudo o que conhecemos como matéria. Uma comunidade de cegos não teria termos para exprimir a luz e seus efeitos. O cego de nascença acredita ter todas as percepções pela audição, pelo olfato, pelo paladar e pelo tato. Ele não compreende as ideias que lhe dariam o sentido que lhe falta. Do mesmo modo, em relação à essência dos seres sobre-humanos, somos como verdadeiros cegos. Podemos defini-los somente por comparações sempre imperfeitas, ou por um esforço de nossa imaginação.

83 Compreende-se que o princípio de onde emanam os Espíritos seja eterno, mas o que perguntamos é se sua individualidade tem um fim e se, num dado momento, mais ou menos longo, o elemento do qual são formados se dispersa e retorna à massa de onde saiu, como acontece com os corpos materiais. É difícil compreender que uma coisa que começou não possa acabar. Os Espíritos têm um fim? – Há coisas que não compreendeis, porque a vossa inteligência é limitada. Mas isso não é razão para serem rejeitadas. A criança não compreende tudo o que seu pai compreende, nem o ignorante tudo o que compreende o sábio. Nós vos dizemos que a existência dos Espíritos não acaba; é tudo o que, por agora, podemos dizer.

MUNDO NORMAL PRIMITIVO

84 Os Espíritos constituem um mundo à parte, fora daquele que vemos? – Sim, o mundo dos Espíritos ou das inteligências incorpóreas.

85 Qual dos dois é o principal na ordem das coisas: o mundo espiritual ou o mundo corporal? – O mundo espiritual, que preexiste e sobrevive a tudo.

86 O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem alterar a essência do mundo espiritual? – Sim, eles são independentes e, entretanto, sua correlação é incessante, porque reagem incessantemente um sobre o outro.

87 Os Espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço? – Os Espíritos estão em todos os lugares, povoam infinitamente os espaços. Estão sempre ao vosso lado, vos observam e agem entre vós sem os perceberdes, porque os Espíritos são uma das forças da natureza e os instrumentos dos quais Deus se serve para a realização de Seus desígnios providenciais. Mas nem todos vão a todos os lugares, porque há regiões interditadas aos menos avançados.

FORMA E UBIQUIDADE DOS ESPÍRITOS

88 Os Espíritos têm uma forma determinada, limitada e constante? – A vossos olhos, não; aos nossos, sim. O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão ou uma centelha etérea.

88 a Essa chama ou centelha tem uma cor qualquer? – Para vós, ela varia do escuro ao brilho do rubi, conforme seja o Espírito mais ou menos puro. ? É costume representarem-se os gênios com uma chama ou uma estrela sobre a fronte. É uma alegoria que lembra a natureza essencial dos Espíritos. Coloca-se no alto da cabeça, porque é aí a sede da inteligência. 89 Os Espíritos gastam algum tempo para percorrer o espaço? – Sim; porém, rápido como o pensamento.

89 a O pensamento não é a própria alma que se transporta? – Quando o pensamento está em algum lugar, a alma está também, uma vez que é a alma que pensa. O pensamento é um atributo da alma.

90 O Espírito que se transporta de um lugar a outro tem consciência da distância que percorre e dos espaços que atravessa, ou é subitamente transportado para o lugar aonde quer ir? – Ocorrem ambas as coisas. O Espírito pode muito bem, se o quiser, se dar conta da distância que percorre, mas essa distância pode também não ser sentida e até completamente despercebida. Isso depende de sua vontade e de sua natureza mais ou menos depurada.

91 A matéria oferece algum obstáculo aos Espíritos? – Não, eles penetram em tudo: o ar, a terra, as águas e até mesmo o fogo lhes são igualmente acessíveis.

92 Os Espíritos têm o dom da ubiqüidade, ou, em outras palavras, o mesmo Espírito pode se dividir ou estar em vários pontos ao mesmo tempo? – Não pode haver divisão do mesmo Espírito. Mas cada um é um centro que se irradia para diferentes lados e é por isso que parece estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Vedes o Sol, é apenas um e, entretanto, irradia-se em todos os sentidos e leva seus raios para muito longe. Apesar disso, não se divide.

92 a Todos os Espíritos se irradiam com o mesmo poder? – Longe disso. Isso depende do grau de pureza de cada um. ? Cada Espírito é uma unidade indivisível, mas cada um deles pode estender seu pensamento para muitos lugares sem com isso se dividir. É apenas nesse sentido que se deve entender o dom da ubiquidade atribuído aos Espíritos; como uma centelha que projeta ao longe sua claridade e pode ser percebida de todos os pontos do horizonte; ou, ainda, como um homem que, no mesmo lugar e sem se dividir, pode transmitir ordens, sinais e movimento para diferentes pontos.

PERISPÍRITO

93 O Espírito, propriamente dito, não tem nenhuma cobertura, ou como pretendem alguns, é envolvido por alguma substância? – O Espírito é envolvido por uma substância vaporosa para vós, mas ainda bem grosseira para nós; é suficientemente vaporosa para poder se elevar na atmosfera e se transportar para onde quiser. ? Assim como nas sementes o germe do fruto é envolvido pelo perisperma2 , do mesmo modo o Espírito, propriamente dito, é revestido de um envoltório que, por comparação, pode-se chamar períspirito.

94 De onde o Espírito tira seu envoltório semi-material? – Do fluido universal de cada globo. É por isso que não é igual em todos os mundos. Ao passar de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório, como trocais de roupa.

94 a Assim, quando os Espíritos que habitam os mundos superiores vêm até nós, revestem-se de um períspirito mais grosseiro? – É preciso que se revistam de vossa matéria, como já dissemos.

95 O envoltório semi-material do Espírito tem formas determinadas e pode ser perceptível? – Sim, tem a forma que lhe convém. É assim que se apresenta, algumas vezes, nos sonhos, ou quando estais acordados, podendo tomar uma forma visível e até mesmo palpável.

DIFERENTES ORDENS DE ESPÍRITOS

96 Os Espíritos são iguais ou há entre eles alguma hierarquia? – Eles são de diferentes ordens, de acordo com o grau de perfeição a que chegaram.

97 Há um número determinado de ordens ou de graus de perfeição entre os Espíritos? – O número é ilimitado. Não há entre essas ordens uma linha de demarcação como limite, e, assim, as divisões podem ser multiplicadas ou restringidas à vontade. No entanto, considerando-se as características gerais, podem reduzir-se a três principais. Em primeiro lugar, os que chegaram à perfeição: os Espíritos puros. Os da segunda ordem são os que atingiram o meio da escala: o desejo do bem é sua preocupação. Os do último grau, ainda no início da escala, são os Espíritos imperfeitos, caracterizados pela ignorância, pelo desejo do mal e por todas as más paixões que retardam seu adiantamento.

98 Os Espíritos da segunda ordem têm apenas o desejo do bem, ou terão também o poder de praticá-lo? – Têm esse poder segundo o grau de sua perfeição: uns têm a ciência, outros a sabedoria e a bondade, mas todos ainda têm provas a cumprir.

99 Os Espíritos da terceira ordem são todos essencialmente maus? – Não; uns não fazem o bem nem o mal; outros, ao contrário, se satisfazem no mal e sentem prazer quando encontram a ocasião de o fazer. E há ainda os Espíritos levianos ou zombadores, mais brincalhões do que maus, que se satisfazem antes na malícia do que na maldade e que encontram prazer em mistificar e causar pequenas contrariedades das quais se riem.

ESCALA ESPÍRITA

100 Observações preliminares: A classificação dos Espíritos é baseada no grau de seu adiantamento, nas qualidades que adquiriram e nas imperfeições de que ainda devam se livrar. Essa classificação não tem nada de absoluto. Cada categoria apenas apresenta um caráter nítido em seu conjunto, mas de um grau a outro a transição é insensível e nos extremos as diferenças se apagam como nos reinos da natureza, nas cores do arco- íris, ou, ainda, como nos diferentes períodos da vida do homem. Pode-se formar um número de classes mais ou menos grande, segundo o ponto de vista de que se considere a questão. Ocorre o mesmo com todos os sistemas de classificações científicas: esses sistemas podem ser mais ou menos completos, mais ou menos racionais, mais ou menos cômodos para a inteligência, mas, quaisquer que sejam, não mudam em nada as bases da ciência. Assim, os Espíritos interrogados sobre esse ponto puderam variar no número de categorias sem que isso tenha consequências. Armaram-se alguns contestadores da Doutrina com essa contradição aparente, sem refletir que os Espíritos não dão nenhuma importância ao que é puramente convencional. Para eles, o pensamento é tudo. Deixam para nós a forma, a escolha dos termos, as classificações, numa palavra, os sistemas. Acrescentamos ainda esta consideração, que jamais se deve perder de vista: é que entre os Espíritos, assim como entre os homens, há os muito ignorantes, e nunca será demais se prevenir contra a tendência de acreditar que todos devem saber tudo só porque são Espíritos. Qualquer classificação exige método, análise e conhecimento profundo do assunto. Portanto, no mundo dos Espíritos, aqueles que têm conhecimentos limitados são, como na Terra, os ignorantes, incapazes de abranger um conjunto para formular um sistema. Só imperfeitamente conhecem ou compreendem uma classificação qualquer. Para eles, todos os Espíritos que lhes são superiores são de primeira ordem, sem que possam apreciar as diferenças de saber, capacidade e moralidade que os distinguem entre si, como faria entre nós um homem rude em relação aos homens civilizados. Mesmo os que têm capacidade de o fazer podem variar nos detalhes, de acordo com seus pontos de vista, principalmente quando uma divisão como esta não tem limites fixados, nada de absoluto. Lineu, Jussiel e Tournefort proclamaram, cada um, seu método, e a botânica não se alterou em nada por causa disso. É que o método deles não inventou as plantas, nem seus caracteres. Eles apenas observaram as semelhanças e funções com as quais depois formaram grupos ou classes. Da mesma maneira procedemos nós. Não inventamos os Espíritos, nem seus caracteres. Vimos e observamos. Nós os julgamos por suas palavras e seus atos, depois os classificamos por semelhanças, baseando-nos em dados que eles próprios nos forneceram. Os Espíritos admitem geralmente três categorias principais ou três grandes divisões. Na última, a que está no início da escala, estão os Espíritos imperfeitos, caracterizados pela predominância da matéria sobre o Espírito e pela propensão ao mal. Os da segunda são caracterizados pela predominância do Espírito sobre a matéria e pelo desejo do bem: esses são os bons Espíritos. Os da primeira categoria atingiram o grau supremo da perfeição: são os Espíritos puros. Essa divisão nos parece perfeitamente racional e apresenta características bem definidas. Só nos faltava ressaltar, mediante um número suficiente de subdivisões, as diferenças principais do conjunto. Foi o que fizemos com o auxílio dos Espíritos, cujas instruções benevolentes nunca nos faltaram. Com o auxílio desse quadro será fácil determinar a categoria e o grau de superioridade ou inferioridade dos Espíritos com os quais podemos entrar em contato e, por conseguinte, o grau de confiança e de estima que merecem. É de certo modo a chave da ciência espírita, visto que apenas ele pode nos explicar as anomalias, as diferenças que apresentam as comunicações, ao nos esclarecer sobre as desigualdades intelectuais e morais dos Espíritos. Observaremos, todavia, que nem sempre os Espíritos pertencem exclusivamente a esta ou aquela classe. Seu progresso apenas se realiza gradualmente e, muitas vezes, mais num sentido do que em outro, e podem reunir as características de mais de uma categoria, o que se pode notar por sua linguagem e seus atos.

TERCEIRA ORDEM ESPÍRITOS IMPERFEITOS

101 Características gerais – Predominância da matéria sobre o Espírito. Propensão ao mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as más paixões que são suas consequências. Eles têm a intuição de Deus, mas não o compreendem. Nem todos são essencialmente maus. Entre alguns há mais leviandade, inconsequência e malícia do que verdadeira maldade. Alguns não fazem o bem nem o mal; mas, apenas pelo fato de não fazerem o bem, já demonstram sua inferioridade. Outros, ao contrário, se comprazem no mal e ficam satisfeitos quando encontram a ocasião de o fazer. Podem aliar a inteligência à maldade ou à malícia; mas qualquer que seja seu desenvolvimento intelectual, suas ideias são pouco elevadas e seus sentimentos mais ou menos inferiores. Seus conhecimentos sobre as coisas do mundo espírita são limitados e o pouco que sabem se confunde com as ideias e os preconceitos da vida corporal. Eles podem nos dar apenas noções falsas e incompletas, mas o observador atento encontra, muitas vezes, em suas comunicações imperfeitas, a confirmação das grandes verdades ensinadas pelos Espíritos Superiores. Seu caráter se revela pela sua linguagem. Todo Espírito que em suas comunicações revela um mau pensamento pode ser classificado na terceira ordem. Por consequência, todo mau pensamento que nos é sugerido vem de um Espírito dessa ordem. Eles vêem a felicidade dos bons e isso é, para eles, um tormento incessante, porque sentem todas as agonias que originam a inveja e o ciúme. Conservam a lembrança e a percepção dos sofrimentos da vida corporal e essa impressão é, muitas vezes, mais dolorosa do que a realidade. Sofrem, verdadeiramente, pelos males que suportaram em vida e pelos que fizeram os outros sofrer. E como sofrem por longo tempo, acreditam que irão sofrer para sempre. A Providência, para puni-los, permite que assim pensem3 . Pode-se dividi-los em cinco classes principais:

102 Décima classe. Espíritos Impuros – São inclinados ao mal e fazem dele o objeto de suas preocupações. Como Espíritos, dão conselhos falsos, provocam a discórdia e a desconfiança e se mascaram de todas as formas para melhor enganar. Eles se ligam às pessoas de caráter mais fraco, que cedem às suas sugestões, a fim de prejudicá-los, satisfeitos em poder retardar o seu adiantamento e fazê-las fracassar nas provas por que passam. Nas manifestações, esses espíritos são reconhecidos pela linguagem. A trivialidade e a grosseria das expressões, entre os Espíritos como entre os homens, é sempre um indício de inferioridade moral ou intelectual. Suas comunicações revelam a baixeza de suas inclinações e, se tentam enganar ao falar de uma maneira sensata, não podem sustentar esse papel por muito tempo, e acabam sempre por denunciar a sua origem. Alguns povos fizeram desses Espíritos divindades malfazejas; outros os designaram sob o nome de demônios, maus gênios, espíritos do mal. Quando estão encarnados, são inclinados a todos os vícios que geram as paixões vergonhosas e degradantes: a sensualidade, a crueldade, a mentira, a hipocrisia, a cobiça e a avareza sórdida. Fazem o mal pelo prazer de fazê-lo e, muitas vezes, sem motivos e por ódio ao bem, escolhem quase sempre suas vítimas entre as pessoas honestas. São flagelos para a humanidade, seja qual for a posição da sociedade a que pertençam, e o verniz da civilização não os livra da baixeza e da desonra.

103 Nona classe. Espíritos Levianos – São ignorantes, maliciosos, inconsequentes e zombeteiros. Envolvem-se em tudo, respondem a tudo, sem se preocupar com a verdade. Comprazem-se em causar pequenos desgostos e pequenas alegrias, atormentar e induzir maliciosamente ao erro por meio de mistificações e espertezas. A esta classe pertencem os Espíritos vulgarmente designados sob os nomes de duendes, trasgos4 , gnomos, diabretes. Estão sob a dependência dos Espíritos Superiores, que se utilizam deles, muitas vezes, como fazemos com os nossos servidores. Nas suas comunicações com os homens, a linguagem é algumas vezes espirituosa e engraçada, mas quase sempre sem profundidade. Compreendem os defeitos e o ridículo humanos, exprimindo-os em tiradas mordazes e satíricas. Se usam nomes supostos, é mais para se divertir conosco do que por maldade.

104 Oitava classe. Espíritos Pseudo-Sábios – Seus conhecimentos são bastante amplos, mas acreditam saber mais do que sabem na realidade. Tendo realizado alguns progressos sob diversos pontos de vista, sua linguagem tem uma característica séria que pode induzir ao erro e ocasionar enganos sobre suas capacidades e seus conhecimentos. Mas isso é apenas um reflexo dos preconceitos e das ideias sistemáticas que conservam da vida terrena. É uma mistura de algumas verdades ao lado dos erros mais absurdos, no meio dos quais sobressai a presunção, o orgulho, a inveja e a obstinação das quais não puderam se libertar.

105 Sétima classe. Espíritos Neutros – Não são bastante bons para fazer o bem, nem suficientemente maus para fazer o mal. Inclinam-se tanto para um quanto para o outro e não se elevam acima da condição comum da humanidade, tanto pela moral quanto pela inteligência. Eles se prendem às coisas deste mundo e lamentam a perda das alegrias grosseiras que nele deixaram.

106 Sexta classe. Espíritos Batedores e Perturbadores – Estes Espíritos não formam, propriamente falando, uma classe distinta quanto às qualidades pessoais, podendo pertencer a todas as classes da terceira ordem. Manifestam, frequentemente, sua presença por efeitos sensíveis e físicos, como pancadas, o movimento e o deslocamento anormal dos corpos sólidos, a agitação do ar, etc. Parecem estar ainda, mais do que outros, ligados à matéria e ser os agentes principais das variações e transformações das forças e elementos da natureza no globo, seja ao atuarem sobre o ar, a água, o fogo, os corpos duros ou nas entranhas da terra. Reconhece-se que esses fenômenos não se originam de uma causa imprevista e física, quando têm um caráter intencional e inteligente. Todos os Espíritos podem produzir esses fenômenos, mas os de ordem elevada os deixam, geralmente, como atribuições dos subalternos, mais aptos às coisas materiais do que às da inteligência. Quando julgam que essas manifestações são úteis, servem-se dos Espíritos dessa classe como seus auxiliares.

SEGUNDA ORDEM BONS ESPÍRITOS

107 Características gerais– Predominância do Espírito sobre a matéria; desejo do bem. Suas qualidades e poder para fazer o bem estão em conformidade com o grau que alcançaram. Uns têm a ciência; outros, a sabedoria e a bondade. Os mais adiantados reúnem o saber às qualidades morais. Não estando ainda completamente desmaterializados, conservam mais ou menos, de acordo com sua categoria, os traços da existência corporal, tanto na forma da linguagem quanto nos costumes, entre os quais se identificam algumas de suas manias. Não fosse por isso, seriam Espíritos perfeitos. Compreendem Deus e o infinito e já gozam da felicidade dos bons; são felizes pelo bem que fazem e pelo mal que impedem. O amor que os une é uma fonte de felicidade indescritível que não é alterada pela inveja, pelo remorso, nem por nenhuma das más paixões que fazem o tormento dos Espíritos imperfeitos. Mas todos ainda têm que passar por provas até que atinjam a perfeição absoluta.

Como Espíritos, sugerem bons pensamentos, desviam os homens do caminho do mal, protegem a vida daqueles que se tornam dignos e neutralizam a influência dos Espíritos imperfeitos sobre os que não têm por que passar por ela. Quando encarnados são bons e benevolentes com os seus semelhantes. Não são movidos pelo orgulho, egoísmo, nem ambição. Não sentem ódio, rancor, inveja ou ciúme e fazem o bem pelo bem. A esta ordem pertencem os Espíritos designados nas crenças populares pelos nomes de gênios bons, gênios protetores, Espíritos do bem. Nos tempos de superstições e ignorância, foram tidos como divindades benfazejas. Pode-se dividi-los em quatro grupos principais:

108 Quinta classe. Espíritos Benevolentes – Sua qualidade dominante é a bondade; satisfazem-se em prestar serviços aos homens e em protegê-los, mas seu saber é limitado. Seu progresso é maior no sentido moral do que no intelectual.

109 Quarta classe. Espíritos Prudentes ou Sábios – O que os distingue especialmente é a abrangência de seus conhecimentos. Preocupam-se menos com as questões morais do que com as científicas, para as quais têm mais aptidão. Mas consideram a ciência somente do ponto de vista da utilidade, livre das paixões que são próprias dos Espíritos imperfeitos.

110 Terceira classe. Espíritos de Sabedoria – As qualidades morais do mais elevado grau formam seu caráter. Sem ter conhecimentos ilimitados, são dotados de uma capacidade intelectual que lhes dá um julgamento preciso e sábio sobre os homens e as coisas.

111 Segunda classe. Espíritos Superiores – Reúnem a ciência, a sabedoria e a bondade. Sua linguagem revela sempre a benevolência e é constantemente digna, elevada, muitas vezes sublime. Sua superioridade os torna mais aptos que os outros para nos dar noções mais justas sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao homem conhecer. Comunicam-se benevolentemente com os que procuram de boa-fé a verdade e que têm a alma já liberta dos laços terrestres para compreendê-la. Mas se afastam dos que são movidos apenas pela curiosidade ou dos que a influência da matéria desvia da prática do bem. Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para realizar uma missão de progresso e nos oferecem, então, o modelo de perfeição a que a humanidade pode aspirar neste mundo.

PRIMEIRA ORDEM ESPÍRITOS PUROS

112 Características gerais – Não sofrem nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta em relação aos Espíritos das outras ordens.

113 Primeira classe. Classe Única – Passaram por todos os graus da escala e se libertaram de todas as impurezas da matéria. Tendo atingido o mais elevado grau de perfeição de que é capaz a criatura, não têm mais que sofrer provas nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, a vida é para eles eterna e a desfrutam no seio de Deus. Gozam de uma felicidade inalterável por não estarem sujeitos nem às necessidades, nem às variações e transformações da vida material. Mas essa felicidade não é de uma ociosidade monótona passada numa contemplação perpétua. São os mensageiros e ministros de Deus, cujas ordens executam para a manutenção da harmonia universal. Comandam todos os Espíritos que lhes são inferiores, ajudando-os a se aperfeiçoarem e lhes designam missões. Assistir os homens em suas aflições, incitá-los ao bem ou à expiação das faltas que os afastam da felicidade suprema é para eles uma agradabilíssima ocupação. São chamados, às vezes, de anjos, arcanjos ou serafins. Os homens podem entrar em comunicação com eles, mas presunçoso seria aquele que pretendesse tê-los constantemente às suas ordens.

PROGRESSÃO DOS ESPÍRITOS

114 Os Espíritos são bons ou maus por natureza ou são eles mesmos que se melhoram? – São os próprios Espíritos que se melhoram, passando de uma ordem inferior para uma ordem superior.

115 Dentre os Espíritos, alguns foram criados bons e outros maus? – Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, ou seja, sem conhecimento. Deu a cada um uma missão com o objetivo de esclarece-los e de fazê-los chegar, progressivamente, à perfeição pelo conhecimento da verdade e para aproximá-los de Si. A felicidade eterna e pura é para os que alcançam essa perfeição. Os Espíritos adquirem esses conhecimentos ao passar pelas provas que a Lei Divina lhes impõe. Uns aceitam essas provas com submissão e chegam mais depressa ao objetivo que lhes é destinado. Outros somente as suportam com lamentação e por causa dessa falta permanecem mais tempo afastados da perfeição e da felicidade prometida.

115 a Assim sendo, os Espíritos seriam em sua origem semelhantes às crianças, ignorantes e sem experiência, só adquirindo pouco a pouco os conhecimentos que lhes faltam ao percorrer as diferentes fases da vida? – Sim, a comparação é boa. A criança rebelde permanece ignorante e imperfeita, tem maior ou menor aproveitamento segundo sua docilidade. Porém, a vida do homem tem um limite, um fim, enquanto a dos Espíritos se estende ao infinito.

116 Há Espíritos que permanecerão perpetuamente nas classes inferiores? – Não, todos se tornarão perfeitos. Eles progridem, mas demoradamente. Como já dissemos, um pai justo e misericordioso não pode banir eternamente seus filhos. Pretenderíeis que Deus, tão grande, tão bom, tão justo, fosse pior do que vós mesmos?

117 Depende dos Espíritos apressar seu progresso para a perfeição? – Certamente. Chegam mais ou menos rapidamente conforme seu desejo e submissão à vontade de Deus. Uma criança dócil não se instrui mais rapidamente do que uma criança rebelde?

118 Os Espíritos podem se degenerar? – Não; à medida que avançam, compreendem o que os afasta da perfeição. Quando o Espírito acaba uma prova, fica com o conhecimento que adquiriu e não o esquece mais. Pode ficar estacionário, mas retroceder, não retrocede.

119 Deus não poderia isentar os Espíritos das provas que devem sofrer para atingir a primeira ordem? – Se tivessem sido criados perfeitos, não teriam nenhum mérito para desfrutar dos benefícios dessa perfeição. Onde estaria o mérito sem a luta? Além do mais, a desigualdade entre eles é necessária para desenvolver a personalidade, e a missão que realizam nessas diferentes ordens está nos desígnios da Providência para a harmonia do universo. ? Tendo em vista que na vida social todos os homens podem chegar às primeiras funções, igualmente poderíamos perguntar por que o soberano de um país não promove cada um de seus soldados a general; por que todos os empregados subalternos não são empregados superiores; por que todos os estudantes não são mestres. Portanto, há essa diferença entre a vida social e a vida espiritual: a primeira é limitada e nem sempre permite alcançar todos os graus, enquanto a segunda é indefinida e deixa a cada um a possibilidade de se elevar ao grau supremo.

120 Todos os Espíritos passam pelo mal para chegar ao bem? – Pelo mal, não, mas sim pela fieira5 da ignorância.

121 Por que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal? – Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não criou Espíritos maus; criou-os simples e ignorantes, ou seja, com as mesmas aptidões tanto para o bem quanto para o mal. Os que são maus o são por vontade própria.

122 Como é que os Espíritos, em sua origem, quando ainda não têm consciência de si mesmos, podem ter a liberdade de escolha entre o bem e o mal? Há neles algum princípio, alguma tendência que os leve para um ou outro caminho? – O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Não haveria mais liberdade se a escolha fosse determinada ou imposta por uma causa independente da vontade do Espírito. A causa não está nele, e sim fora, nas influências a que cede em virtude de sua livre vontade. É essa a grande figura da queda do homem e do pecado original: uns cederam, outros resistiram à tentação.

122 a De onde parte a influência sobre ele? – Dos Espíritos imperfeitos que procuram apossar-se dele para dominá-lo e ficam satisfeitos de o fazer fracassar. Foi isso que se quis simbolizar na figura de Satanás.

122 b Essa influência se exerce sobre o Espírito somente em sua origem? – Essa influência o segue na sua vida de Espírito até que alcance um domínio tão completo sobre si mesmo que os maus desistam de obsediá-lo6.

123 Por que Deus permitiu que os Espíritos pudessem seguir o caminho do mal? – Como ousais pedir a Deus conta de seus atos? Pensais poder penetrar seus desígnios? Entretanto, podeis pensar assim: a sabedoria de Deus está na liberdade de escolha que dá a cada um, porque, assim, cada um tem o mérito de suas obras.

124 Uma vez que há Espíritos que, desde o princípio, seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto, deve haver, sem dúvida, degraus entre esses dois extremos? – Sim, certamente, e é aí que se encontra a grande maioria.

125 Os Espíritos que seguiram o caminho do mal poderão chegar ao mesmo grau de superioridade que os outros? – Sim, mas as eternidades serão para eles mais longas. ? Por esta expressão – as eternidades – deve-se entender a ideia que os Espíritos inferiores têm da perpetuidade de seus sofrimentos, porque, como não lhes é dado ver o fim do seu sofrimento, essa ideia revive em todas as provas em que fracassam7 .

 126 Os Espíritos que alcançaram o grau supremo de perfeição, após terem passado pelo mal, têm menos mérito do que os outros, aos olhos de Deus?

– Deus contempla a todos do mesmo modo e os ama com o mesmo coração. Eles foram chamados maus por fracassarem; mas no início eram só simples Espíritos.

127 Os Espíritos são criados iguais quanto às aptidões intelectuais? – Eles são criados iguais, mas, não sabendo de onde vêm, é preciso que o livre-arbítrio prossiga seu curso. Progridem mais ou menos rapidamente em inteligência como em moralidade. ? Os Espíritos que seguem desde o princípio o caminho do bem nem por isso são Espíritos perfeitos. Se não têm tendências más ainda precisam adquirir a experiência e os conhecimentos necessários para atingir a perfeição. Podemos compará-los a crianças que, qualquer que seja a bondade de seus instintos naturais, têm necessidade de se desenvolver, se esclarecer e não passam, sem transição, da infância à idade adulta. Assim como há homens bons e outros maus desde sua infância, há também Espíritos bons ou maus desde sua origem, com a diferença fundamental de que a criança tem os instintos todos formados, enquanto o Espírito, na sua formação, não é mau, nem bom; tem todas as tendências e toma uma ou outra direção por efeito de seu livre-arbítrio.

ANJOS E DEMÔNIOS

128 Os seres a que chamamos anjos, arcanjos, serafins formam uma categoria especial de natureza diferente dos outros Espíritos? – Não. São os Espíritos puros. Estão no mais alto grau da escala e reúnem todas as perfeições. ? A palavra anjo desperta, geralmente, a idéia de perfeição moral. Entretanto, aplica-se, muitas vezes, a todos os seres bons e maus que estão fora da humanidade. Diz-se: o bom e o mau anjo, o anjo de luz e o anjo das trevas. Nesse caso, é sinônimo de Espírito ou de gênio. Nós a tomamos aqui na sua significação de bom.

129 Os anjos percorreram todos os graus da escala evolutiva? – Eles percorreram todos os graus, mas, como já dissemos: uns aceitaram sua missão sem murmurar e chegaram mais rápido; outros levaram um tempo mais ou menos longo para chegar à perfeição.

130 Se a opinião de que há seres criados perfeitos e superiores a todas as outras criaturas é errônea, como se explica o fato de que esteja na tradição de quase todos os povos? – Pensai e considerai que o vosso mundo não existe de toda a eternidade e que, muito tempo antes que ele existisse, havia Espíritos que já tinham alcançado o grau supremo da evolução. Eis por que os homens acreditaram que eles foram sempre assim (perfeitos).

131 Há demônios, no sentido que se dá a essa palavra? – Se houvesse demônios, seriam obra de Deus. Deus seria justo e bom por ter feito seres eternamente devotados ao mal e eternamente infelizes? Se há demônios, é no vosso mundo inferior e em outros semelhantes ao vosso. Demônios são esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo um Deus mau e vingativo e acreditam que Lhe agradam pelas abominações que cometem em Seu nome. A palavra demônio nos dias atuais significa e nos dá idéia de mau Espírito, porém a palavra grega Diamond, de onde se origina, significa gênio, inteligência, e se emprega para designar seres incorpóreos, bons ou maus, sem distinção. Os demônios, conforme o significado comum da palavra, supõem seres malvados por natureza, na sua essência. Seriam, como todas as coisas, criação de Deus. Assim sendo, Deus, soberanamente justo e bom, não pode ter criado seres predispostos, por sua natureza, ao mal e condenados por toda a eternidade. Se não fossem obra de Deus, seriam, forçosamente, como ele, de toda a eternidade, ou então haveria muitos poderes soberanos. A primeira condição de toda doutrina é a de ser lógica. A doutrina dos demônios, cuidadosa e severamente analisada, peca por essa base essencial. Pode-se compreendê-la na crença dos povos atrasados que, por não conhecerem os atributos de Deus, creem em divindades maldosas e em demônios. Mas, para todo aquele que faz da bondade de Deus um atributo por excelência, é ilógico e contraditório supor que Deus pudesse criar seres voltados ao mal e destinados a praticá-lo perpetuamente, porque isso é negar Sua bondade. Os partidários do demônio se apoiam nas palavras do Cristo. E com toda certeza não contestaremos aqui a autoridade de Seu ensinamento, que gostaríamos de ver mais no coração do que na boca dos homens. Mas os partidários dessa idéia estarão certos do significado que o Cristo dava à palavra demônio? Já não sabemos que a forma alegórica é a maneira usual de Sua linguagem? Tudo que é dito no Evangelho deve ser tomado ao pé da letra? Não precisamos de outra prova mais evidente além desta passagem: “Logo após esses dias de aflição, o Sol se escurecerá e a Lua não mais iluminará, as estrelas cairão do céu e as forças do céu serão abaladas. Eu vos digo em verdade que esta geração não passará sem que todas essas coisas sejam cumpridas.” Não vimos à forma de o texto bíblico ser contestada pela ciência no que se refere à Criação e ao movimento da Terra? Não se dará o mesmo com certas figuras empregadas pelo Cristo, tendo que falar em conformidade com os tempos e os lugares? O Cristo não poderia dizer, conscientemente, uma falsidade; se, então, em suas palavras há coisas que parecem chocar a razão, é porque não as compreendemos ou as interpretamos mal. Os homens fizeram com os demônios o que fizeram com os anjos. Da mesma forma que acreditaram na existência de seres perfeitos desde toda a eternidade, tomaram também por comparação os Espíritos inferiores como seres perpetuamente maus. Pela palavra demônio devem-se entender Espíritos impuros que, muitas vezes, não são nada melhores do que o nome já diz, mas com a diferença de que seu estado é apenas transitório. Esses são os Espíritos imperfeitos que se revoltam contra as provas que sofrem e, por isso, as sofrem por um tempo mais longo; porém, chegarão a se libertar e sair dessa situação quando tiverem vontade. Podemos, portanto, compreender a palavra demônio com essa restrição. Mas, como se entende agora, com um sentido peculiar e muito próprio, ela induziria ao erro, fazendo acreditar na existência de seres especialmente criados para o mal. Com relação a Satanás, é evidentemente a personificação do mal sob uma forma alegórica, porque não se poderia admitir um ser mau lutando em igualdade de poder com a Divindade e cuja única preocupação seria a de contrariar seus desígnios. Como o homem precisa de figuras e imagens para impressionar sua imaginação, o próprio homem pintou seres incorpóreos sob uma forma material, com os atributos que lembram as qualidades e os defeitos humanos. É assim que os antigos, querendo personificar o Tempo, pintaram-no na figura de um velho com uma foice e uma ampulheta. A figura de um jovem para essa alegoria seria um contrassenso. Ocorre o mesmo com as alegorias da fortuna, da verdade, etc. Modernamente os anjos ou Espíritos puros são representados numa figura radiosa, com asas brancas, símbolo da pureza; Satanás com chifres, garras e os atributos da animalidade, emblema das paixões inferiores. O povo, que toma as coisas ao pé da letra, viu nesses emblemas individualidades reais, como antigamente viu Saturno na alegoria do Tempo.

 

CAPÍTULO 2

ENCARNAÇÃO DOS ESPÍRITOS

 

Objetivo da encarnação

– A alma

– Materialismo

 

OBJETIVO DA ENCARNAÇÃO

132 Qual é o objetivo da encarnação dos Espíritos? – A Lei de Deus lhes impõe a encarnação com o objetivo de fazê-los chegar à perfeição. Para uns é uma expiação; para outros é uma missão. Mas, para chegar a essa perfeição, devem sofrer todas as tribulações da existência corporal: é a expiação. A encarnação tem também um outro objetivo: dar ao Espírito condições de cumprir sua parte na obra da criação. Para realizá-la é que, em cada mundo, toma um corpo em harmonia com a matéria essencial desse mundo para executar aí, sob esse ponto de vista, as determinações de Deus, de modo que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta. ? A ação dos seres corpóreos é necessária à marcha do universo. Deus, em sua sabedoria, quis que, numa mesma ação, encontrassem um meio de progredir e de se aproximar Dele. É assim que, por uma lei admirável da Providência, tudo se encadeia, tudo é solidário na natureza.

133 Os Espíritos que, desde o princípio, seguiram o caminho do bem, têm necessidade da encarnação? – Todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer só alguns felizes, sem dificuldades e sem trabalho e, por conseguinte, sem mérito.

133 a Mas, então, de que serve aos Espíritos seguirem o caminho do bem, se isso não os livra das dificuldades da vida corporal? – Eles chegam mais rápido à finalidade a que se destinam; e, depois, as dificuldades da vida são muitas vezes a consequência da imperfeição do Espírito. Quanto menos imperfeições, menos tormentos. Aquele que não é invejoso, ciumento, avarento ou ambicioso não sofrerá com os tormentos que procedem desses defeitos.

A ALMA

134 O que é a alma? – Um Espírito encarnado.

134 a O que era a alma antes de se unir ao corpo? – Um Espírito.

134 b As almas e os Espíritos são, portanto, uma e a mesma coisa? – Sim, as almas são os Espíritos. Antes de se unir ao corpo, a alma é um dos seres inteligentes que povoam o mundo invisível e se revestem temporariamente de um corpo carnal para se purificar e se esclarecer.

135 Há no homem outra coisa mais que a alma e o corpo? – Há o laço que une a alma ao corpo. 135 a Qual é a natureza desse laço? – Semi-material, ou seja, de natureza intermediária entre o Espírito e o corpo. É preciso que assim seja para que possam se comunicar um com o outro. É por esse princípio que o Espírito age sobre a matéria e vice-versa. ? Desse modo, o homem é formado de três partes essenciais: 1ª) O corpo ou ser material, semelhante ao dos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2ª) A alma, Espírito encarnado que tem no corpo a sua habitação; 3ª ) O princípio intermediário ou períspirito, substância semi-material que serve de primeiro envoltório ao Espírito e une a alma ao corpo físico. São como num fruto: a semente, o perisperma e a casca. 136 A alma é independente do princípio vital? – O corpo é apenas o envoltório, repetimos isso constantemente.

136 a O corpo pode existir sem a alma? – Sim, pode; porém, desde que cesse a vida no corpo, a alma o abandona. Antes do nascimento, não há união definitiva entre a alma e o corpo; ao passo que, depois que essa união está estabelecida, só a morte do corpo rompe os laços que o unem à alma, que o deixa. A vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar um corpo em que não há vida orgânica.

 136 b O que seria nosso corpo se não houvesse alma? – Uma massa de carne sem inteligência, tudo o que quiserdes, exceto um ser humano.

137 Um mesmo Espírito pode encarnar em dois corpos diferentes ao mesmo tempo? – Não; o Espírito é indivisível e não pode animar simultaneamente dois seres diferentes. (Veja O Livro dos Médiuns, Segunda Parte, cap. 7 – Da Bicorporeidade e da Transfiguração.)

138 Que pensar daqueles que consideram a alma como o princípio da vida material? – É uma questão de palavras que não nos diz respeito. Começai por vos entenderdes a vós mesmos.

139 Alguns Espíritos e, antes deles, alguns filósofos definiram assim a alma: “Uma centelha anímica emanada do grande Todo”. Por que essa contradição?

– Não há contradição; depende da significação das palavras. Por que não tendes uma palavra para cada coisa? ? A palavra alma é empregada para exprimir coisas muito diferentes. Uns chamam alma o princípio da vida, e com esse entendimento é exato dizer, em sentido figurado, que a alma é “uma centelha anímica emanada do grande Todo”. Essas últimas palavras indicam a fonte universal do princípio vital do qual cada ser absorve uma porção que, depois da morte, retorna à massa. Essa idéia não exclui a de um ser moral distinto, independente da matéria e que conserva sua individualidade. É esse ser que se chama, igualmente, alma, e é nesse sentido que se pode dizer que a alma é um Espírito encarnado. Ao dar à alma definições diferentes, os Espíritos falaram conforme a idéia que faziam da palavra e de acordo com as ideias terrestres de que ainda estavam mais ou menos imbuí- dos. Isso decorre da insuficiência da linguagem humana, que não tem uma palavra para cada idéia, gerando uma infinidade de enganos e discussões. Eis por que os Espíritos superiores nos dizem que nos entendamos primeiro acerca das palavras (Ver na Introdução explicação mais detalhada de alma).

140 O que pensar da teoria da alma subdividida em tantas partes quanto os músculos e sendo responsável, assim, por cada uma das funções do corpo? – Isso depende ainda do sentido que se dá à palavra alma. Se a entendermos como o fluido vital, tem razão; mas se queremos entendê-la como Espírito encarnado, é errada. Como já dissemos, o Espírito é indivisível. Ele transmite o movimento aos órgãos pelo fluido intermediário, sem sedividir.

140 a Entretanto, há Espíritos que deram essa definição. – Espíritos ignorantes podem tomar o efeito pela causa. A alma atua por intermédio dos órgãos e os órgãos são animados pelo fluido vital, que se reparte entre eles e se concentra mais fortemente nos órgãos que são os centros ou focos do movimento. Consequentemente, não procede a idéia de igualar a alma ao fluido vital, se por alma queremos dizer o Espírito que habita o corpo durante a vida e o abandona na morte.

141 Há alguma verdade na opinião dos que pensam que a alma é exterior e envolve o corpo? – A alma não está aprisionada no corpo como um pássaro numa gaiola. Irradiante, ela brilha e se manifesta ao redor dele como a luz através de um globo de vidro ou como o som ao redor de um centro sonoro. É desse modo que se pode dizer que é exterior, mas não é o envoltório do corpo. A alma tem dois envoltórios ou corpos: um sutil e leve, que é o primeiro, chamado períspirito; o outro, grosseiro, material e pesado, que é o corpo carnal. A alma é o centro de todos esses envoltórios, como o germe o é numa semente, como já dissemos.

142 O que dizer desta outra teoria segundo a qual a alma, numa criança, se completa a cada período de vida? – O Espírito é um só, está completo na criança como no adulto. Os órgãos ou instrumentos das manifestações da alma é que se desenvolvem e se completam. Nesse caso é ainda tomar o efeito pela causa.

143 Por que todos os Espíritos não definem a alma da mesma maneira? – Os Espíritos não são todos igualmente esclarecidos sobre estas questões. Há Espíritos cujos conhecimentos são ainda limitados e não compreendem as coisas abstratas, como ocorre entre vós com as crianças. Há também Espíritos pseudosábios, que fazem rodeio de palavras para se impor; aliás, como acontece entre vós. Mas, além disso, os próprios Espíritos esclarecidos podem se exprimir em termos diferentes que, no fundo, têm o mesmo significado, especialmente quando se trata de coisas para as quais a vossa linguagem é inadequada para exprimir claramente, precisando de figuras e comparações que tomais como realidade.

144 O que se deve entender por alma do mundo? – O princípio universal da vida e da inteligência de onde nascem as individualidades. Mas aqueles que se servem dessas palavras frequentemente não se compreendem uns aos outros. A palavra alma tem uma aplicação tão elástica que cada um a interpreta de acordo com a sua imaginação. Já se atribuiu, também, uma alma à Terra, o que é preciso entender como sendo o conjunto de Espíritos devotados que dirigem as vossas ações no bom caminho quando os escutais, e que são, de algum modo, os representantes de Deus em relação ao vosso globo.

145 Como tantos filósofos antigos e modernos têm discutido por tanto tempo sobre a ciência psicológica sem ter chegado à verdade? – Esses homens eram os precursores da Doutrina Espírita eterna. Eles prepararam os caminhos. Eram homens e se enganaram, tomaram suas próprias ideias pela luz. Mas os próprios erros servem para deduzir a verdade ao mostrar os prós e os contras. Aliás, entre esses erros se encontram grandes verdades, que um estudo comparativo tornará compreensíveis1.

146 A alma tem uma sede determinada e circunscrita no corpo? – Não, mas está mais particularmente na cabeça entre os grandes gênios, os que pensam muito, e no coração nos que têm sentimentos elevados e cujas ações beneficiam toda a humanidade.

146 a Que pensar da opinião daqueles que colocam a alma num centro vital? – Isso quer dizer que o Espírito se localiza, de preferência, nessa parte do vosso organismo, uma vez que é para aí que convergem todas as sensações. Aqueles que a colocam no que consideram como centro da vitalidade a confundem com o fluido ou princípio vital. Contudo, pode-se dizer que a sede da alma está mais particularmente nos órgãos que servem às manifestações intelectuais e morais.

MATERIALISMO

147 Por que os anatomistas2 , os fisiologistas3 e em geral os que se aprofundam nas ciências naturais são, muitas vezes, levados ao materialismo? – O fisiologista vê tudo à sua maneira. Orgulho dos homens, que acreditam saber tudo e não admitem que alguma coisa possa ultrapassar seu conhecimento. Sua própria ciência lhes dá presunção. Pensam que a natureza não pode lhes ocultar nada.

148 Não é de lamentar que o materialismo seja uma consequência de estudos que deveriam, ao contrário, mostrar ao homem a superioridade da inteligência que governa o mundo? Por isso, pode-se concluir que são perigosos? – Não é exato dizer que o materialismo seja uma consequência desses estudos. É o homem que tira deles uma falsa consequência, porque tem a liberdade de abusar de tudo, mesmo das melhores coisas. O nada, aliás, os amedronta mais do que eles demonstram, e os Espíritos fortes são, muitas vezes, mais fanfarrões do que bravos. A maioria dos materialistas só o são porque não têm nada para encher o vazio do abismo que se abre diante deles. Mostre-lhes uma âncora de salvação e se agarrarão a ela apressadamente. ? Por uma aberração4 da inteligência, há pessoas que veem nos seres orgânicos apenas a ação da matéria e a esta atribuem todos os nossos atos. Veem no corpo humano apenas a máquina elétrica; estudaram o mecanismo da vida apenas pelo funcionamento dos órgãos que muitas vezes viram se extinguir pela ruptura de um fio, e não viram nada mais que esse fio. Procuraram ver se restava alguma coisa e, como encontraram apenas a matéria, que se tornara inerte, e não viram a alma escapar nem a puderam apanhar, concluíram que tudo estava nas propriedades da matéria e que, depois da morte, o pensamento se aniquilava. Triste consequência se fosse assim, porque então o bem e o mal não teriam significação alguma; o homem seria levado apenas a pensar em si mesmo e a colocar acima de tudo a satisfação de seus prazeres materiais, os laços sociais seriam rompidos e as afeições mais santas destruídas para odo o sempre. Felizmente, essas idéias estão longe de ser gerais, pode-se até mesmo dizer que são muito limitadas e constituíram apenas opiniões individuais, porque em nenhuma parte constituíram doutrina. Uma sociedade fundada sobre essas bases teria em si o germe de sua dissolução, e seus membros se entredevorariam como animais ferozes. O homem tem o pensamento instintivo de que nem tudo se acaba quando cessa a vida. Tem horror ao nada. Ainda que teime e resista inutilmente contra a idéia da vida futura, quando chega o momento supremo são poucos os que não se perguntam o que vai ser deles; a idéia de deixar a vida e não mais retornar é dolorosa. Quem poderia, de fato, encarar com indiferença uma separação absoluta, eterna, de tudo o que amou? Quem poderia, sem medo, ver abrir-se diante de si o imenso abismo do nada onde se dissiparão para sempre todas as nossas capacidades, todas as nossas esperanças, e dizer a si mesmo: “Qual o quê! Depois de mim, nada, nada mais além do vazio; tudo acabou; daqui a alguns dias minhas lembranças serão apagadas da memória dos que me sobreviverem; daqui a pouco não restará nenhum traço de minha passagem pela Terra; o próprio bem que fiz será esquecido pelos ingratos a quem servi; e nada pode compensar tudo isso, nenhuma outra perspectiva além do meu corpo roído pelos vermes!” Esse quadro não tem alguma coisa de apavorante, glacial? A religião nos ensina que não pode ser assim, e a razão o confirma. Mas essa existência futura, vaga e indefinida não nos dá nenhuma esperança, sendo para muitos a origem da dúvida. Temos uma alma, sim, mas o que é nossa alma? Ela tem uma forma, uma aparência qualquer? É um ser limitado ou indefinido? Uns dizem que é um sopro de Deus; outros, uma centelha; outros, uma parte do grande Todo, o princípio da vida e da inteligência, mas o que tudo isso nos oferece? O que nos importa ter uma alma se depois da morte ela se confunde na imensidade como as gotas d’água no oceano? A perda de nossa individualidade não é para nós o mesmo que o nada? Diz-se, ainda, que é imaterial; mas uma coisa imaterial não poderá ter proporções definidas e para nós equivale ao nada. A religião ainda nos ensina que seremos felizes ou infelizes, conforme o bem ou o mal que tivermos feito. Mas em que consiste essa felicidade que nos espera no seio de Deus? É uma beatitude, uma contemplação eterna, sem outra ocupação a não ser a de cantar louvores ao Criador? As chamas do inferno são uma realidade ou um símbolo? A própria Igreja as entende nesta última significação, mas quais são aqueles sofrimentos? Onde está esse lugar de suplício? Numa palavra, o que se faz, o que se vê, nesse mundo que nos espera a todos? Diz-se que ninguém voltou de lá para nos prestar contas.

É um erro dizer isso. A missão do Espiritismo é precisamente a de nos esclarecer sobre esse futuro, de nos fazer, até certo ponto, tocá-lo e vê-lo, não mais só pelo raciocínio, mas apresentando fatos. Graças às comunicações espíritas, isso não é uma presunção, uma probabilidade que cada um entende à sua maneira, que os poetas embelezam com suas ficções ou pintam de imagens alegóricas que nos enganam. É a realidade que nos aparece, pois são os próprios Espíritos que vêm nos descrever sua situação, nos dizer o que foram, o que nos permite assistir, por assim dizer, a todas as peripécias de sua nova vida e, por esse meio, nos mostram a sorte inevitável que nos está reservada, de acordo com nossos méritos e deméritos. Há nisso algo de antirreligioso? Bem ao contrário, uma vez que os incrédulos aí encontram a fé e os indecisos a renovação de fervor e de confiança. O Espiritismo é o mais poderoso auxiliar da religião. E se é assim, é porque Deus o permite e o permite para reanimar nossas esperanças vacilantes e nos reconduzir ao caminho do bem mediante a perspectiva do futuro.

CAPÍTULO 3

 

RETORNO DA VIDA CORPORAL À VIDA ESPIRITUAL

 

A alma após a morte; sua individualidade.

- Vida eterna

- Separação da alma e do corpo

- Perturbação espiritual

 

A ALMA APÓS A MORTE

149 Em que se torna a alma logo após a morte? – Volta a ser Espírito, ou seja, retorna ao mundo dos Espíritos, que havia deixado temporariamente.

150 A alma, após a morte, conserva sua individualidade? – Sim, nunca a perde. O que seria ela se não a conservasse?

150 a Como a alma continua a ter a sua individualidade, uma vez que não possui mais seu corpo material? – Ela ainda tem um fluido que lhe é próprio, tomado da atmosfera de seu planeta e que representa a aparência de sua última encarnação: seu períspirito.

 150 b A alma nada leva consigo deste mundo? – Nada mais que a lembrança e o desejo de ir para um mundo melhor. Essa lembrança é cheia de doçura ou amargura, de acordo com o emprego que fez da vida. Quanto mais pura, mais compreende a futilidade do que deixa na Terra.

151 O que pensar da opinião de que, após a morte, a alma retorna ao todo universal? – O conjunto dos Espíritos não forma um todo? Não constitui um mundo completo? Quando estais em uma assembleia, sois parte integrante dessa assembleia e, entretanto, sempre conservais a individualidade.

152 Que prova podemos ter da individualidade da alma após a morte? – Não tendes essa prova por meio das comunicações que obtendes? Se não fôsseis cegos, veríeis; e, se não fôsseis surdos, ouviríeis, pois muito frequentemente uma voz vos fala e revela a existência de um ser fora de vós. Aqueles que pensam que na morte a alma retorna ao todo universal estão errados, se por isso entenderem que, semelhante a uma gota d’água que cai no oceano, perde sua individualidade. Porém, estarão certos se entenderem por todo universal o conjunto de seres incorpóreos, do qual cada alma ou Espírito é um elemento.

Se as almas não se diferenciassem no todo, teriam apenas as qualidades do conjunto e nada poderia distingui-las umas das outras; não teriam nem inteligência, nem qualidades próprias. Porém, muito ao contrário disso, em todas as comunicações demonstram ter consciência do seu eu e uma vontade própria. A diversidade que apresentam em todas as comunicações é consequência da sua individualidade. Se após a morte houvesse somente o que se chama de o grande Todo que absorve todas as individualidades, esse Todo seria uniforme e, então, todas as comunicações do mundo invisível seriam idênticas. Uma vez que lá se encontram seres bons e maus, sábios e ignorantes, felizes e infelizes, e de todas as espécies: alegres e tristes, levianos e sérios, etc., é evidente que são seres distintos. A individualidade torna-se ainda mais evidente quando esses seres provam sua identidade por manifestações incontestáveis, por detalhes pessoais relativos à sua vida terrestre que se podem comprovar. Também não pode ser posta em dúvida quando se tornam visíveis em suas aparições. A individualidade da alma nos foi ensinada em teoria, como um artigo de fé. O Espiritismo a torna evidente e, de certo modo, material.

153 Em que sentido se deve entender a vida eterna? – É a vida do Espírito que é eterna; porém, a do corpo é transitória e passageira. Quando o corpo morre, a alma retorna à vida eterna.

153 a Não seria mais exato chamar vida eterna à vida dos Espíritos puros, aqueles que, tendo atingido o grau de perfeição, não têm mais provas para suportar? – Isso é, antes, a felicidade eterna. Porém, mais uma vez, é uma questão de palavras: chamai as coisas como quiserdes, contanto que vos entendais.

SEPARAÇÃO DA ALMA E DO CORPO

154 O corpo ou a alma sente alguma dor no momento da morte? – Não; o corpo sofre muitas vezes mais durante a vida do que no momento da morte: a alma não toma nenhuma parte nisso. Os sofrimentos que às vezes ocorrem no momento da morte são uma alegria para o Espírito, que vê chegar o fim de seu exílio. ? Na morte natural, a que acontece pelo esgotamento dos órgãos em consequência da idade, o homem deixa a vida sem se dar conta disso: é como um foco de luz que se apaga por falta de suprimento.

155 Como se opera a separação da alma e do corpo? – Quando os laços que a retinham se rompem, ela se desprende.

155 à separação se opera instantaneamente e por uma transição brusca? Há uma linha de demarcação nitidamente traçada entre a vida e a morte?

– Não; a alma se desprende gradualmente e não escapa como um pássaro cativo subitamente libertado. Esses dois estados se tocam e se confundem de maneira que o Espírito se desprende pouco a pouco dos laços que o retinham no corpo físico: eles se desatam, não se quebram. Durante a vida, o Espírito se encontra preso ao corpo por seu envoltório semi-material ou períspirito. A morte é apenas a destruição do corpo e não do períspirito, que se separa do corpo quando nele cessa a vida orgânica. A observação demonstra que, no instante da morte, o desprendimento do períspirito não se completa subitamente; opera-se gradualmente e com uma lentidão muito variável, conforme os indivíduos. Para uns é bastante rápido e pode-se dizer que o momento da morte é ao mesmo instante o da libertação, quase imediata. Mas, para outros, aqueles cuja vida foi extremamente material e sensual, o desprendimento é mais demorado e dura algumas vezes dias, semanas e até mesmo meses. Isso sem que haja no corpo a menor vitalidade nem a possibilidade de um retorno à vida, mas uma simples afinidade entre corpo e Espírito, afinidade que sempre se dá em razão da importância que, durante a vida, o Espírito deu à matéria. É racional conceber, de fato, que quanto mais o Espírito se identifica com a matéria, mais sofre ao se separar dela. Por outro lado, a atividade intelectual e moral, a elevação de pensamentos, operam um início do desprendimento mesmo durante a vida do corpo, de tal forma que, quando a morte chega, o desprendimento é quase instantâneo. Esse é o resultado de estudos feitos em todos os indivíduos observados no momento da morte. Essas observações ainda provaram que a afinidade que em alguns indivíduos persiste entre a alma e o corpo é, algumas vezes, muito dolorosa, visto que o Espírito pode sentir o horror da decomposição. Esse caso é excepcional e particular para certos gêneros de vida e certos gêneros de morte; verifica-se entre alguns suicidas.

156 A separação definitiva da alma do corpo pode ocorrer antes da completa cessação da vida orgânica? – Na agonia, a alma, algumas vezes, já deixou o corpo. Nada mais resta nele do que a vida orgânica. O homem não tem mais consciência de si mesmo e, entretanto, ainda há nele um sopro de vida orgânica. O corpo é uma máquina que o coração faz mover. Existe, enquanto o coração faz circular o sangue em suas veias, e não tem necessidade da alma para isso.

157 No momento da morte, a alma tem, às vezes, um desejo ou um êxtase que lhe faz entrever o mundo em que vai entrar? – Muitas vezes a alma sente desfazerem-se os laços que a prendem ao corpo, então, faz todos os seus esforços para rompê-los completamente. Já em parte desprendida da matéria, vê o futuro desdobrar-se à sua frente e desfruta, por antecipação, do estado de Espírito.

158 O exemplo da lagarta, que inicialmente rasteja na terra, depois se fecha na sua crisálida1 numa morte aparente para renascer em uma existência brilhante, pode nos dar uma idéia da vida terrestre, da vida espiritual e, enfim, de nossa nova existência? – Uma idéia imperfeita, mas a imagem é boa. Não deverá, entretanto, ser tomada ao pé da letra, como muitas vezes fazeis.

159 Que sensação experimenta a alma no momento em que reconhece estar no mundo dos Espíritos? – Isso depende. Se fizestes o mal com o desejo de fazê-lo, vos envergonhareis de tê-lo feito, num primeiro momento. Para o justo, é bem diferente: é como o alívio de um grande peso, porque não teme nenhum olhar indagador.

160 O Espírito encontra imediatamente aqueles que conheceu na Terra e que desencarnaram antes dele? – Sim, de acordo com a afeição que havia entre eles, muitas vezes vêm recebê-lo na volta ao mundo dos Espíritos e o ajudam a se desprender das faixas da matéria. Assim como reencontra também muitos que havia perdido de vista durante sua permanência na Terra. Vê os que estão na erraticidade2 , como também vai visitar os que estão encarnados.

161 Na morte violenta e acidental, quando os órgãos ainda não estão enfraquecidos pela idade ou por doenças, a separação da alma e o término da vida ocorrem simultaneamente? – Geralmente é simultâneo, mas, em todos os casos, o momento dessa separação é muito curto.

162 No caso de decapitação, por exemplo, o homem conserva por alguns instantes a consciência de si mesmo? – Muitas vezes a conserva durante alguns minutos, até que a vida orgânica tenha-se extinguido completamente. Mas às vezes ocorre que a apreensão da morte pode fazer com que perca a consciência mesmo antes do instante do suplício. Trata-se aqui da consciência que o supliciado pode ter de si mesmo, como homem e por intermédio dos órgãos, e não como Espírito. Se não perdeu a consciência antes do suplício pode, ainda, conservá-la por alguns instantes que são de uma duração muito curta e cessa necessariamente com a vida orgânica do cérebro, o que não implica que o períspirito esteja completamente desligado do corpo. Pelo contrário: em todos os casos de morte violenta, quando não acontece pela extinção natural das forças vitais, os laços que unem o corpo ao períspirito são muito fortes, e o desprendimento completo demora mais.

PERTURBAÇÃO ESPIRITUAL

163 A alma, ao deixar o corpo, tem imediatamente consciência de si mesma? – Consciência imediata não. Ela passa algum tempo como num estado de perturbação.

164 Todos os Espíritos experimentam, no mesmo grau e com a mesma duração, a perturbação que se segue à separação da alma e do corpo? – Não, isso depende de sua elevação. Aquele que já está depurado reconhece a sua nova situação quase imediatamente, porque já se libertou da matéria durante a vida do corpo, enquanto o homem carnal, aquele cuja consciência não é pura, conserva durante muito mais tempo as sensações da matéria.

165 O conhecimento do Espiritismo tem alguma influência sobre a duração, mais ou menos longa, dessa perturbação? – Uma influência muito grande, uma vez que o Espírito já compreendia antecipadamente sua situação. Mas a prática do bem e a consciência pura exercem maior influência. No momento da morte, tudo é inicialmente confuso; a alma necessita de algum tempo para se reconhecer. Ela fica atordoada, semelhante à situação de uma pessoa que desperta de um profundo sono e procura se dar conta da situação. A lucidez das ideias e a memória do passado voltam à medida que se apaga a influência da matéria da qual acaba de se libertar e à medida que se vai dissipando uma espécie de névoa que obscurece seus pensamentos. O tempo da perturbação que se segue à morte do corpo é bastante variável. Pode ser de algumas horas, de muitos meses ou até mesmo de muitos anos. É menos longa para aqueles que se identificaram já na vida terrena com seu estado futuro, porque compreendem imediatamente sua posição. Essa perturbação apresenta circunstâncias particulares de acordo com o caráter dos indivíduos e, principalmente, com o gênero de morte. Nas mortes violentas, por suicídio, suplício, acidente, apoplexia3 , ferimentos, etc., o Espírito fica surpreso, espantado e não acredita estar morto. Sustenta essa idéia com insistência e teimosia. Entretanto, vê seu corpo, sabe que é o seu e não compreende que esteja separado dele. Procura aproximar-se de pessoas que estima, fala com elas e não compreende por que não o escutam. Essa ilusão dura até o completo desprendimento do períspirito. Só então o Espírito reconhece o estado em que se encontra e compreende que não faz mais parte do mundo dos vivos. Esse fenômeno se explica facilmente. Surpreendido pela morte, o Espírito fica atordoado com a brusca mudança que se operou nele. A morte é, para ele, sinônimo de destruição, de aniquilamento. Mas, como ainda pensa, vê, escuta, não se considera morto. O que aumenta ainda mais sua ilusão é o fato de se ver num corpo semelhante ao anterior, cuja natureza etérea não teve ainda tempo de estudar. Acredita que seja sólido e compacto como o primeiro; e quando percebe esse detalhe, se espanta por não poder apalpá-lo. Esse fenômeno é semelhante ao que acontece com os sonâmbulos inexperientes que não acreditam dormir, porque, para eles, o sono é sinônimo de suspensão das atividades, e, como podem pensar livremente e ver, julgam não estar dormindo. Alguns Espíritos apresentam essa particularidade, embora a morte não tenha acontecido inesperadamente. Porém, é sempre mais generalizada naqueles que, apesar de estar doentes, não pensavam em morrer. Vê-se, então, o singular espetáculo de um Espírito assistir ao seu enterro como sendo o de um estranho e falando sobre o assunto como se não lhe dissesse respeito, até o momento em que compreende a verdade. A perturbação que se segue à morte nada tem de pesaroso para o homem de bem! É calma e muito semelhante à de um despertar tranquilo. Para aquele cuja consciência não é pura, a perturbação é cheia de ansiedade e angústias que aumentam à medida que reconhece a situação em que se encontra. Nos casos de morte coletiva, tem-se observado que os que perecem ao mesmo tempo nem sempre se reveem imediatamente. Na perturbação que se segue à morte, cada um vai para seu lado, ou apenas se preocupa com aqueles que lhe interessam.

CAPÍTULO 4

 

PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

A reencarnação – Justiça da reencarnação – Encarnação nos diferentes mundos – Transmigração progressiva – Destinação das crianças após a morte – Sexo nos Espíritos – Parentesco, filiação – Semelhanças físicas e morais – Ideias inatas

A REENCARNAÇÃO

166 Como a alma, que não alcançou a perfeição durante a vida corporal, pode acabar de se depurar? – Submetendo-se à prova de uma nova existência.

166 a Como a alma realiza essa nova existência? É pela sua transformação como Espírito? – A alma, ao se depurar, sofre sem dúvida uma transformação, mas para isso é preciso que passe pela prova da vida corporal.

166 b A alma tem, portanto, que passar por muitas existências corporais? – Sim, todos nós temos muitas existências. Os que dizem o contrário querem vos manter na ignorância em que eles próprios se encontram. Esse é o desejo deles.

166 c Desse princípio parece resultar que a alma, após ter deixado um corpo, toma outro, ou seja, reencarna em um novo corpo. É assim que se deve entender? – Evidentemente.

167 Qual é o objetivo da reencarnação? – Expiação, melhoramento progressivo da humanidade. Sem isso, onde estaria a justiça?

168 O número de existências corporais é limitado ou o Espírito reencarna perpetuamente? – A cada nova existência, o Espírito dá um passo no caminho do progresso. Quando se libertar de todas as suas impurezas, não tem mais necessidade das provações da vida corporal.

169 O número de encarnações é o mesmo para todos os Espíritos? – Não; aquele que caminha rápido se poupa das provas. Todavia, essas encarnações sucessivas são sempre muito numerosas, porque o progresso é quase infinito.

170 Em que se torna o Espírito após sua última encarnação? – Espírito bem-aventurado; é um Espírito puro.

 

JUSTIÇA DA REENCARNAÇÃO

171 Em que se baseia o dogma1 da reencarnação? – Na justiça de Deus e na revelação, e repetimos incessantemente: um bom pai deixa sempre para seus filhos uma porta aberta ao arrependimento. A razão não vos diz que seria injusto privar, para sempre, da felicidade eterna todos aqueles cujo aprimoramento não dependeu deles mesmos? Não são todos os homens filhos de Deus? Só homens egoístas podem pregar a injustiça, o ódio implacável e os castigos sem perdão. ? Todos os Espíritos estão destinados à perfeição, e Deus lhes fornece os meios de alcançá-la pelas provações da vida corporal. Mas, na Sua justiça, lhes permite cumprir, em novas existências, o que não puderam fazer, ou acabar, numa primeira prova. Não estaria de acordo nem com a igualdade, a justiça, nem com a bondade de Deus condenar para sempre os que encontraram, no próprio meio em que viveram, obstáculos ao seu melhoramento, independentemente de sua vontade. Se a sorte do homem estivesse irrevogavelmente fixada após a morte, Deus não teria pesado as ações de todos numa única e mesma balança e não agiria com imparcialidade. A doutrina da reencarnação, que consiste em admitir para o homem diversas existências sucessivas, é a única que responde à idéia que fazemos da justiça de Deus em relação aos homens que se acham numa condição moral inferior; a única que pode nos explicar o futuro e firmar nossas esperanças, porque nos oferece o meio de resgatar nossos erros por novas provações. A razão nos demonstra essa doutrina e os Espíritos a ensinam. O homem que tem consciência de sua inferioridade encontra na doutrina da reencarnação uma esperança consoladora. Se acredita na justiça de Deus, não pode esperar achar-se, perante a eternidade, em pé de igualdade com aqueles que agiram melhor do que ele. Contudo, o pensamento de que essa inferioridade não o exclui para sempre do bem supremo que conquistará mediante novos esforços o sustenta e lhe reanima a coragem. Quem é que, no término de sua caminhada, não lamenta ter adquirido muito tarde uma experiência que não pode mais aproveitar? Porém, essa experiência tardia não está perdida; tirará proveito dela numa nova vida.

ENCARNAÇÃO NOS DIFERENTES MUNDOS

172 Nossas diferentes existências corporais se passam todas na Terra? – Não, nem todas, mas em diferentes mundos. As que passamos na Terra não são nem as primeiras nem as últimas, embora sejam das mais materiais e mais distantes da perfeição.

173 A alma, a cada nova existência corporal, passa de um mundo para outro ou pode ter várias existências num mesmo globo? – Ela pode reviver diversas vezes num mesmo globo, se não for suficientemente avançada para passar a um mundo superior.

173 a Desse modo, podemos reaparecer muitas vezes na Terra? – Certamente.

173 b Podemos voltar à Terra após ter vivido em outros mundos? – Seguramente. Já vivestes em outros mundos além da Terra.


174 Voltar a viver na Terra é uma necessidade? – Não; mas se não avançardes, podereis ir para um outro mundo que não seja melhor e que pode até ser pior.

175 Existe alguma vantagem em voltar a habitar a Terra? – Nenhuma vantagem em particular, a menos que se esteja em missão. Nesse caso se progride aí como em qualquer outro mundo.

175 a Não seria melhor permanecer como Espírito? – Não, não. Seria permanecer estacionário, e o que se quer é avançar para Deus.

176 Os Espíritos, após terem encarnado em outros mundos, podem encarnar neste, sem nunca terem passado por aqui? – Sim, como vós em outros mundos. Todos os mundos são solidários: o que não se cumpre em um se cumpre em outro. 176 a Desse modo, há homens que estão na Terra pela primeira vez? – Há muitos e em diversos graus.

176 b Pode-se reconhecer por um sinal qualquer quando um Espírito está pela primeira vez na Terra? – Isso não teria nenhuma utilidade.

177 Para chegar à perfeição e à felicidade suprema, que são o objetivo final de todos os homens, o Espírito deve passar por todos os mundos que existem no universo? – Não. Há muitos mundos que estão num mesmo grau da escala evolutiva e onde o Espírito não aprenderia nada de novo.

177 a Como então explicar a pluralidade dessas existências num mesmo globo? – O Espírito pode aí se encontrar a cada vez em posições bem diferentes, que são para ele outras ocasiões de adquirir experiência.

178 Os Espíritos podem encarnar corporalmente num mundo relativamente inferior àquele em que já viveram? – Sim, se for para cumprir uma missão e ajudar no progresso. Aceitam com alegria as dificuldades dessa existência, porque lhes oferecem um meio de avançar.

178 a Isso não pode ocorrer por expiação? Deus não pode enviar Espíritos rebeldes para mundos inferiores? – Os Espíritos podem permanecer estacionários, mas não regridem. Quando estacionam, sua punição é não avançar e ter de recomeçar as existências mal-empregadas num meio conveniente à sua natureza.

178 b Quais são aqueles que devem recomeçar a mesma existência? – Os que falharam em sua missão ou em suas provações.

179 Os seres que habitam cada mundo atingiram um mesmo grau de perfeição? – Não, é como na Terra: há seres mais avançados e menos avançados.

180 Ao passar deste mundo para um outro, o Espírito conserva a inteligência que tinha aqui? – Sem dúvida, a inteligência não se perde, mas pode não ter os mesmos meios de manifestá-la; isso depende de sua superioridade e das condições do corpo que vai tomar. (Veja “Influência do organismo”, Parte Segunda, cap. 7).

181 Os seres que habitam os diferentes mundos possuem corpo semelhante aos nosso? – Sem dúvida possuem corpo, porque é preciso que o Espírito esteja revestido de matéria para agir sobre a matéria. Porém, esse corpo é mais ou menos material, de acordo com o grau de pureza a que chegaram os Espíritos. E é isso que diferencia os mundos que devem percorrer; porque há muitas moradas na casa de nosso Pai e, portanto, muitos graus. Alguns o sabem e têm consciência disso na Terra; outros não sabem nada.

182 Podemos conhecer exatamente o estado físico e moral dos diferentes mundos? – Nós, Espíritos, só podemos responder de acordo com o grau de adiantamento em que vos encontrais. Portanto, não devemos revelar essas coisas a todos, visto que nem todos terão alcance de compreendê-las, e isso os perturbaria. À medida que o Espírito se purifica, o corpo que o reveste se aproxima igualmente da natureza espírita. A matéria torna-se menos densa, ele não mais se arrasta em sofrimento pela superfície do solo, as necessidades físicas são menos grosseiras e os seres vivos não têm mais necessidade de se destruírem mutuamente para se alimentar. O Espírito é mais livre e, para atingir coisas distantes, tem percepções que nos são desconhecidas. Ele vê pelos olhos do corpo o que apenas pelo pensamento podemos imaginar.

A purificação dos Espíritos reflete-se na perfeição moral dos seres em que estão encarnados. As paixões brutais se enfraquecem e o egoísmo dá lugar a um sentimento fraternal. É desse modo que, nos mundos superiores à Terra, as guerras são desconhecidas, os ódios e as discórdias não têm motivo, porque ninguém pensa em fazer o mal a seu semelhante. A intuição que têm do futuro, a segurança que uma consciência livre de remorsos lhes dá, fazem com que a morte não lhes cause nenhuma apreensão, por isso a encaram sem temor e a compreendem como uma simples transformação. A duração da vida nos diferentes mundos parece ser proporcional ao grau de superioridade física e moral desses mundos, e isso é perfeitamente racional. Quanto menos material é o corpo, menos está sujeito às alternâncias e instabilidades que o desorganizam. Quanto mais puro é o Espírito, mais livre das paixões que o destroem. Esse é ainda um benefício da Providência que, desse modo, abrevia os sofrimentos.

183 Ao ir de um mundo para outro, o Espírito passa por uma nova infância? – A infância é em todos os lugares uma transição necessária, mas não é tão frágil em todos os lugares como entre vós, na Terra.

184 O Espírito pode escolher o novo mundo que vai habitar? – Nem sempre, mas pode pedir e conseguir isso se o merecer; porque os mundos são acessíveis aos Espíritos de acordo com seu grau de elevação.

184 a Se o Espírito não pede nada, o que determina o mundo em que deve reencarnar? – O grau de sua elevação.

185 O estado físico e moral, dos seres vivos é perpetuamente o mesmo em cada globo? – Não; os mundos estão também submetidos à lei do progresso2. Todos começaram como o vosso, por um estado inferior, e a própria Terra passará por uma transformação semelhante. Ela será um paraíso quando os homens se tornarem bons. É assim que as raças que hoje povoam a Terra desaparecerão um dia e serão substituídas por seres cada vez mais perfeitos. Essas raças transformadas sucederão às atuais, como as atuais sucederam a outras ainda mais atrasadas.

186 Há mundos em que o Espírito, deixando de habitar um corpo material, tem apenas como envoltório o períspirito? – Sim, há. Nesses mundos até mesmo esse envoltório, o períspirito, torna-se tão etéreo que para vós é como se não existisse. É o estado dos Espíritos puros.

186 a Disso parece resultar que não há uma demarcação definida entre o estado das últimas encarnações e o de Espírito puro? – Essa demarcação não existe. A diferença nesse caso se desfaz pouco a pouco, torna-se imperceptível, assim como a noite se desfaz diante dos primeiros clarões da alvorada.

187 A substância do períspirito é a mesma em todos os globos? – Não; é mais ou menos etérea. Ao passar de um mundo para outro, o Espírito se reveste instantaneamente da matéria própria de cada um deles, com a rapidez de um relâmpago.

188 Os Espíritos puros habitam mundos especiais, ou estão no espaço universal, sem estar ligados mais a um mundo do que a outro? – Os Espíritos puros habitam determinados mundos, mas não estão restritos a eles como os homens estão à Terra; eles podem, melhor do que os outros, estar em todos os lugares*.

TRANSMIGRAÇÃO3 PROGRESSIVA

189 Desde o princípio de sua formação, o Espírito desfruta da plenitude de suas faculdades? – Não, o Espírito, assim como o homem, tem também sua infância. Na origem, os Espíritos têm somente uma existência instintiva e mal têm consciência de si mesmos e de seus atos. É pouco a pouco que a inteligência se desenvolve.

190 Qual é o estado da alma em sua primeira encarnação? – É o estado de infância na vida corporal. Sua inteligência apenas desabrocha: a alma ensaia para a vida.

191 As almas de nossos selvagens são almas em estado de infância? – De infância relativa; são almas já desenvolvidas, pois já sentem paixões.

191 a As paixões são, então, um sinal de desenvolvimento? – De desenvolvimento sim, mas não de perfeição. As paixões são um sinal da atividade e da consciência do eu, visto que, na alma primitiva, a inteligência e a vida estão em estado de germe.  A vida do Espírito, em seu conjunto, passa pelas mesmas fases que vemos na vida corporal. Gradualmente, passa do estado de embrião ao de infância para atingir, no decurso de uma sucessão de períodos, o de adulto, que é o da perfeição, com a diferença de que não conhece o declínio e a decrepitude, isto é, a velhice extrema como na vida corporal. Essa vida, que teve começo, não terá fim; precisa de um tempo imenso, do nosso ponto de vista, para passar da infância espírita a um desenvolvimento completo, e seu progresso se realiza não somente num único mundo, mas passando por diversos mundos. A vida do Espírito se compõe, assim, de uma série de existências corporais, e cada uma delas é uma ocasião para o seu progresso, como cada existência corporal se compõe de uma série de dias em cada um dos quais o homem adquire um acréscimo de experiência e instrução. Mas, da mesma forma que, na vida do homem, há dias que não trazem nenhum proveito, também na do Espírito há existências corporais sem resultado, por não as ter sabido aproveitar.

192 Pode-se, na vida atual, por efeito de uma conduta perfeita, superar todos os graus e tornar-se um Espírito puro sem passar por graus intermediários? – Não, porque o que para o homem parece perfeito está longe da perfeição. Existem qualidades que lhe são desconhecidas e que não pode compreender. Ele pode ser tão perfeito quanto comporte a perfeição de sua natureza terrestre, mas não é a perfeição absoluta. Da mesma forma que uma criança, por mais precoce que seja, tem que passar pela juventude antes de alcançar a idade madura; e um doente tem que passar pelo estado de convalescença antes de recuperar a saúde. Aliás, o Espírito deve avançar em ciência e moralidade; se progrediu apenas num deles, é preciso que progrida no outro, para atingir o alto da escala. Porém, quanto mais o homem avança em sua vida presente, menos longas e difíceis serão as provas futuras.

192 a O homem pode, pelo menos, assegurar nesta vida uma existência futura menos cheia de amarguras? – Sim, sem dúvida, pode abreviar a extensão e reduzir as dificuldades do caminho. Só o negligente se encontra sempre na mesma situação.

193 Um homem, numa futura existência, pode descer mais baixo do que na atual? – Como posição social, sim; como Espírito, não.

194 A alma de um homem de bem pode, numa nova encarnação, animar o corpo de um perverso? – Não. Ela não pode regredir.

194 À alma de um homem perverso pode tornar-se a de um homem de bem? – Sim, se houver arrependimento, o que, então, é uma recompensa. ? A marcha dos Espíritos é progressiva e não retrógrada. Elevam-se gradualmente na hierarquia e não descem da categoria que já alcançaram. Em suas diferentes existências corporais podem descer como homens, mas não como Espíritos. Assim, a alma de um poderoso da Terra pode mais tarde animar o mais humilde operário, e vice-versa; essas posições entre os homens ocorrem muitas vezes na razão inversa dos sentimentos morais. Herodes era rei e Jesus, carpinteiro.

195 A possibilidade de se melhorar numa outra existência não pode levar certas pessoas a perseverar no mau caminho, pelo pensamento de que poderão sempre se corrigir mais tarde? – Aquele que pensa assim não acredita em nada, e nem a idéia de um castigo eterno o amedrontaria mais do que qualquer outra, porque sua razão a repele, e essa idéia leva-o à incredulidade a respeito de tudo. Se unicamente se tivessem empregado meios racionais para orientar os homens, não haveria tantos céticos. Um Espírito imperfeito pode, de fato, durante sua vida corporal, pensar como dizeis; mas, uma vez libertado da matéria, pensa de outra forma, porque logo se apercebe de que fez um cálculo errado e, então, virá consciente de um sentimento contrário a esse, na sua nova existência. É assim que se realiza o progresso e é por essa razão que existem na Terra homens mais avançados que outros; uns já possuem a experiência que outros ainda não têm, mas que adquirirão pouco a pouco. Depende deles impulsionar o seu próprio progresso ou retardá-lo indefinidamente.

O homem que se encontra numa posição má deseja trocá-la o mais depressa possível. Aquele que está convencido de que as dificuldades desta vida são a consequência de suas imperfeições procurará garantir uma nova existência menos sofrida, e esse pensamento o desviará mais depressa do caminho do mal do que a idéia do fogo eterno, em que não acredita.

196 Se os Espíritos apenas podem melhorar-se suportando as dificuldades da existência corporal, segue-se que a vida material seria uma espécie de cadinho4 ou depurador por onde devem passar para alcançar a perfeição? – Sim, é exatamente assim. Eles se melhoram nessas provações evitando o mal e praticando o bem. Mas é só depois de várias encarnações ou depurações sucessivas que atingem o objetivo a que se destinam após um tempo mais ou menos longo e de acordo com seus esforços.

 196 a É o corpo que influi sobre o Espírito para melhorá-lo, ou o Espírito que influi sobre o corpo? – Teu Espírito é tudo; teu corpo é uma vestimenta que apodrece; eis tudo. No suco da videira, nós encontramos uma comparação semelhante aos diferentes graus da depuração da alma. Ele contém o licor chamado espírito ou álcool, mas enfraquecido por uma série de matérias estranhas que lhe alteram a essência. Essa essência só atinge a pureza absoluta após diversas destilações, em cada uma das quais se depura das várias impurezas. O corpo é o alambique no qual a alma deve entrar para se depurar; as matérias estranhas são como o perispírito que se depura à medida que o Espírito se aproxima da perfeição.

DESTINAÇÃO DAS CRIANÇAS APÓS A MORTE

197 O Espírito de uma criança que desencarna em tenra idade poderá ser tão avançado quanto o de um adulto? – Algumas vezes é mais, porque pode ter vivido muito mais e ter mais experiência, principalmente se progrediu.

197 a O Espírito de uma criança pode, então, ser mais avançado do que o de seu pai? – Isso é muito frequente. Vós mesmos não vedes isso muitas vezes na Terra?

198 De uma criança que morre em tenra idade, e, portanto, não tendo praticado o mal, podemos supor que seu Espírito pertença aos graus superiores? – Se não fez o mal, não fez o bem, e Deus não a isenta das provações que deve passar. Seu grau de pureza não ocorre porque tenha animado o corpo de uma criança, mas pelo progresso que já realizou.

199 Por que a vida é muitas vezes interrompida na infância? – A duração da vida de uma criança pode ser, para o Espírito que nela está encarnado, o complemento de uma existência anterior interrompida antes do tempo. Sua morte é, muitas vezes, também uma provação ou uma expiação para os pais.

199 a O que acontece com o Espírito de uma criança que morre em tenra idade? – Ela recomeça uma nova existência. ? Se o homem tivesse apenas uma existência e se, depois dela, sua destinação futura fosse fixada perante a eternidade, qual seria o mérito de metade da espécie humana que morre em tenra idade, para desfrutar, sem esforços, da felicidade eterna? E com que direito ficaria desobrigada e livre das condições, muitas vezes tão duras, impostas à outra metade? Tal ordem de coisas não estaria de acordo com a justiça de Deus. Pela reencarnação, a igualdade é para todos. O futuro pertence a todos sem exceção e sem favorecer a ninguém. Os que se retardam não podem culpar senão a si mesmos. O homem deve ter o mérito de seus atos, como tem de sua responsabilidade. Além do mais, não é racional considerar a infância como um estado normal de inocência. Não se veem crianças dotadas dos piores instintos numa idade em que a educação ainda não pôde exercer sua influência? Não há algumas que parecem trazer do berço a astúcia, a falsidade, a malícia, até mesmo o instinto de roubo e de homicídio, apesar dos bons exemplos que lhe são dados de todos os lados? A lei civil as absolve de seus delitos, porque considera que agem sem discernimento. E tem razão, porque, de fato, agem mais instintivamente do que pela própria vontade. Porém, de onde podem se originar esses instintos tão diferentes em crianças da mesma idade, educadas nas mesmas condições e submetidas às mesmas influências? De onde vem essa perversidade precoce, senão da inferioridade do Espírito, uma vez que a educação em nada contribuiu para isso? As que são dadas a vícios, é porque seu Espírito progrediu menos e, portanto, sofrem as consequências, não por seus atos de infância, mas por aqueles de suas existências anteriores. E é desse modo que a lei é igual para todos, e a justiça de Deus a todos alcança.

SEXO NOS ESPÍRITOS

 200 Os Espíritos têm sexo? – Não como o entendeis, porque o sexo depende do organismo físico. Existe entre eles amor e simpatia, mas fundados na identidade dos sentimentos.

201 O Espírito que animou o corpo de um homem pode, em uma nova existência, animar o de uma mulher e vice-versa? – Sim, são os mesmos Espíritos que animam os homens e as mulheres.

202 Quando está na erraticidade, o Espírito prefere encarnar no corpo de um homem ou de uma mulher? – Isso pouco importa ao Espírito. Depende das provas que deve suportar. ? Os Espíritos encarnam como homens ou mulheres, porque não têm sexo. Como devem progredir em tudo, cada sexo, assim como cada posição social, lhes oferece provas, deveres especiais e a ocasião de adquirir experiência. Aquele que encarnasse sempre como homem apenas saberia o que sabem os homens.

PARENTESCO, FILIAÇÃO

 203 Os pais transmitem aos filhos uma porção de sua alma ou limitam-se a dar-lhes a vida animal a que uma nova alma, mais tarde, vem acrescentar a vida moral? – Dão-lhe apenas a vida animal, porque a alma é indivisível. Um pai estúpido pode ter filhos inteligentes e vice-versa.

204 Uma vez que tivemos diversas existências, o parentesco pode recuar além de nossa existência atual? – Não pode ser de outra forma. A sucessão das existências corporais estabelece entre os Espíritos laços que remontam às existências anteriores. Daí muitas vezes decorrem as causas de simpatia entre vós e alguns Espíritos que vos parecem estranhos.

205 Por que, aos olhos de certas pessoas, a doutrina da reencarnação se apresenta como destruidora dos laços de família por fazê-los recuar às existências anteriores? – Ela não os destrói. Ela os amplia. O parentesco, estando fundado em afeições anteriores, faz com que os laços que unem os membros de uma mesma família sejam mais vigorosos. Essa doutrina amplia também os deveres da fraternidade, uma vez que, entre os vossos vizinhos, ou entre os servidores, pode-se encontrar um Espírito que esteve ligado a vós pelos laços de sangue.

205 a Ela diminui, entretanto, a importância que alguns atribuem à sua genealogia5 , uma vez que se pode ter tido por pai um Espírito que pertenceu a outra raça, ou tendo vindo de uma condição bem diversa? – É verdade, mas essa importância está fundada no orgulho. O que essas pessoas honram em seus ancestrais são os títulos, a posição, a fortuna. Alguém que coraria de vergonha por ter tido como antepassado um honesto sapateiro se gabaria de descender de um nobre corrupto e debochado. Mas o que quer que eles digam ou façam, não impedirão as coisas de ser o que são, porque Deus não formulou as leis da natureza de acordo com a vaidade deles.

206 Do fato de não haver ligações de filiação entre os Espíritos de descendentes da mesma família, segue-se que o culto aos ancestrais seja uma coisa ridícula? – Certamente que não. Todo homem deve considerar-se feliz por pertencer a uma família em que encarnam Espíritos elevados. Embora os Espíritos não procedam uns dos outros, têm afeição aos que lhe estão ligados pelos laços de família, porque esses Espíritos são frequentemente atraídos a esta ou àquela família em razão de simpatias ou ligações anteriores. Mas, ficai certos: os Espíritos de vossos ancestrais não se sentem honrados pelo culto que vós lhes ofereceis por orgulho. O valor dos méritos que tiveram só se refletirão sobre vós pelo esforço que fizerdes em seguir-lhes os bons exemplos, e, só assim, então, vossa lembrança pode lhes ser agradável e útil.

SEMELHANÇAS FÍSICAS E MORAIS

207 Os pais transmitem muitas vezes a seus filhos a semelhança física. Eles também lhes transmitem alguma semelhança moral? – Não, uma vez que têm almas ou Espíritos diferentes. O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito. Entre os descendentes das raças há apenas consanguinidade.

207 a De onde vêm as semelhanças morais que existem algumas vezes entre os pais e filhos? – São Espíritos simpáticos atraídos pela semelhança de suas tendências.

208 O Espírito dos pais tem influência sobre o do filho após o nascimento? – Há uma influência muito grande. Como já dissemos, os Espíritos devem contribuir para o progresso uns dos outros. Pois bem, os Espíritos dos pais têm como missão desenvolver o de seus filhos pela educação. É para eles uma tarefa: se falharem, serão culpados.

209 Por que pais bons e virtuosos geram, às vezes, filhos de natureza perversa? Melhor dizendo, por que as boas qualidades dos pais nem sempre atraem, por simpatia, um bom Espírito para animar seu filho? – Um Espírito mau pode pedir pais bons, na esperança de que seus conselhos o orientem a um caminho melhor e, muitas vezes, Deus lhe concede isso.

210 Os pais podem, por seus pensamentos e preces, atrair para o corpo de um filho um Espírito bom em preferência a um Espírito inferior? – Não, mas podem melhorar o Espírito do filho que geraram e que lhes foi confiado: é seu dever. Filhos maus são uma provação para os pais.

211 De onde vem a semelhança de caráter que muitas vezes existe entre dois irmãos, especialmente entre gêmeos? – Espíritos simpáticos que se aproximam por semelhança de sentimentos e que se sentem felizes por estar juntos.

212 Nas crianças cujos corpos nascem ligados e que possuem certos órgãos em comum há dois Espíritos, ou melhor, duas almas? – Sim, há duas, são dois os corpos. Entretanto, a semelhança entre eles é tanta que se afigura aos vossos olhos como se fossem uma só6 .

213 Visto que os Espíritos encarnam como gêmeos por simpatia, de onde vem a aversão que se vê algumas vezes entre eles? – Não é uma regra que os gêmeos sejam Espíritos simpáticos. Espíritos maus podem querer lutar juntos no teatro da vida.

214 O que pensar das histórias de crianças gêmeas que brigam no ventre da mãe? – Lendas! Para dar idéia de que seu ódio era muito antigo, fizeram-no presente antes de seu nascimento. Geralmente vós não levais em conta as figuras poéticas.

215 De onde vem o caráter distintivo que se nota em cada povo? – Os Espíritos também se agrupam em famílias formadas pela semelhança de suas tendências mais ou menos depuradas, de acordo com sua elevação. Pois bem! Um povo é uma grande família na qual se reúnem Espíritos simpáticos. A tendência que têm os membros dessas grandes famílias os leva a se unirem, daí se origina a semelhança que existe no caráter distintivo de cada povo. Acreditais que Espíritos bons e caridosos procurarão um povo duro e grosseiro? Não, os Espíritos simpatizam com as coletividades, assim como simpatizam com os indivíduos; aí estão em seu meio.

216 O homem conserva, em suas novas existências, traços do caráter moral de existências anteriores? – Sim, isso pode ocorrer; mas ao se melhorar, ele muda. Sua posição social pode também não ser mais a mesma. Se de senhor torna-se escravo, seus gostos serão completamente diferentes e teríeis dificuldade em reconhecê-lo. Sendo o Espírito sempre o mesmo nas diversas encarnações, suas manifestações podem ter uma ou outra semelhança, modificadas, entretanto, pelos hábitos de sua nova posição, até que um aperfeiçoamento notável venha mudar completamente seu caráter; por isso, de orgulhoso e mau, pode tornar-se humilde e bondoso, desde que se tenha arrependido.

217 O homem, pelo Espírito, conserva traços físicos das existências anteriores em suas diferentes encarnações? – O corpo que foi anteriormente destruído não tem nenhuma relação com o novo. Entretanto, o Espírito se reflete no corpo. Certamente, o corpo é apenas matéria, mas apesar disso é modelado de acordo com a capacidade do Espírito que lhe imprime um certo caráter, principalmente ao rosto, e é verdade quando se diz que os olhos são o espelho da alma, ou seja, é o rosto que mais particularmente reflete a alma. É assim que uma pessoa sem grande beleza tem, entretanto, algo que agrada quando é animada por um Espírito bom, sábio, humanitário, enquanto existem rostos muito belos que nada fazem sentir, podendo até inspirar repulsa. Poderíeis pensar que apenas os corpos muito belos servem de envoltório aos Espíritos mais perfeitos; entretanto, encontrais todos os dias homens de bem sem nenhuma beleza exterior. Sem haver uma semelhança pronunciada, a similitude dos gostos e das inclinações pode dar o que se chama de um ‘ar de família’. Tendo em vista que o corpo que reveste a alma na nova encarna- ção não tem necessariamente nenhuma relação com o da encarnação anterior, uma vez que em relação a ele pode ter uma procedência completamente diferente, seria absurdo admitir que numa sucessão de existências ocorressem semelhanças que não passam de casuais. Entretanto, as qualidades do Espírito modificam frequentemente os órgãos que servem às suas manifestações e imprimem ao semblante, e até mesmo ao conjunto das maneiras, um cunho especial. É assim que, sob o envoltório mais humilde, pode-se encontrar a expressão da grandeza e da dignidade, enquanto sob a figura do grande senhor pode-se ver algumas vezes a expressão da baixeza e da desonra. Algumas pessoas, saídas da mais ínfima posição, adquirem, sem esforços, os hábitos e as maneiras da alta sociedade. Parece que elas reencontram seu ambiente, enquanto outras, apesar de seu nascimento e educação, estão nesse mesmo ambiente sempre deslocadas. Como explicar esse fato senão como um reflexo do que o Espírito foi antes?

IDEIAS INATAS

218 O Espírito encarnado conserva algum traço das percepções que teve e dos conhecimentos que adquiriu em suas existências anteriores? – Ele possui uma vaga lembrança, que lhe dá o que se chama de ideias inatas.

218 A teoria das ideias inatas não é, portanto, uma fantasia? – Não, os conhecimentos adquiridos em cada existência não se perdem. O Espírito, liberto da matéria, sempre os conserva. Durante a encarnação, pode esquecê-los em parte, momentaneamente, mas a intuição que conserva deles o ajuda em seu adiantamento. Sem isso, teria sempre que recomeçar. A cada nova existência, o Espírito parte de onde estava na existência anterior.

218 b Pode, então, haver um grande vínculo entre duas existências sucessivas? – Nem sempre tão grande quanto podeis supor, porque as posições são frequentemente muito diferentes e, no intervalo delas, o Espírito pode ter progredido. (Veja a questão 216.)

219 Qual é a origem das faculdades, das capacidades extraordinárias dos indivíduos que, sem estudo prévio, parecem ter a intuição de certos conhecimentos, como a língua, o cálculo, etc.? – Lembrança do passado; progresso anterior da alma, mas do qual nem mesmo ela tem consciência. De onde quereis que esses conhecimentos venham? O corpo muda, mas o Espírito não, embora troque de vestimenta.

220 Ao mudar de corpo, podem-se perder alguns talentos intelectuais, não mais ter, por exemplo, o gosto pelas artes? – Sim, se desonrou esse talento ou se fez dele um mau uso. Uma capacidade intelectual pode, além do mais, permanecer adormecida numa existência, porque o Espírito veio para exercitar uma outra que não tem relação com ela. Então, qualquer talento pode permanecer em estado latente para ressurgir mais tarde.

221 É a uma lembrança retrospectiva que o homem deve, mesmo no estado selvagem, o sentimento instintivo da existência de Deus e o pressentimento da vida futura? – É uma lembrança que conservou do que sabia como Espírito antes de encarnar; mas o orgulho muitas vezes sufoca esse sentimento.

221 a É a essa lembrança que se devem certas crenças relativas à Doutrina Espírita e que se encontram em todos os povos? – Essa Doutrina é tão antiga quanto o mundo; eis por que pode ser encontrada em toda parte, sendo uma prova de que é verdadeira. O Espírito encarnado, conservando a intuição de seu estado como Espírito, tem, instintivamente, a consciência do mundo invisível, frequentemente falseada pelos preconceitos, acrescida da ignorância que a mistura com a superstição.

CAPÍTULO 5

 

 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PLURALIDADE DAS EXISTÊNCIAS

 

222 O dogma da reencarnação, dizem algumas pessoas, não é novo; foi tomado de Pitágoras1 . Nós nunca dissemos que a Doutrina Espírita é invenção moderna. Os fatos espíritas, o Espiritismo, sendo uma lei da natureza, deve existir desde a origem dos tempos, e sempre nos esforçamos para provar que se encontram traços dele desde a mais alta Antiguidade. Pitágoras, como se sabe, não é o autor da metempsicose2 ; ele a tomou dos filósofos indianos e egípcios, que a conheciam desde tempos imemoriais. A idéia da transmigração das almas era uma crença comum, admitida pelos homens mais eminentes. Por qual meio chegou até eles? Foi por revelação ou por intuição? Não sabemos. Mas, seja como for, uma idéia não atravessa os tempos e não é aceita por inteligências de elite se não tiver algo de sério. A antiguidade dessa doutrina seria mais uma prova a seu favor do que uma objeção. Todavia, entre a metempsicose dos antigos e a doutrina moderna da reencarnação há, como se sabe, uma grande diferença que os Espíritos rejeitam de maneira mais absoluta. É a da transmigração da alma do homem para os animais e vice-versa. Os Espíritos, ao ensinarem o dogma da pluralidade das existências corporais, renovam, portanto, uma doutrina proveniente das primeiras idades do mundo e que se conservou até nossos dias no pensamento íntimo de muitas pessoas. Os Espíritos apenas a apresentam sob um ponto de vista racional, mais de acordo com as leis progressivas da natureza e mais em harmonia com a sabedoria do Criador, livre de todos os acessórios da superstição. Uma circunstância digna de nota é que não foi apenas neste livro que os Espíritos a ensinaram nos últimos tempos: já antes da sua publicação, numerosas comunicações semelhantes haviam sido obtidas em diversos países e depois se multiplicaram de forma extraordinária. Seria talvez o caso de examinarmos aqui as razões por que todos os Espíritos não parecem estar de acordo sobre esta questão. Mais à frente voltaremos a esse assunto. Examinemos a questão sob outro ponto de vista e façamos uma separação, deixando de lado toda intervenção dos Espíritos por enquanto. Suponhamos que esta teoria não foi dada por eles, e que até mesmo nunca se abordou esta questão com os Espíritos. Coloquemo-nos, momentaneamente, num terreno neutro, admitindo o mesmo grau de probabilidade para uma e outra hipótese, isto é, a pluralidade e a unicidade das existências corporais. Vejamos para qual lado nos guiará o nosso interesse e a razão. Certas pessoas rejeitam a idéia da reencarnação pelo único motivo de que ela não lhes convém, dizendo ser-lhes suficiente uma só existência e que não gostariam de recomeçar outra parecida. Reconhecemos que o simples pensamento de reaparecer na Terra as faz pular de furor. É compreensível que o simples pensamento de terem de reaparecer na Terra as faça ficar furiosas. Mas a estes convém apenas lembrar se acaso Deus, para reger o universo, tenha que pedir-lhes conselho ou consultar seus gostos. Portanto, de duas coisas, uma: ou a reencarnação existe ou não existe. Se existe, embora as contrarie, será preciso enfrentá-la sem que Deus lhes peça permissão para isso. Essas pessoas parecem-se com um doente que diz: “Sofri o bastante por hoje, não quero mais sofrer amanhã”. Mas, apesar de seu mau humor, não terá, por isso, que sofrer menos amanhã e nos dias seguintes, até que esteja curado. Portanto, se tiverem de viver de novo, corporalmente, reviverão, reencarnarão. Protestarão inutilmente, como a criança que não quer ir à escola ou o condenado, para a prisão. Será preciso que passem por isso. Objeções semelhantes são muito ingênuas para merecer um exame mais sério. Diremos, entretanto, para tranquilizá-las, que o que a Doutrina Espírita ensina sobre a reencarnação não é tão terrível quanto lhes parece; se a estudassem a fundo, não ficariam tão assustadas, saberiam que a condição dessa nova existência depende delas; serão felizes ou infelizes de acordo com o que tiverem feito aqui na Terra e podem, a partir dessa vida, se elevar tão alto que não temerão mais a queda no lodaçal. Supomos falar a pessoas que acreditem num futuro qualquer depois da morte e não àquelas que tomam o nada por perspectiva ou que querem fazer desaparecer sua alma num todo universal, sem individualidade, exatamente como as gotas de chuva somem no oceano. Se, portanto, acreditais num futuro qualquer, não admitireis, sem dúvida, que seja o mesmo para todos, porque, senão, onde estaria a utilidade do bem? Por que se reprimir? Por que não satisfazer a todas as paixões, todos os desejos, mesmo à custa dos outros, uma vez que por isso não se ficaria nem melhor nem pior? Credes, ao contrário disso, que esse futuro será mais ou menos feliz ou infeliz, de acordo com o que tivermos feito durante a vida? Tendes a esperança de que seja tão feliz quanto possível, uma vez que é pela eternidade? Teríeis, por acaso, a pretensão de vos considerar um dentre os homens mais perfeitos que já existiram sobre a Terra e de ter, assim, o direito de alcançar imediatamente a felicidade suprema dos eleitos? Não. Admitis que existem homens com valores maiores do que os vossos e que têm o direito a um lugar melhor, sem que com isso estejais entre os condenados. Pois bem! Colocai-vos mentalmente por um instante nessa situação intermediária que seria a vossa, como acabastes de reconhecer, e imaginai que alguém venha vos dizer: “Sofreis, não sois tão felizes quanto poderíeis ser, enquanto tendes diante de vós seres que desfrutam de uma felicidade perfeita; quereis mudar vossa posição com a deles?” Sem dúvida, direis: “Que é preciso fazer?” “Muito pouco, muito simples. Recomeçar o que fizestes mal e procurar fazê-lo melhor”. Hesitaríeis em aceitar esta proposta mesmo a preço de muitas existências de provações? Façamos outra comparação simples. Se viessem dizer a um homem que, embora não estando entre os últimos dos miseráveis, sofresse privações pela escassez de seus recursos: “Eis ali uma imensa fortuna, podeis dela desfrutar, sendo preciso para isso trabalhar arduamente durante um minuto”. Mesmo o mais preguiçoso da Terra diria sem hesitar: “Trabalharei um minuto, dois, uma hora ou um dia se for preciso; que importa isso, se vou terminar minha vida na abundância?” Portanto, o que é a duração da vida corpórea perante a eternidade? Menos de um minuto, menos de um segundo. Temos visto algumas pessoas raciocinarem deste modo: Deus, que é soberanamente bom, não pode impor ao homem recomeçar uma série de misérias e dificuldades. Por acaso, consideram essas pessoas que há em Deus mais justiça e bondade quando condena o homem a um sofrimento perpétuo, por alguns momentos de erro, do que quando lhe dá os meios de reparar suas faltas? Dois industriais tinham, cada um, um operário que podia aspirar a tornar-se sócio da empresa. Aconteceu que esses dois trabalhadores empregaram certa vez muito mal o dia de trabalho e mereciam ambos ser despedidos. Um dos patrões despediu o operário, apesar de suas súplicas, e este, não tendo mais encontrado trabalho, morreu na miséria. O outro disse ao seu empregado: “Perdeste um dia de serviço, tu me deves um outro como recompensa. Fizeste mal o teu trabalho, me deves a reparação; eu te permito recomeçar, trata de o fazer bem e eu te conservarei, e poderás sempre aspirar à posição superior que te prometi”. É necessário perguntar qual dos dois patrões foi o mais humano? Deus, que é a própria clemência, seria mais impiedoso do que um homem? O pensamento de que nosso destino está fixado para sempre em razão de alguns anos de provação, até mesmo quando não tenha dependido de nós alcançar a perfeição na Terra, tem algo de desanimador, enquanto a idéia oposta é eminentemente consoladora, porque nos dá a esperança. Desse modo, sem nos pronunciarmos a favor ou contra a pluralidade das existências, sem dar preferência a uma hipótese ou outra, diremos que, se fosse dado ao homem o direito de escolha, não haveria ninguém que preferisse um julgamento sem apelação. Um filósofo disse que se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo para a felicidade dos seres humanos3 . O mesmo se pode dizer da pluralidade das existências.

Mas, como já ficou dito, Deus não pede nossa permissão; não consulta nossa vontade. Ou isto é, ou não é. Vejamos de que lado estão as probabilidades e tomemos a questão sob um outro ponto de vista, deixando outra vez de lado o ensinamento dos Espíritos para analisá-la, unicamente, como estudo filosófico. Se não existe reencarnação, não há senão uma existência corporal; isso é evidente. Se nossa existência corporal atual é a única, a alma de cada homem é criada no momento do seu nascimento, a menos que se admita a anterioridade da alma e, nesse caso, se perguntará qual foi o estado da alma antes de seu nascimento e se esse estado não constituía, por si só, uma existência sob uma forma qualquer. Não há meio-termo possível: ou a alma existia ou não existia antes do corpo. Se existia, qual era sua situação? Ela tinha ou não consciência de si mesma? Se não tinha, é como se não existisse. Se tinha individualidade, era progressiva ou estacionária? Tanto num caso como no outro, em que grau se achava ao tomar o corpo? Ao admitir, de acordo com a crença popular, que a alma nasce com o corpo, ou, o que vem a dar no mesmo, que antes de sua encarnação tinha apenas qualidades negativas, fazemos as seguintes questões: 1. Por que a alma mostra aptidões tão diversas e independentes das ideias adquiridas pela educação? 2. De onde vem a aptidão extranormal de certas crianças de tenra idade para determinada arte ou ciência, enquanto outras permanecem inferiores ou medíocres por toda a vida? 3. De onde vêm, em uns, as ideias inatas ou intuitivas que não existem em outros? 4. De onde vêm, em algumas crianças, esses instintos precoces de vícios ou de virtudes, esses sentimentos inatos de dignidade ou de baixeza, que contrastam com o meio em que nasceram? 5. Por que certos homens, independentemente da educação, são mais avançados que outros? 6. Por que há selvagens e homens civilizados? Se tomardes uma criança hotentote4 recém-nascida e a educardes nas escolas mais renomadas, fareis dela algum dia um Laplace5 ou um Newton6 ? Perguntamos: qual é a filosofia ou a teosofia7 que pode resolver esses problemas? Ou as almas são iguais no seu nascimento, ou são desiguais, não há a menor dúvida disso. Se são iguais, por que são tão diversas as suas aptidões? Dirão que isso depende do organismo. Nesse caso, então seria a mais monstruosa e mais imoral das doutrinas. O homem seria apenas uma máquina, o joguete da matéria, e assim não teria mais as responsabilidades por seus atos, pois poderia atribuir tudo às suas imperfeições físicas. Se são desiguais as almas, é porque Deus as criou assim; mas, então, por que essa superioridade inata concedida a alguns? Estará essa parcialidade, esse favorecimento de acordo com a Sua justiça e com o amor igual que dedica a todas as criaturas? Admitamos, ao contrário, uma sucessão de existências anteriores progressivas para cada alma e tudo estará claramente explicado. Os homens trazem ao nascer a intuição do que adquiriram em vidas anteriores; são mais ou menos avançados de acordo com o número de existências por que passaram, conforme estejam mais ou menos distantes do ponto de partida, exatamente como numa reunião de indivíduos de todas as idades, em que cada um terá um desenvolvimento proporcional ao número de anos que tiver vivido. As existências sucessivas serão, para a vida da alma, o que os anos são para a vida do corpo. Reuni de uma vez mil indivíduos, de um a oitenta anos. Imaginai que um véu seja lançado sobre todos os dias que ficaram para trás, e que, em vossa ignorância, os acreditais nascidos todos no mesmo dia: perguntareis naturalmente como uns podem ser grandes e outros pequenos, uns velhos e outros jovens, uns instruídos e outros ainda ignorantes. Mas se o véu que esconde o passado se dissipar, se chegardes a saber que todos viveram um tempo mais ou menos longo, tudo se explicará. Deus, em Sua justiça, não podia ter criado almas mais perfeitas e outras menos perfeitas; mas, com a pluralidade das existências, a desigualdade, as diferenças e divergências da vida não tem nada contrário à mais rigorosa justiça: pois vemos apenas o presente, não o passado. Este raciocínio se baseia em algum sistema ou é uma suposição gratuita? Não. Partimos de um fato patente, incontestável: a desigualdade das qualidades, das aptidões e do desenvolvimento intelectual e moral, e verificamos que esse fato é inexplicável por todas as teorias correntes; enquanto a explicação é simples, natural e lógica por uma outra teoria. É racional preferir as que não explicam àquela que explica? Em relação à sexta questão, sem dúvida se dirá que o hotentote é de uma raça inferior. Então perguntaremos se o hotentote é ou não é um homem. Se é um homem, por que Deus o fez, e à sua raça, deserdados de privilégios concedidos à raça caucásica8 ? Se não é um homem, por que procurar fazê-lo cristão? A Doutrina Espírita é mais ampla que tudo isso; para ela não há diversas espécies de homens, há apenas homens cujos Espíritos estão mais ou menos atrasados, todos, porém, suscetíveis de progredir. Não está, este princípio, mais de acordo com a justiça de Deus?

Acabamos de avaliar as condições da alma quanto ao passado e ao presente. Se nós a considerarmos numa projeção quanto ao seu futuro, encontraremos as mesmas dificuldades. 1. Se nossa existência atual é única, deve decidir a nossa destina- ção vindoura. Qual é, então, na vida futura, a posição respectiva do selvagem e do homem civilizado? Estarão no mesmo plano ou estarão distanciados em relação à felicidade eterna? 2. O homem que trabalhou durante toda a vida para se aperfeiçoar estará na mesma posição daquele que permaneceu inferior, não por sua culpa, mas porque não teve tempo nem oportunidade de se aperfeiçoar? 3. O homem que praticou o mal, porque não pôde se esclarecer, será culpado por um estado de coisas que não dependeram dele? 4. Trabalha-se para esclarecer os homens, para moralizá-los, civilizá-los; mas, para cada um que se esclareça, há milhões de outros que morrem a cada dia antes que a luz chegue até eles. Qual será o fim deles? Serão tratados como condenados? Se não forem, o que fizeram para merecer estar na mesma posição que os outros? 5. Qual é o destino das crianças que morrem em tenra idade e que não puderam, por isso, fazer o bem nem o mal? Se ficarem entre os eleitos, por que esse favorecimento, sem terem feito nada para merecê-lo? Por qual privilégio se livraram das dificuldades da vida? Há alguma doutrina capaz de esclarecer essas questões? Admiti as existências consecutivas e tudo estará explicado de acordo com a justiça de Deus. O que não puder ser feito numa existência se fará em outra. É assim que ninguém escapa à lei do progresso. Cada um será recompensado de acordo com seu mérito real e ninguém é excluído da felicidade suprema, a que pode pretender, sejam quais forem os obstáculos que venha a encontrar no caminho. Essas questões poderiam ser multiplicadas ao infinito, porque são inúmeros os problemas psicológicos e morais que só encontram solução na pluralidade das existências. Limitamo-nos apenas à observação dos mais comuns. Poderão também dizer que a doutrina da reencarnação não é admitida pela Igreja, porque ela seria a subversão da religião. Nosso objetivo não é tratar dessa questão neste momento; basta-nos ter demonstrado que a reencarnação é eminentemente moral e racional. Portanto, o que é moral e racional não pode ser contrário a uma religião que proclama ser Deus a bondade e a razão por excelência. Que teria sido da religião se, contra a opinião universal e a comprovação da ciência, se houvesse posicionado contra a evidência e tivesse expulsado de seu seio todos os que não acreditassem no movimento do Sol ou nos seis dias da criação? Que crédito mereceria e que autoridade teria, entre os povos mais esclarecidos, uma religião fundada em erros notórios que fossem impostos como artigos de fé? Quando a evidência foi comprovada, a Igreja se colocou sabiamente ao lado do que era evidente. Se está provado que existem coisas impossíveis sem a reencarnação e que certos pontos do dogma somente podem ser explicados por ela, é preciso admitir e reconhecer que a discordância entre essa doutrina e os dogmas é apenas aparente. Mais adiante mostraremos que a religião está menos distanciada do que se pensa da doutrina das vidas sucessivas e que se a aceitasse não sofreria maiores danos do que já sofreu com a descoberta do movimento da Terra e dos períodos geológicos que, à primeira vista, pareceram desmentir os textos bíblicos. O princípio da reencarnação ressalta, aliás, em muitas passagens das Escrituras, e se encontra notavelmente formulado de maneira clara e inequívoca no Evangelho: “Quando desciam do monte (após a transfiguração), Jesus lhes ordenou: ‘Não faleis a ninguém o que acabastes de ver, até que o filho do homem seja ressuscitado dentre os mortos’. Seus discípulos o interrogaram, então, dizendo: ‘Por que os escribas dizem que é preciso que Elias venha primeiro?’ Mas Jesus lhes respondeu: ‘É verdade que Elias deve vir e que restabelecerá todas as coisas. Mas eu vos declaro que Elias já veio, e eles não o conheceram, mas o fizeram sofrer como quiseram. É assim que farão morrer o filho do homem.’ Então seus discípulos entenderam que era de João Batista que ele lhes falava” (Mateus, cap. 17). Uma vez que João Batista era Elias, deve ter ocorrido a reencarnação do Espírito ou da alma de Elias no corpo de João Batista. Qualquer que seja, enfim, a opinião que se tenha da reencarnação, quer a aceitemos ou não, todos teremos de passar por ela, caso ela exista, apesar de toda crença contrária. O ponto essencial é que o ensinamento dos Espíritos é eminentemente cristão. Apoia-se na imortalidade da alma, nas penas e recompensas futuras, na justiça de Deus, no livrearbí- trio do homem, na moral do Cristo e, portanto, não é antirreligioso. Até agora argumentamos, como dissemos, pondo de lado todo ensinamento espírita que, para algumas pessoas, não tem autoridade. Se nós, assim como muitos outros, adotamos a opinião da pluralidade das existências, não é apenas porque o ensinamento tenha vindo dos Espíritos. É porque esta Doutrina nos pareceu a mais lógica e porque só ela resolve questões até então insolúveis. Mesmo se fosse da autoria de um simples mortal, nós a teríamos igualmente adotado e não hesitaríamos nem mais um segundo em renunciar às nossas próprias idéias. No momento em que um erro é demonstrado, o amor-próprio tem mais a perder do que a ganhar ao se manter teimosamente numa idéia falsa. Da mesma forma, nós a teríamos rejeitado, mesmo que tivesse vindo dos Espíritos, se nos parecesse contrária à razão, assim como negamos muitas outras; porque sabemos, por experiência, que não devemos aceitar cegamente tudo o que vem da parte deles, da mesma maneira que não se deve aceitar tudo que vem da parte dos homens. A maior distinção, o primeiro título, que para nós recomenda a idéia da reencarnação, antes de tudo, é o de ser lógica. Mas existe uma outra, que é o de ser confirmada pelos fatos: fatos positivos e, por assim dizer, materiais, que um estudo atento e racional pode revelar a qualquer um que se dê ao trabalho de observar com paciência e perseverança, diante dos quais não pairam mais dúvidas. Quando esses fatos se popularizarem, como os da formação e do movimento da Terra, será preciso render-se à evidência e os opositores terão gasto em vão os argumentos contrários. Reconheçamos, em resumo, que a doutrina da pluralidade das existências é a única que explica o que, sem ela, é inexplicável. Que é eminentemente consoladora e está em harmonia com a mais rigorosa justiça e é, para o homem, a âncora de salvação que Deus lhe deu na Sua misericórdia. Até mesmo as palavras de Jesus não podem deixar dúvida sobre este assunto. Eis o que é dito no Evangelho de João, cap. 3: 3. Jesus, respondendo a Nicodemos, disse: “Em verdade, em verdade te digo que se um homem não nasce de novo, não pode ver o reino de Deus”. 4. Nicodemos lhe disse: “Como um homem pode nascer sendo já velho? Pode ele entrar no ventre de sua mãe e nascer uma segunda vez?” 5. Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade te digo que se um homem não renascer da água e do espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito é Espírito. Não te espantes com o que te disse: Necessário vos é nascer de novo”. (Veja a seguir a questão 1010, “Ressurreição da carne”).

CAPÍTULO 6

 

 VIDA ESPÍRITA

 

 Espíritos errantes – Mundos transitórios

- Percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos

– Ensaio teórico sobre a sensação nos Espíritos

– Escolha das provas

– Relações após a morte 

– Relações de simpatia e antipatia dos Espíritos.

- Metades eternas

– Lembrança da existência corporal

– Comemoração dos mortos. Funerais

 

ESPÍRITOS ERRANTES

223 A alma reencarna imediatamente após a separação do corpo? – Algumas vezes pode reencarnar imediatamente, mas normalmente só após intervalos mais ou menos longos. Nos mundos superiores, a reencarnação é quase sempre imediata. Nesses mundos em que a matéria corporal é menos grosseira, o Espírito, quando encarnado, desfruta de quase todos os seus atributos de Espírito. Seu estado normal é semelhante ao dos vossos sonâmbulos lúcidos.

224 Em que se torna a alma no intervalo das encarnações? – Espírito errante que aguarda nova oportunidade e a espera.

224 a Qual a duração desses intervalos? – De algumas horas a alguns milhares de séculos. Não há, propriamente falando, limite extremo estabelecido para o estado de erraticidade, que pode se prolongar por muito tempo, mas que nunca é perpétuo. O Espírito sempre encontra, cedo ou tarde, a oportunidade de recomeçar uma existência que sirva de purificação às suas existências anteriores.

224 b Essa duração está subordinada à vontade do Espírito ou pode ser imposta como expiação? – É uma consequência do livre-arbítrio. Os Espíritos têm perfeita consciência do que fazem, mas para alguns é também uma punição que a Providência lhes impõe1 . Outros pedem para que se prolongue, a fim de progredirem nos estudos que só podem ser feitos com proveito na condição de Espírito.

225 A erraticidade é, por si mesma, um sinal de inferioridade dos Espíritos?

– Não, porque existem Espíritos errantes de todos os graus. A encarnação é para o Espírito um estado transitório. Como já dissemos, em seu estado normal, o Espírito está liberto da matéria.

226 Todos os Espíritos que não estão encarnados são errantes? – Daqueles que devem reencarnar, sim. Mas os Espíritos puros que atingiram a perfeição não são errantes: seu estado é definitivo. Os Espíritos, com relação às qualidades íntimas, são de diferentes ordens ou graus que vão avançando sucessivamente à medida que se depuram. Quanto ao estado em que se acham, podem ser: encarnados, ou seja, unidos a um corpo; errantes, quer dizer, despojados do corpo material à espera de uma nova encarnação para se aperfeiçoarem; Espíritos puros, perfeitos, que não têm mais necessidade de encarnação.

227 De que maneira os Espíritos errantes se instruem? É como nós? – Eles estudam seu passado e procuram os meios de se elevar. Veem, observam o que se passa nos lugares que percorrem; ouvem os ensinamentos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados que eles e isso lhes inspira ideias que não tinham antes.

228 Os Espíritos conservam algumas das paixões humanas? – Os Espíritos elevados, ao se libertarem do corpo, deixam as más paixões e apenas guardam as do bem. Mas os Espíritos inferiores as conservam; de outra forma, seriam de primeira ordem.

229 Por que os Espíritos, ao deixar a Terra, não deixam também todas as más paixões, uma vez que veem os seus inconvenientes? – Tendes neste mundo pessoas que são excessivamente invejosas; acreditais que, quando o deixam, perdem esse defeito? Após a partida da Terra, principalmente para os que tiveram paixões muito intensas, uma espécie de atmosfera os acompanha, os envolve e todas essas coisas ruins se conservam, porque o Espírito ainda está impregnado das vibrações da matéria. Entrevê a verdade apenas por alguns momentos, como para ter noção do bom caminho.

230 O Espírito progride na erraticidade? – Pode melhorar-se muito, sempre de acordo com sua vontade e seu desejo. Mas é na existência corporal que põe em prática as novas ideias que adquiriu.

231 Os Espíritos errantes são felizes ou infelizes? – São felizes ou infelizes de acordo com seu mérito. São infelizes e sofrem por causa das paixões das quais ainda conservaram a essência ou são felizes segundo estejam mais ou menos desmaterializados. No estado de erraticidade, o Espírito entrevê o que lhe falta para ser mais feliz e procura os meios de alcançá-lo. Porém, nem sempre lhe é permitido reencarnar conforme sua vontade, o que para ele é uma punição.

232 No estado de erraticidade, os Espíritos podem ir a todos os mundos? – Depende. Quando o Espírito deixa o corpo, não está, apesar disso, completamente desprendido da matéria e ainda pertence ao mundo onde viveu ou a um do mesmo grau, a menos que, durante sua vida, tenha se elevado; esse é, aliás, o objetivo a que deve pretender, sem o que nunca se aperfeiçoará. Ele pode, entretanto, ir a alguns mundos superiores, mas nesse caso é como um estranho. Consegue, na verdade, apenas os entrever e isso é o que lhe dá o desejo de se aperfeiçoar para ser digno da felicidade que lá se desfruta e poder habitá-los mais tarde.

233 Os Espíritos já purificados vão aos mundos inferiores? – Vão muitas vezes a fim de ajudá-los a progredir. Senão esses mundos ficariam entregues a si mesmos, sem guias para dirigi-los.

MUNDOS TRANSITÓRIOS

234 Existem, como já foi dito, mundos que servem aos Espíritos errantes como estâncias transitórias ou locais de repouso? – Sim, existem. São particularmente destinados aos seres errantes, que podem neles habitar temporariamente. São como acampamentos, campos para repousar de uma erraticidade bastante longa, condição sempre um tanto angustiante. São posições intermediárias entre os outros mundos, graduados de acordo com a natureza dos Espíritos que podem alcançá-los e onde podem desfrutar de um bem-estar relativamente maior ou menor, conforme o caso.

234 a Os Espíritos que habitam esses mundos podem deixá-los quando querem? – Sim, os Espíritos podem deixá-los para irem aonde devem ir. Imaginai-os como pássaros de passagem pousando numa ilha, esperando refazer suas forças para alcançar seu objetivo.

235 Os Espíritos progridem durante sua estada nos mundos transitórios? – Certamente. Os que neles se reúnem é com o objetivo de se instruir e poder mais facilmente obter a permissão de alcançar lugares melhores e chegar à posição que os eleitos atingem.

236 Os mundos transitórios, por sua natureza especial, são perpetuamente destinados aos Espíritos errantes? – Não; a posição deles é apenas temporária.

236 a Esses mundos são, ao mesmo tempo, habitados por seres corporais? – Não; a superfície é estéril. Aqueles que os habitam não têm necessidade de nada.

236 b Essa esterilidade é permanente e resulta de sua natureza especial? – Não, são estéreis transitoriamente. 236 c Esses mundos são, por isso, desprovidos de belezas naturais? – A natureza se reflete nas belezas da imensidade, que são tão admiráveis quanto o que chamais de belezas naturais. 236 d Visto que o estado desses mundos é transitório, a Terra estará um dia nesse mesmo estado? – Ela já esteve.

236 e Em que época? – Durante sua formação. Nada é inútil na natureza; tudo tem seu objetivo, sua finalidade. Nada está vazio, tudo está habitado, a vida está por todos os lugares. Desse modo, durante a longa série de séculos que se escoaram antes da aparição do homem sobre a Terra, durante esses lentos períodos de transição atestados pelas camadas geológicas, antes mesmo da formação dos primeiros seres orgânicos sobre essa massa informe, nesse caos árido onde os elementos estavam desordenados, não havia ausência de vida. Seres que não possuíam nem necessidades nem sensações físicas como as nossas, nela encontravam refúgio. Deus quis que, até mesmo nesse estado imperfeito, a Terra servisse para alguma coisa. Quem ousaria dizer que entre esses milhares de mundos que circulam na imensidão universal apenas um, um dos menores, perdido na vastidão, tivesse o privilégio exclusivo de ser povoado? Qual seria a utilidade dos outros? Deus os teria feito apenas para recreação dos nossos olhos? Suposição absurda, incompatível com a sabedoria que emana de todas as Suas obras e inadmissível quando se pensa na existência de todas as que não podemos perceber. Ninguém contestará que nessa idéia da existência de mundos ainda impróprios à vida material e, entretanto, povoados de seres com vida apropriada ao seu meio, há algo de grandioso e sublime, em que se encontra, talvez, a solução de mais de um problema.

PERCEPÇÕES, SENSAÇÕES E SOFRIMENTOS DOS ESPÍRITOS

 237 A alma, quando está no mundo dos Espíritos, ainda possui as percepções que possuía em sua vida física? – Sim. Tem também outras que não possuía, porque o seu corpo era como um véu que as dificultava e obscurecia. A inteligência é um dos atributos do Espírito que se manifesta mais livremente quando não tem entraves. 238 As percepções e os conhecimentos dos Espíritos são ilimitados; numa palavra, eles sabem todas as coisas?

– Quanto mais se aproximam da perfeição, mais sabem. Se são Espíritos Superiores, sabem muito. Os Espíritos inferiores são mais ou menos ignorantes sobre todas as coisas.

239 Os Espíritos conhecem o princípio das coisas? – Conhecem de acordo com sua elevação e pureza. Os Espíritos inferiores não sabem mais que os homens.

240 Os Espíritos compreendem o tempo como nós? – Não. É por isso que vós também não nos compreendeis quando se trata de fixar datas ou épocas. A idéia e a ação do tempo para os Espíritos não são como nós os compreendemos. O tempo, para eles, é nulo, por assim dizer, e os séculos, tão longos para nós, são, a seus olhos, apenas instantes que se perdem na eternidade, como o relevo do solo se apaga e desaparece para quem o vê de longe quando se eleva no espaço.

241 Os Espíritos têm uma idéia do presente mais precisa e exata do que nós? – Do mesmo modo que aquele que vê claramente as coisas tem uma idéia mais exata do que um cego. Os Espíritos veem o que não vedes; logo, julgam de modo diferente de vós. Mas lembramos mais uma vez: isso depende da elevação de cada um.

242 Como é que os Espíritos têm conhecimento do passado? Para eles, esse conhecimento é ilimitado? – O passado, quando nos ocupamos dele, é o presente, torna-se vivo, exatamente como lembrais do que vos impressionou fortemente durante um período, ou numa viagem a um lugar longínquo e estranho. Como Espíritos, já não temos mais o véu material a nos obscurecer a inteligência, eis por que nos lembramos das coisas que estão apagadas para vós. Mas os Espíritos não conhecem tudo, a começar pela sua própria criação.

243 Os Espíritos conhecem o futuro? – Isso também depende da sua elevação. Muitas vezes apenas o entreveem, mas nem sempre lhes é permitido revelá-lo. Quando o veem, parece-lhes presente. O Espírito adquire a visão do futuro mais claramente à medida que se aproxima de Deus. Após desencarnar, a alma vê e abrange num piscar de olhos suas migrações passadas, mas não pode ver o que Deus lhe reserva. Para isso é preciso que esteja integrada a Deus, após muitas e muitas existências.

243 a Os Espíritos que atingem a perfeição absoluta têm conhecimento completo do futuro? – Completo não é bem a palavra. Só Deus é o Soberano Senhor e ninguém pode se igualar a Ele.

244 Os Espíritos veem Deus? – Só os Espíritos Superiores O veem e O compreendem. Os Espíritos inferiores O sentem e O pressentem física, moral e espiritualmente.

244 a Quando um Espírito inferior diz que Deus lhe proíbe ou lhe permite uma coisa, como sabe que isso vem de Deus? – Ele não vê a Deus, mas sente Sua soberania e, quando uma coisa não pode ser feita, ou uma palavra não pode ser dita, sente como intuição, uma advertência invisível que o proíbe de fazê-lo. Vós mesmos não tendes pressentimentos que são como advertências secretas, para fazer ou não isso ou aquilo? O mesmo ocorre conosco, apenas num grau superior. Deveis compreender que a essência dos Espíritos, sendo mais sutil que a vossa, lhes dá a possibilidade de melhor receber as advertências divinas.

244 b A ordem é transmitida por Deus ou por intermédio de outros Espíritos? – Ela não vem diretamente de Deus. Para se comunicar com Deus, preciso é ser digno disso. Deus transmite Suas ordens por Espíritos que se encontram muito elevados em perfeição e instrução.

245 O dom da visão, nos Espíritos, é limitado e localizado, como nos seres corporais? – Não; a visão está neles como um todo.

246 Os Espíritos têm necessidade da luz para ver? – Veem por si mesmos e não têm necessidade da luz exterior. Para eles, não há trevas, a não ser aquelas em que podem se encontrar por expiação.

247 Os Espíritos têm necessidade de se transportar para ver em dois lugares diferentes? Eles podem, por exemplo, ver simultaneamente os dois hemisférios do globo? – Como o Espírito se transporta com a rapidez do pensamento, pode-se dizer que vê tudo de uma só vez, em todos os lugares. Seu pensamento pode irradiar e se dirigir, ao mesmo tempo, a vários pontos diferentes, mas essa qualidade depende de sua pureza. Quanto menos for depurado, mais sua visão estará limitada. Só Espíritos Superiores podem ter uma visão do conjunto. O dom de ver, nos Espíritos, é uma propriedade inerente à sua natureza e irradia em todo o seu ser, como a luz se irradia de todas as partes de um corpo luminoso. É uma espécie de lucidez universal que se estende a tudo, envolve num só lance o espaço, os tempos e as coisas e para a qual não há trevas ou obstáculos materiais. Compreende-se que deva ser assim. No homem, a visão funciona por meio de um órgão impressionado pela luz e, sem luz, fica na obscuridade. No Espírito, como o dom da visão é um atributo próprio, sendo desnecessário qualquer agente exterior, a visão não depende de luz. (Veja “Ubiquidade”, questão 92.)

248 O Espírito vê as coisas tão distintamente quanto nós? – Mais distintamente, porque a sua visão penetra no que não podeis penetrar. Nada a obscurece.

249 O Espírito percebe os sons? – Sim. Percebe até os que vossos rudes sentidos não podem perceber.

249 a O dom, a capacidade de ouvir, está em todo o seu ser, assim como a de ver? – Todas as percepções são atributos do Espírito e fazem parte do seu ser. Quando está revestido de um corpo material, as percepções do exterior apenas lhe chegam pelo canal dos órgãos correspondentes. Porém, no estado de liberdade, essas percepções deixam de estar localizadas.

250 Sendo as percepções atributos próprios do Espírito, pode deixar de usá-las? – O Espírito só vê e ouve o que quer. Isso de uma maneira geral e, sobretudo, para os Espíritos elevados. Já em relação aos que são imperfeitos, queiram ou não, ouvem e veem frequentemente aquilo que pode ser útil a seu adiantamento.

251 Os Espíritos são sensíveis à música? – Quereis falar de vossa música? O que é ela perante a música celeste cuja harmonia nada na Terra vos pode dar uma idéia? Uma está para a outra como o canto de um selvagem está para uma suave melodia. Entretanto, Espíritos vulgares podem sentir um certo prazer ao ouvir vossa música, porque ainda não são capazes de compreender uma mais sublime. A mú- sica tem para os Espíritos encantos infinitos, em razão de suas qualidades sensitivas bastante desenvolvidas. A música celeste é tudo o que a imaginação espiritual pode conceber de mais belo e mais suave.

252 Os Espíritos são sensíveis às belezas da natureza? – As belezas naturais dos globos são tão diferentes que se está longe de as conhecer; mas os Espíritos são sensíveis, sim, a essas belezas, sensíveis conforme sua aptidão em apreciá-las e compreendê-las. Para os Espíritos elevados há belezas de conjunto diante das quais desaparecem, por assim dizer, as belezas de detalhes.

253 Os Espíritos sentem nossas necessidades e sofrimentos físicos? – Eles os conhecem, porque os sofreram, passaram por eles; mas não os sentem como vós, materialmente, porque são Espíritos.

254 Os Espíritos sentem cansaço e a necessidade do repouso? – Não podem sentir o cansaço como o entendeis; consequentemente, não têm necessidade de repouso corporal como o vosso, uma vez que não possuem órgãos cujas forças devam ser reparadas. Mas o Espírito repousa, no sentido de que não tem uma atividade constante, embora não atue de uma maneira material. Sua ação é toda intelectual e seu repouso, inteiramente moral; ou seja, há momentos em que seu pensamento deixa de ser tão ativo e não mais se fixa num objetivo determinado. Esse instante é um verdadeiro repouso, mas não é comparável ao do corpo. O cansaço que podem sentir os Espíritos está em razão de sua inferioridade, visto que, quanto mais elevados, menos o repouso lhes é necessário.

255 Quando um Espírito diz que sofre, que sofrimento sente? – Angústias morais, que o torturam mais dolorosamente do que os sofrimentos físicos.

256 Como é que alguns Espíritos se queixam de sofrer de frio e de calor? – Lembrança do que tinham sofrido durante a vida, muitas vezes mais aflitiva que a realidade. É frequentemente uma comparação com que, na falta de coisa melhor, exprimem sua situação. Quando se lembram do seu corpo, experimentam uma espécie de impressão, como quando se tira um casaco e se tem a sensação, por um tempo, que ainda se está vestido.

ENSAIO TEÓRICO SOBRE A SENSAÇÃO NOS ESPÍRITOS

257 O corpo é o instrumento da dor. Se não é sua causa primária, é, pelo menos, a causa imediata. A alma tem a percepção da dor: essa percepção é o efeito. A lembrança que a alma conserva disso pode ser de muito sofrimento, mas não pode provocar ação física. De fato, nem o frio, nem o calor podem desorganizar os tecidos da alma. Ela não pode congelar-se, nem queimar-se. Não vemos todos os dias a lembrança ou a preocupação com um mal físico produzir os efeitos desse mal, até mesmo ocasionar a morte? Todo mundo sabe que as pessoas que tiveram membros amputados sentem dor no membro que não existe mais. Certamente, não é nesse membro que está a sede ou o ponto de partida da dor, mas no cérebro, que conservou a impressão da dor. Podem-se admitir, portanto, reações semelhantes nos sofrimentos do Espírito após a morte. Um estudo mais aprofundado do perispírito, que desempenha um papel tão importante em todos os fenômenos espíritas como nas aparições vaporosas ou tangíveis, como na circunstância por que o Espírito passa no momento da morte; na idéia tão frequente de que ainda está vivo, no quadro tão comovente dos suicidas e dos que foram martirizados, nos que se deixaram absorver pelos prazeres materiais e em tantos outros fatos, vieram lançar luz sobre a questão e deram lugar a explicações que resumimos a seguir. O perispírito é o laço que une o Espírito à matéria do corpo. O Espírito é quem o forma, tirando elementos do meio ambiente e do fluido universal. Ele é formado ao mesmo tempo de eletricidade, fluido magnético e até de alguma quantidade de matéria inerte. Pode-se dizer que é a matéria puríssima, o princípio da vida orgânica, mas não da vida intelectual. A vida intelectual está no Espírito. É, além disso, o agente das sensações exteriores. No corpo, essas sensações se localizam nos órgãos próprios que servem de canais condutores. Destruído o corpo, as sensações se tornam generalizadas. É por isso que o Espírito não diz sofrer mais da cabeça do que dos pés. É preciso precaução para não confundir as sensações do perispírito, que se tornou independente, com as do corpo: podemos tomar essas sensações apenas como comparação, e não como analogia. Liberto do corpo, o Espírito pode sofrer. Mas esse sofrimento não é corporal, embora não seja exclusivamente moral, como o remorso, porque se queixa de frio e calor. Apesar disso, não sofre mais no inverno que no verão: nós o temos visto atravessar as chamas sem sofrer nada, nenhuma dor, o fogo não lhe causa nenhuma impressão. A dor que sente não é física propriamente dita, é um vago sentimento íntimo que o próprio Espírito nem sempre entende, precisamente porque a dor não está localizada e não é produzida por agentes externos: é mais uma lembrança do que uma realidade, mas é uma recordação também dolorosa. Há, entretanto, algumas vezes, mais que uma lembrança, como iremos ver. A experiência nos ensina que no momento da morte o perispírito se desprende mais ou menos lentamente do corpo. Nos primeiros instantes seguidos ao desencarne, o Espírito não entende a sua situação: não acredita estar morto, sente-se vivo, vê seu corpo de um lado, sabe que é seu e não entende por que está separado dele. Essa situação persiste enquanto o laço entre o corpo e o perispírito não se romper por completo. Um suicida nos disse: “Não, não estou morto”, e acrescentava: “E, entretanto, sinto os vermes que me roem”. Porém, seguramente, os vermes não roíam o seu perispírito, e muito menos o Espírito; roíam-lhe apenas o corpo. Mas como a separação do corpo e do perispírito não estava concluída, disso se originava uma espécie de repercussão moral que lhe transmitia a sensação do que se passava no seu corpo. Repercussão não é bem a palavra que dê a idéia exata do que ocorre, porque pode fazer supor um efeito muito material. Era antes e de fato a visão do que se passava no cadáver, que ainda estava ligado ao seu perispírito, produzindo nele essa sensação que tomava como real, como autêntica. Desse modo, não era uma lembrança, uma vez que durante sua vida nunca tinha sido roído por vermes; era uma sensação nova e atual. Vemos, assim, que deduções se podem tirar dos fatos, quando observados atentamente. Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito, que constitui, provavelmente, o que se chama de fluido nervoso. Estando o corpo morto, não sente mais nada, porque não possui mais Espírito, nem perispírito. O perispírito, desprendido do corpo, experimenta a sensação, mas como ela não lhe chega mais por um canal limitado, próprio, torna-se geral. Portanto, como o perispírito é na realidade um agente de transmissão das sensações que se produzem do corpo para o Espírito, porque é no Espírito que está a consciência, disso se deduz que, se pudesse existir perispírito sem Espírito, ele não sentiria mais do que sente um corpo morto. Da mesma forma, se o Espírito não tivesse perispírito, seria inacessível a qualquer sensação dolorosa, como ocorre com os Espíritos completamente purificados. Sabemos que, quanto mais o Espírito se purifica, mais a essência do perispírito se ais o Espírito se purifica, mais a essência do perispírito se torna etérea, do que se conclui que a influência material diminui à medida que o Espírito progride e, por consequência, o próprio perispírito torna-se menos grosseiro. Mas, dirão, as sensações agradáveis são transmitidas ao Espírito por meio do perispírito, da mesma forma que as sensações desagradáveis; sendo o Espírito puro inacessível a umas, deve ser igualmente inacessível a outras. Sim, sem dúvida, assim é de fato para as sensações que provêm unicamente da influência da matéria que conhecemos, por exemplo: o som de nossos instrumentos e o perfume de nossas flores não lhes causam nenhuma impressão. Porém, o Espírito têm sensações íntimas de um encanto indefinível, das quais não podemos fazer nenhuma idéia, por sermos, a esse respeito, como cegos de nascença perante a luz: sabemos que elas existem, mas por que meio se produzem não o sabemos. Termina aí nossa ciência. Sabemos que o Espírito têm percepção, sensação, audição, visão; que essas faculdades são generalizadas por todo o ser, e não, como no homem, só em uma parte do seu ser. Mas de que modo ele as tem? É o que não sabemos. Os próprios Espíritos não podem nos dar idéia precisa, porque a nossa linguagem não pode exprimir ideias que não conhecemos, da mesma forma que para os selvagens não há termos para exprimir nossas artes, ciências e doutrinas filosóficas. Ao dizer que os Espíritos são inacessíveis às impressões de nossa matéria, estamos nos referindo aos Espíritos muito elevados, cujo envoltório etéreo não tem nada de semelhante ao que conhecemos aqui na Terra. O mesmo não ocorre com os de perispírito mais denso: estes percebem nossos sons e odores, mas não por uma parte limitada de sua individualidade, como quando encarnados. Pode-se dizer que neles as vibrações moleculares se fazem sentir em todo seu ser e chegam assim ao seu sensorium commune2 , que é o próprio Espírito, embora de um modo diferente, o que produz uma modificação na percepção. Eles ouvem o som de nossa voz e, no entanto, nos compreendem sem necessidade da palavra, apenas pela transmissão do pensamento; isso vem em apoio ao que dissemos: a percepção dessas vibrações é tão mais fácil quanto mais desmaterializado está o Espírito. Quanto à visão, é independente de nossa luz. O dom da visão é um atributo essencial da alma, para ela não há obscuridade; mas é mais ampla e penetrante para os que estão mais purificados. A alma ou o Espírito tem nela mesma todos os dons e recursos de todas as percepções. Na vida corporal são limitados pela grosseria dos órgãos físicos; na vida extra corporal são cada vez menos limitados, à medida que menos denso se torna o envoltório semi-material. Esse envoltório, o perispírito, tirado do meio ambiente, varia de acordo com a natureza dos mundos. Ao passar de um mundo para outro, os Espíritos mudam de envoltório, assim como mudamos de roupa quando passamos do inverno para o verão, ou de um polo para o Equador. Os Espíritos mais elevados, quando vêm nos visitar, se revestem do perispírito terrestre e, assim, suas percepções são como as dos Espíritos do lugar onde estão. Porém, todos, tanto inferiores quanto superiores, apenas ouvem e sentem o que querem ouvir ou sentir. Tendo em vista que não possuem os órgãos sensitivos, podem tornar, à vontade, suas percepções ativas ou nulas; há apenas uma situação a que são obrigados: a de ouvir os conselhos dos bons Espíritos. A visão é sempre ativa, mas podem reciprocamente se tornar invisíveis uns aos outros. De acordo com a posição que ocupam, podem se ocultar dos que lhes são inferiores, mas não dos superiores. Nos primeiros momentos que se seguem ao desencarne, a visão do Espírito é sempre perturbada e confusa; porém, vai se aclarando à medida que se liberta do corpo físico e pode adquirir nitidez igual à que tinha durante a vida terrena, além de contar com a possibilidade de poder ver através dos corpos que são opacos para nós. Quanto a poder alcançar a visão do espaço infinito, do futuro e do passado, depende do grau de pureza e da elevação do Espírito. Toda essa teoria, alegarão alguns, não é nada tranquilizadora. Pensávamos que uma vez livres do corpo, instrumento de nossas dores, não sofreríamos mais. Agora nos dizeis que ainda sofreremos, desta ou daquela forma, mas que será sempre sofrimento. Ah, sim! Podemos ainda sofrer, e muito, por um longo tempo, mas podemos também parar de sofrer, já desde o instante em que deixarmos a vida corporal. Os sofrimentos aqui da Terra, algumas vezes, independem de nós, mas muitos são as consequências da nossa vontade, e se buscarmos as origens constataremos que, em sua maior parte, resultam de causas que poderíamos evitar. Quantos males, quantas enfermidades o homem não deve aos seus excessos, à sua ambição, às suas paixões? O homem que sempre tivesse vivido sobriamente, que não tivesse cometido abusos, que sempre tivesse sido simples em seus gostos, modesto em seus desejos, se pouparia de muitos sofrimentos. O mesmo acontece com o Espírito: as angústias que enfrenta são a consequência da maneira como viveu na Terra. Sem dúvida, não terá mais artrite nem reumatismo, mas terá outros sofrimentos que não são menores. Temos visto que os sofrimentos que sente são causados pelos laços que ainda existem entre ele e a matéria e, quanto mais se desmaterializa, menos tem sensações dolorosas. Portanto, depende do homem querer libertar-se dessa influência já em vida; tem seu livre-arbítrio e, consequentemente, a escolha entre fazer e não fazer. Que ele dome suas paixões brutais, não tenha ódio, inveja, ciúme, nem orgulho; que purifique sua alma pelos bons sentimentos; que faça o bem; que dê às coisas deste mundo a importância que merecem; então, ainda no corpo físico, já estará purificado, desprendido da matéria, e quando o deixar não sofrerá mais sua influência. Os sofrimentos físicos que experimentou não deixarão nenhuma lembrança dolorosa; não restará nenhuma impressão desagradável, porque afetou apenas o corpo e não o espírito. Ficará feliz por estar livre delas, e a calma de sua consciência o livrará de todo sofrimento moral. Interrogamos milhares de Espíritos que haviam pertencido a todas as classes da sociedade e a todas as posições sociais, quando na Terra. Nós os estudamos em todos os períodos de sua vida espírita, desde o instante em que deixaram o corpo; nós os seguimos passo a passo na vida após a morte para observar as mudanças que se operavam neles, nas ideias, nas sensações. E sob esse aspecto, os homens mais simples foram os que nos forneceram materiais de estudo mais preciosos, porque notamos sempre que os sofrimentos estão relacionados à conduta que tiveram na vida corpórea da qual sofrem as consequências, e que essa nova existência é fonte de uma felicidade indescritível para aqueles que seguiram o bom caminho. Deduz-se que sofrem porque merecem e só podem queixar-se de si mesmos, tanto neste quanto no outro mundo.

ESCOLHA DAS PROVAS

258 Na espiritualidade, antes de começar uma nova existência corporal, o Espírito tem consciência e previsão das coisas que acontecerão durante sua vida? – Ele mesmo escolhe o gênero de provas que quer passar. Nisso consiste seu livre-arbítrio.

258 a Então não é Deus que impõe os sofrimentos da vida como castigo? – Nada acontece sem a permissão de Deus, que estabeleceu todas as leis que regem o universo. Perguntareis, então, por que Ele fez esta lei em vez daquela. Ao dar ao Espírito a liberdade de escolha, deixa-lhe toda a responsabilidade de seus atos e de suas consequências, nada impede seu futuro; o caminho do bem está à frente dele, assim como o do mal. Mas, se fracassa, resta-lhe uma consolação: nem tudo está acabado para ele. Deus, em sua bondade, deixa-o livre para recomeçar, reparando o que fez de mal. É preciso, aliás, distinguir o que é obra da vontade de Deus e o que é obra do homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes vós que o criastes, foi Deus; mas tendes a liberdade de vos expor a ele, por terdes visto aí um meio de adiantamento, e Deus o permitiu.

259 Se o Espírito tem a escolha do gênero de prova que deve passar, todas as dificuldades que experimentamos na vida foram previstas e escolhidas por nós? – Todas não é a palavra, porque não se pode dizer que escolhestes e previstes tudo que vos acontece neste mundo, até nas menores coisas. Vós escolhestes os gêneros das provas; os detalhes são consequência da situação em que viveis e, frequentemente, de vossas próprias ações. Se o Espírito quis nascer entre criminosos, por exemplo, sabia dos riscos a que se exporia, mas não tinha conhecimento dos atos que viria a praticar; esses atos são efeito de sua vontade ou de seu livre-arbítrio. O Espírito sabe que, ao escolher um caminho, terá uma luta a suportar; sabe a natureza e a diversidade das coisas que enfrentará, mas não sabe quais os acontecimentos que o aguardam. Os detalhes dos acontecimentos nascem das circunstâncias e da força das coisas. Somente os grandes acontecimentos que influem na vida estão previstos. Se seguis um caminho cheio de sulcos profundos, sabeis que deveis tomar grandes precauções, porque tendes a probabilidade de cair, mas não sabeis em qual deles caireis; pode ser que a queda não aconteça, se fordes prudente o bastante. Se, ao passar na rua, uma telha cai na vossa cabeça, não acrediteis que estava escrito, como se diz vulgarmente. 260 Como o Espírito pode querer nascer entre pessoas de má conduta? – É preciso que seja enviado para um meio em que possa se defrontar com a prova que pediu. Pois bem! É preciso que haja identidade de relações e semelhanças, que os semelhantes se atraiam: para lutar contra o instinto do roubo, é preciso que se encontre entre pessoas que roubam.

260 a Se não houvesse pessoas de má conduta na Terra, o Espírito não encontraria nela o meio necessário para passar por determinadas provas? – E seria o caso de lastimar se isso acontecesse? É o que ocorre nos mundos superiores, onde o mal não tem acesso porque há somente Espíritos bons. Fazei que o mesmo aconteça na vossa Terra.

261 O Espírito, nas provas que deve passar para atingir a perfeição, deve experimentar todas as tentações? Deve passar por todas as circunstâncias que podem incitar o orgulho, a inveja, a avareza, a sensualidade, etc.? – Certamente que não, uma vez que sabeis que há Espíritos que, desde o começo, tomam um caminho que os livra de muitas provas; mas, aquele que se deixa levar pelo mau caminho corre todos os perigos desse caminho. Um Espírito, por exemplo, pode pedir a riqueza e esta ser concedida; então, de acordo com seu caráter, poderá tornar-se avarento ou pródigo, egoísta ou generoso, ou se entregar a todos os prazeres da sensualidade; mas isso não quer dizer que tenha que passar forçosamente por todas essas tendências.

 262 Como pode o Espírito em sua origem, simples, ignorante e sem experiência, escolher uma existência com conhecimento de causa e ser responsável por essa escolha? – Deus supre sua inexperiência ao traçar-lhe o caminho que deve seguir, como o fazeis com uma criança desde o berço. Deixa-o, porém, livre para escolher, à medida que seu livre-arbítrio se desenvolve. É então que muitas vezes se extravia ao seguir o mau caminho, se não escuta os conselhos dos bons Espíritos; é o que se pode chamar a queda do homem.

262 a Quando o Espírito usa seu livre-arbítrio, a escolha da existência corporal depende sempre de sua vontade, ou essa existência pode ser imposta pela vontade de Deus como expiação? – Deus sabe esperar: não apressa a expiação. No entanto, perante a Lei, um Espírito pode ter uma encarnação compulsória quando, por sua inferioridade, ou má vontade, não está apto a compreender o que lhe poderia ser mais útil e quando essa encarnação pode servir à sua purificação e adiantamento, ao mesmo tempo que lhe sirva de expiação.

263 O Espírito faz sua escolha imediatamente após a morte? – Não, muitos acreditam na eternidade das penas e, como já foi dito, pensar assim representa para eles um castigo. (Veja a questão 101).

264 Como o Espírito escolhe as provas que quer suportar? – Ele escolhe as que podem ser para ele uma expiação, pela natureza de seus erros, e lhe permitam avançar mais rapidamente. Uns podem, ao escolher, se impor uma vida de misérias e privações para tentar suportá-la com coragem; outros querem se experimentar nas tentações da riqueza e do poder, muito perigosas, pelo abuso e o mau uso que delas se possa fazer e pelas paixões inferiores que desenvolvem; outros, enfim, preferem se experimentar nas lutas que têm que sustentar em contato com o vício.

265 Se alguns Espíritos escolhem o contato com o vício como prova, há aqueles que o escolhem por simpatia e desejo de viver num meio conforme seu gosto, ou para se entregar completamente às tendência materiais? – Há, sem dúvida. Mas só fazem essa escolha os que têm o senso moral ainda pouco desenvolvido; a provação está em viver a escolha que fizeram e a sofrem por longo tempo. Cedo ou tarde, compreenderão que a satisfação das paixões brutais traz consequências deploráveis, e o sofrimento lhes parecerá eterno. Poderão permanecer nesse estado até que se tornem conscientes da falta em que incorreram, e então eles mesmos pedem a Deus para resgatá-las em provas libertadoras.

266 Não parece natural escolher as provas menos dolorosas? – Para vós, sim; para o Espírito, não. Quando se está liberto da matéria, a ilusão cessa e a forma de pensar é outra. O homem na Terra, sob a influência das ideias terrenas, vê nas suas provas apenas o lado doloroso. Por isso lhe pareceria natural escolher as que, em seu ponto de vista, pudessem se conciliar com os prazeres materiais. Porém, na vida espiritual, compara esses prazeres ilusórios e grosseiros com a felicidade inalterável que percebe, e, então, nenhuma importância dá aos sofrimentos passageiros da Terra. O Espírito pode, em vista disso, escolher a prova mais rude e, consequentemente, a mais angustiosa existência, na esperança de atingir mais depressa um estado melhor, como o doente escolhe muitas vezes o remédio mais desagradável para se curar mais depressa. Aquele que deseja ver seu nome ligado à descoberta de um país desconhecido não escolhe um caminho florido; sabe dos perigos que corre, mas também sabe da glória que o espera se for bem-sucedido. A doutrina da liberdade na escolha de nossas existências e das provas que devemos suportar deixa de causar espanto ou surpresa, se considerarmos que os Espíritos livres da matéria apreciam as coisas de maneira diferente da nossa. Percebem que há um objetivo, bem mais sério do que os prazeres ilusórios do mundo e, após cada existência, veem o passo que deram e compreendem o que ainda lhes falta de pureza para atingi-lo. Eis por que se submetem voluntariamente a todas as alternâncias e às dificuldades da vida corporal, pedindo, eles mesmos, aquelas que lhes permitam alcançar mais prontamente o objetivo a que almejam. Não há, portanto, motivo de estranheza no fato de o Espírito não escolher uma existência mais suave. No estado de imperfeição em que se acha, o Espírito não pode querer uma existência feliz, sem amargura; ele a pressente e antevê, e é para atingi-la que procura melhorar-se. Não temos, aliás, todos os dias, perante os olhos, exemplos de experiências parecidas? O que faz o homem que trabalha uma parte de sua vida, sem trégua nem descanso, para reunir posses que lhe garantam o bem-estar, senão uma tarefa que se impôs tendo em vista um futuro melhor? O militar que se arrisca numa missão perigosa, o viajante que enfrenta os maiores perigos no interesse da ciência ou de sua fortuna; o que isso representa, senão provas voluntárias que lhes devem proporcionar honra e proveito, se forem bem-sucedidos? A que não se submete e não se expõe o homem por seu interesse ou glória? Os concursos não são também provas voluntárias às quais se submete, para se elevar na carreira que escolheu? Não se chega a uma posição importante, qualquer que seja, nas ciências, nas artes, na indústria, senão passando por posições inferiores que são também provas. A vida humana é uma cópia da vida espiritual, na qual encontramos, em escala pequena, todas as mesmas peripécias. Se, na vida terrestre, escolhemos frequentemente as provas mais rudes, visando a um objetivo mais elevado, por que o Espírito, que vê mais longe e para quem a vida terrestre é apenas um incidente passageiro, não escolheria uma existência laboriosa e de renúncia, sabendo que ela deve conduzi-lo a uma felicidade eterna? Aqueles que dizem que, se o homem tem o direito de escolha de sua existência, pediriam para ser príncipes ou milionários são como míopes, que vêem apenas o que tocam, ou como crianças gulosas, às quais, quando se pergunta que profissão pretendem, respondem: pasteleiros ou confeiteiros. Como um viajante que, no fundo do vale embaçado pelo nevoeiro, não vê a distância, nem os pontos extremos de seu caminho; mas, uma vez chegado ao cume da montanha, divisa o caminho que percorreu e o que lhe resta percorrer; vê seu objetivo, os obstáculos que ainda tem a transpor e pode, então, planejar com mais segurança os meios para atingi-lo. O Espírito encarnado é semelhante ao viajante no fundo do vale. Liberto dos laços terrestres, sua visão tem o completo domínio da sua destinação, como aquele que está no cume da montanha. Para o viajante, o objetivo é o repouso após o cansaço; para o Espírito, é a felicidade suprema após as dificuldades e as provas. Todos os Espíritos dizem que, na espiritualidade, pesquisam, estudam e observam para fazer sua escolha. Não temos um exemplo desse fato na vida corporal? Não procuramos frequentemente, durante anos, a carreira em que fixamos livremente nossa escolha, por acreditarmos ser a mais apropriada para fazermos nosso caminho? Se fracassamos numa, escolhemos outra. Cada carreira que abraçamos é uma fase, um período da vida. Cada dia não é empregado para planejar o que faremos no dia seguinte? Portanto, o que são as diferentes existências corporais para o Espírito senão etapas, períodos, dias de sua vida espírita, que é, como sabemos, sua vida normal, uma vez que a corpórea é apenas transitória e passageira?

267 O Espírito pode escolher suas provas, quando já encarnado? – Seu desejo pode ter influência, dependendo da intenção com que as deseja; mas, como Espírito, vê frequentemente as coisas muito diferentes. É apenas o Espírito que faz a escolha; mas, afirmamos mais uma vez, é possível. Ele pode fazê-la na vida material, porque para o Espírito há sempre momentos em que fica independente da matéria que habita. 267 a Muitas pessoas desejam poder e riqueza; não é, certamente, como expiação ou como prova? – Sem dúvida, é o instinto material que as deseja para delas desfrutar; já o Espírito as deseja para conhecer todas as alternativas que elas oferecem.

268 Até que atinja o estado de pureza perfeita, o Espírito tem que passar constantemente por provas? – Sim, mas não são como as entendeis, visto que chamais de provas às adversidades materiais. Porém, o Espírito que atingiu um certo grau, sem ser ainda perfeito, nada mais tem a suportar; embora sempre tenha deveres que o ajudam a se aperfeiçoar, e que nada têm para ele de constrangedor ou angustiante, ainda que seja para ajudar os outros a se aperfeiçoar.

O Espírito pode se enganar sobre a eficácia da prova que escolheu? – Ele pode escolher uma que esteja acima de suas forças e, então, fracassar. Pode também escolher alguma que não lhe dê nenhum proveito, que resulte numa vida ociosa e inútil; mas, então, uma vez de volta ao mundo dos Espíritos, percebe que nada ganhou e pede para reparar o tempo perdido, numa outra encarnação.

270 A que se devem as vocações de certas pessoas e seu desejo de seguir uma carreira em vez de outra? – Parece-me que vós mesmos podeis responder a essa questão. Não é a consequência de tudo o que dissemos sobre a escolha das provas e o progresso realizado nas existências anteriores?

271 Ainda na espiritualidade, o Espírito, ao estudar as diversas condições em que poderá progredir, como pensa poder fazê-lo ao nascer, por exemplo, entre os povos canibais? – Espíritos já avançados não nascem entre canibais. Entre eles nascem Espíritos com a natureza dos canibais, ou que lhe são até inferiores. Sabemos que os antropófagos3 não estão no último grau da escala evolutiva e que há mundos onde o embrutecimento e a ferocidade ultrapassam em tudo o que conhecemos na Terra. Esses Espíritos que lá habitam são ainda inferiores aos mais inferiores de nosso mundo, e nascer entre os nossos selvagens é para eles um progresso, como seria um progresso para os antropófagos do nosso globo exercer entre nós uma profissão que os obrigasse a derramar sangue4. Se não alcançam o mais alto é porque sua inferioridade moral não lhes permite compreender um progresso mais completo. O Espírito não pode avançar senão gradualmente; não pode transpor de um salto a distância que separa a barbárie da civilização, e é aí que vemos uma das necessidades da reencarnação, que está verdadeiramente de acordo com a justiça de Deus. De outro modo, em que se tornariam esses milhões de seres que morrem a cada dia no último estado de degradação, se não possuíssem os meios de atingir a superioridade? Por que Deus os deserdaria dos favores concedidos aos outros homens?

272 Espíritos vindos de um mundo inferior à Terra ou de um povo muito atrasado, como os canibais, por exemplo, poderiam nascer entre os povos civilizados? – Sim, há os que se desencaminham ao querer subir muito alto. Ficam desajustados entre vós, porque possuem costumes e instintos que não se afinam com os vossos.

Esses seres nos dão o triste espetáculo da ferocidade em meio à civilização. Ao retornar renascendo entre os canibais, não sofrem uma queda, uma degradação, apenas voltam aos seus lugares e com isso talvez até ganhem.

273 Um homem que pertence a uma raça civilizada poderia, por expiação, reencarnar em uma raça selvagem? – Sim, mas isso depende do gênero da expiação. Um senhor que tenha sido cruel com seus escravos poderá tornar-se escravo por sua vez e sofrer os maus-tratos que fez os outros suportar. Aquele que um dia comandou poderá, em uma nova existência, obedecer até mesmo àqueles que se curvaram à sua vontade. É uma expiação que lhe pode ser imposta, se abusou de seu poder. Um bom Espírito também pode escolher uma existência em que exerça uma ação influente e encarnar dentre povos atrasados, para fazer com que progridam, o que, neste caso, é para ele uma missão.

RELAÇÕES APÓS A MORTE

 274 As diferentes ordens de Espíritos estabelecem entre eles uma hierarquia de poderes? Existe entre eles subordinação e autoridade? – Sim, muito grande. Os Espíritos têm uns para com os outros uma autoridade relativa à sua superioridade, que exercem por uma ascendência moral irresistível.

274 a Os Espíritos inferiores podem escapar da autoridade dos superiores? – Eu disse: irresistível.

275 O poder e a consideração que um homem desfrutou na Terra lhe dão alguma supremacia no mundo dos Espíritos? – Não. Os pequenos serão elevados e os grandes rebaixados. Lede os Salmos5 .

 275 a Como devemos entender essa elevação e esse rebaixamento? – Não sabeis que os Espíritos são de diferentes ordens, de acordo com seu mérito? Pois bem! O maior da Terra pode estar no último lugar entre os Espíritos, enquanto seu servidor pode estar no primeiro. Compreendei isso? Jesus disse: “Todo aquele que se humilhar será elevado e todo aquele que se elevar será humilhado”.

276 Àquele que foi grande na Terra e se encontra entre os Espíritos de ordem inferior passa por humilhação? – Frequentemente muito grande, principalmente se era orgulhoso e invejoso.

277 O soldado que, após a batalha, encontra seu general no mundo dos Espíritos, o reconhece ainda como seu superior? – O título não é nada; a superioridade real é tudo.

278 Os Espíritos de diferentes ordens se misturam uns com os outros? – Sim e não, ou seja, eles se veem, mas se distinguem uns dos outros e se afastam ou se aproximam, de acordo com os seus sentimentos, como acontece entre vós. Constituem um mundo do qual o vosso dá uma vaga idéia. Os da mesma categoria se reúnem por afinidade e formam grupos ou famílias de Espíritos unidos pela simpatia e objetivo a que se propuseram: os bons, pelo desejo de fazer o bem; os maus, pelo desejo de fazer o mal, pela vergonha de suas faltas e pela necessidade de se encontrar entre seres semelhantes. Exatamente como numa grande cidade, onde os homens de todas as categorias e condições se veem e se reencontram sem se confundirem; onde as sociedades se formam por semelhanças de gostos; onde o vício e a virtude convivem cada um à sua maneira.

279 Todos os Espíritos têm reciprocamente acesso uns aos outros? – Os bons vão a toda parte e é preciso que seja desse modo para que possam exercer sua influência sobre os maus. As regiões habitadas pelos bons são interditadas aos Espíritos imperfeitos, a fim de que não as perturbem com suas más paixões.

280 Qual é a natureza das relações entre os bons e os maus Espíritos? – Os bons empenham-se em combater as más tendências dos outros, a fim de ajudá-los a elevar-se; é sua missão.

281 Por que os Espíritos inferiores gostam de nos induzir ao mal? – Por inveja de não ter merecimento para estar entre os bons. Seu desejo é impedir, tanto quanto possam, os Espíritos inexperientes de alcançar o bem supremo; querem que os outros sintam o que eles mesmos sentem. Não acontece também o mesmo entre vós?

282 Como os Espíritos se comunicam entre si? – Eles se veem e se compreendem; a palavra se materializa pelo reflexo do Espírito. O fluido universal estabelece entre eles uma comunicação constante; é o veículo da transmissão do pensamento, assim como o ar é o veículo do som. É uma espécie de telégrafo universal que liga todos os mundos e permite aos Espíritos comunicarem-se de um mundo a outro.

283 Os Espíritos podem esconder seus pensamentos? Podem se ocultar uns dos outros? – Não, para eles tudo está a descoberto, principalmente entre os que são perfeitos. Podem se afastar uns dos outros, mas sempre se veem. Isso não é, entretanto, uma regra absoluta, porque certas categorias de Espíritos podem muito bem se tornar invisíveis para outros, se julgarem útil faze-lo.

284 Como os Espíritos, que não têm mais corpo, podem constatar a sua individualidade e se distinguir dos outros que os rodeiam? – Eles constatam sua individualidade pelo perispírito, que os distingue uns dos outros, assim como pelo corpo se podem distinguir os homens.

285 Os Espíritos se reconhecem por terem coabitado a Terra? O filho reconhece seu pai, o amigo reconhece seu amigo? – Sim, e assim de geração em geração. 285 a Como os homens que se conheceram na Terra se reconhecem no mundo dos Espíritos? – Nós vemos nossa vida passada e a lemos como num livro; ao ver o passado de nosso amigos e inimigos, vemos sua existência da vida à morte.

286 A alma, ao deixar o corpo logo após a morte, vê imediatamente parentes e amigos que a precederam no mundo dos Espíritos? – Imediatamente não é bem a palavra. Como já dissemos, ela precisa de algum tempo para reconhecer seu estado e se desprender da matéria.

287 Como a alma é acolhida em seu retorno ao mundo dos Espíritos? – A do justo, como um irmão bem-amado que é esperado há muito tempo. A do mau, como um ser que se equivocou.

288 Que sentimento têm os Espíritos impuros quando veem um mau Espírito chegando até eles? – Os maus ficam satisfeitos ao ver seres à sua imagem e privados, como eles, da felicidade infinita, como, na Terra, um perverso entre seus iguais.

289 Nossos parentes e amigos vêm algumas vezes ao nosso encontro quando deixamos a Terra? – Sim, eles vêm ao encontro da alma que estimam. Felicitam-na como no retorno de uma viagem, se ela escapou dos perigos do caminho, e a ajudam a se despojar dos laços corporais. É a concessão de uma graça para os bons Espíritos quando aqueles que amam vêm ao seu encontro, enquanto o infame, o mau, sente-se isolado ou é apenas rodeado por Espíritos semelhantes a ele: é uma punição.

290 Os parentes e amigos sempre se reúnem depois da morte? – Isso depende de sua elevação e do caminho que seguem para seu adiantamento. Se um deles é mais avançado e marcha mais rápido do que o outro, não poderão permanecer juntos. Poderão se ver algumas vezes, mas somente estarão para sempre reunidos quando marcharem lado a lado, ou quando atingirem a igualdade na perfeição. Além disso, a impossibilidade de ver seus parentes e seus amigos é, algumas vezes, uma punição.

RELAÇÕES DE SIMPATIA E ANTIPATIA ENTRE OS ESPÍRITOS. METADES ETERNAS

291 Além da simpatia geral de afinidade, os Espíritos têm entre si afeições particulares? – Sim, como entre os homens. Mas o laço que une os Espíritos é mais forte quando estão livres do corpo, por não estarem mais expostos às alterações e volubilidades das paixões.

292 Há ódio entre os Espíritos? – Somente há ódio entre os Espíritos impuros, e são eles que provocam entre vós as inimizades e as desavenças.

293 Dois seres que foram inimigos na Terra conservarão ressentimentos um contra o outro no mundo dos Espíritos? – Não. Eles compreenderão que seu ódio era uma tolice e o motivo, pueril. Apenas os Espíritos imperfeitos conservam um certo rancor até que estejam depurados. Se foi unicamente por um interesse material que se tornaram inimigos, não pensarão mais nisso, ainda que estejam pouco desmaterializados. Se não há antipatia entre eles, o motivo de discussão não mais existindo, podem se rever com prazer. ? Como dois escolares que atingiram a idade da razão reconhecem a infantilidade das brigas que tiveram na infância e deixam de se malquerer.

294 A recordação das más ações que dois homens praticaram um contra o outro é um obstáculo à simpatia? – Sim, isso os leva a se distanciarem.

295 Que sentimento têm após a morte aqueles a quem fizemos mal aqui na Terra? – Se são bons, perdoam de acordo com o vosso arrependimento. Se são maus, é possível que conservem ressentimento e algumas vezes até vos persigam numa outra existência. Isso pode representar uma punição, uma provação.

296 As afeições individuais dos Espíritos são passíveis de alteração? – Não, porque não podem se enganar. Eles não têm mais a máscara sob a qual se escondem os hipócritas; eis por que as suas afeições são inalteráveis quando são puros. O amor que os une é para eles a fonte de uma felicidade suprema.

297 A afeição que dois seres tiveram na Terra sempre continuará no mundo dos Espíritos? – Sim, sem dúvida, se é fundada sobre uma simpatia verdadeira. Mas se as causas físicas foram maiores que a simpatia, ela cessa com a causa. As afeições entre os Espíritos são mais sólidas e mais duráveis do que as da Terra, porque não estão sujeitas aos caprichos dos interesses materiais e do amor-próprio.

298 As almas que devem unir-se estão predestinadas a essa união desde a origem e cada um de nós tem, em alguma parte do universo, sua metade à qual um dia fatalmente se unirá? – Não. Não existe união particular e fatal entre duas almas. A união existe entre todos os Espíritos, mas em diferentes graus, de acordo com a categoria que ocupam, ou seja, de acordo com a perfeição que adquiriram: quanto mais perfeitos, mais unidos. Da discórdia nascem todos os males humanos; da concórdia resulta a felicidade completa.

299 Em que sentido devemos entender a palavra metade, de que certos Espíritos se servem para designar os Espíritos simpáticos? – A expressão é inexata. Se um Espírito fosse a metade de um outro, uma vez separados, ambos estariam incompletos.

300 Dois Espíritos perfeitamente simpáticos, uma vez reunidos, o serão pela eternidade, ou podem se separar e se unir a outros? – Todos os Espíritos são unidos entre si. Falo daqueles que atingiram a perfeição. Nas esferas inferiores, quando um Espírito se eleva, já não tem mais a mesma simpatia por aqueles que deixou para trás.

 301 Dois Espíritos simpáticos são o complemento um do outro, ou essa simpatia é o resultado de uma identidade perfeita? – A simpatia que atrai um Espírito ao outro é o resultado da perfeita concordância de suas tendências, de seus instintos; se um tivesse que completar o outro, perderia sua individualidade.

302 A identidade necessária para a simpatia perfeita consiste apenas na semelhança de pensamentos e sentimentos, ou ainda na uniformidade dos conhecimentos adquiridos? – Na igualdade dos graus de elevação.

303 Os Espíritos que não são simpáticos hoje podem tornar-se mais tarde? – Sim, todos o serão. Assim, o Espírito que está hoje numa esfera inferior, ao se aperfeiçoar, alcançará a esfera onde está o outro. Seu reencontro acontecerá mais prontamente se o que está num grau mais evoluído permanecer estacionário por não ter conseguido superar as provas a que se submeteu.

303 a Dois Espíritos simpáticos podem deixar de sê-lo? – Certamente, se um deles for preguiçoso. ? A teoria das metades eternas é apenas uma figura que representa a união de dois Espíritos simpáticos. É uma expressão usada até mesmo na linguagem comum e não deve ser tomada ao pé da letra. Os Espíritos que dela se serviram certamente não pertencem a uma ordem elevada. A esfera de suas ideias é limitada e expressa seus pensamentos pelos termos de que se serviam durante a vida corporal. É preciso rejeitar essa idéia de dois Espíritos criados um para o outro, e que deverão, portanto, um dia, fatalmente, se reunir na eternidade, após estarem separados durante um espaço de tempo mais ou menos longo.

RECORDAÇÃO DA EXISTÊNCIA CORPÓREA

 304. Lembra-se o Espírito da sua existência corporal? “Lembra-se, isto é, tendo vivido muitas vezes na Terra, recorda-se do que foi como homem e eu te afirmo que frequentemente ri, penalizado de si mesmo.” Tal qual o homem, que chegou à madureza e que ri das suas loucuras de moço, ou das suas puerilidades na meninice.

305. A lembrança da existência corporal se apresenta ao Espírito, completa e inopinadamente, após a morte? “Não; vem-lhe pouco a pouco, qual imagem que surge gradualmente de uma névoa, à medida que nela fixa ele a sua atenção.”

306. O Espírito se lembra, pormenorizadamente, de todos os acontecimentos de sua vida? Apreende o conjunto deles de um golpe de vista retrospectivo? “Lembra-se das coisas, de conformidade com as consequências que delas resultaram para o estado em que se encontra como Espírito errante. Bem compreendes, portanto, que muitas circunstâncias haverá de sua vida a que não ligará importância alguma e das quais nem sequer procurará recordar-se”. a) — Mas, se o quisesse, poderia lembrar-se delas? “Pode lembrar-se dos mais minuciosos pormenores e incidentes, assim relativos aos fatos, como até aos seus pensamentos. Não o faz, porém, desde que não tenha utilidade”. b) — Entrevê o Espírito o objetivo da vida terrestre com relação à vida futura? “Certo que o vê e compreende muito melhor do que em vida do seu corpo. Compreende a necessidade da sua purificação para chegar ao infinito e percebe que em cada existência deixa algumas impurezas.”

307. Como é que ao Espírito se lhe desenha na memória a sua vida passada? Será por esforço da própria imaginação, ou como um quadro que se lhe apresenta à vista? “De uma e outra formas. São-lhe como que presentes todos os atos de que tenha interesse em lembrar-se. Os outros lhe permanecem mais ou menos vagos na mente, ou esquecidos de todo. Quanto mais desmaterializado estiver, tanto menos importância dará às coisas materiais. Essa a razão por que, muitas vezes, evocas um Espírito que acabou de deixar a Terra e verificas que não se lembra dos nomes das pessoas que lhe eram caras, nem de uma porção de coisas que te parecem importantes. É que tudo isso, pouco lhe importando, logo caiu em esquecimento. Ele só se recorda perfeitamente bem dos fatos principais que concorrem para a sua melhoria.”

308. O Espírito se recorda de todas as existências que precederam a que acaba de ter? “Todo o seu passado se lhe desdobra à vista, quais a um viajor os trechos do caminho que percorreu. Mas, como já dissemos, não se recorda, de modo absoluto, de todos os seus atos. Lembra-se destes conformemente à influência que tiveram na criação do seu estado atual. Quanto às primeiras existências, as que se podem considerar como a infância do Espírito, essas se perdem no vago e desaparecem na noite do esquecimento.”

309. Como considera o Espírito o corpo de que vem de separar-se? “Como veste imprestável, que o embaraçava, sentindo-se feliz por estar livre dela.” a) — Que sensação lhe causa o espetáculo do seu corpo em decomposição? “Quase sempre se conserva indiferente a isso, como a uma coisa que em nada o interessa.”

310. Ao cabo de algum tempo, reconhecerá o Espírito os ossos ou outros objetos que lhe tenham pertencido? “Algumas vezes, dependendo do ponto de vista mais ou menos elevado, donde considere as coisas terrenas.”

311. A veneração que se tenha pelos objetos materiais que pertenceram ao Espírito lhe dá prazer e atrai a sua atenção para esses objetos? “É sempre grato ao Espírito que se lembrem dele, e os objetos que lhe pertenceram trazem-no à memória dos que ele no mundo deixou. Mas, o que o atrai é o pensamento destas pessoas e não aqueles objetos.”

312. E a lembrança dos sofrimentos por que passaram na última existência corporal, os Espíritos a conservam?

“Frequentemente assim acontece e essa lembrança lhes faz compreender melhor o valor da felicidade de que podem gozar como Espíritos.”

313. O homem, que neste mundo foi feliz, deplora a felicidade que perdeu, deixando a Terra? “Só os Espíritos inferiores podem sentir saudades de gozos condizentes com uma natureza impura qual a deles, gozos que lhes acarretam a expiação pelo sofrimento. Para os Espíritos elevados, a felicidade eterna é mil vezes preferível aos prazeres efêmeros da Terra.” Exatamente como sucede ao homem que, na idade da madureza, nenhuma importância liga ao que tanto o deliciava na infância.

314. Aquele que deu começo a trabalhos de vulto com um fim útil e, que os vê interrompidos pela morte, lamenta, no outro mundo, tê-los deixado por acabar? “Não, porque vê que outros estão destinados a concluí-los. Trata, ao contrário, de influenciar outros Espíritos humanos, para que os ultimem. Seu objetivo, na Terra, era o bem da Humanidade: o mesmo objetivo continua a ter no mundo dos Espíritos.”

315. E o que deixou trabalhos de arte ou de literatura, conserva pelas suas obras o amor que lhes tinha quando vivo? “De acordo com a sua elevação, aprecia-as de outro ponto de vista e não é raro condene o que maior admiração lhe causava.”

316. No além, o Espírito se interessa pelos trabalhos que se executam na Terra, pelo progresso das artes e das ciências?

“Conforme à sua elevação ou à missão que possa ter que desempenhar. Muitas vezes, o que vos parece magnífico bem pouco é para certos Espíritos, que, então, o admiram, como o sábio admira a obra de um estudante. Atentam apenas no que prove a elevação dos encarnados e seus progressos.”

317. Após a morte, conservam os Espíritos o amor da pátria? “O princípio é sempre o mesmo. Para os Espíritos elevados, a pátria é o Universo. Na Terra, a pátria, para eles, está onde se ache o maior número das pessoas que lhes são simpáticas.” As condições dos Espíritos e as maneiras por que veem as coisas variam ao infinito, de conformidade com os graus de desenvolvimento moral e intelectual em que se achem. Geralmente, os Espíritos de ordem elevada só por breve tempo se aproximam da Terra. Tudo o que aí se faz é tão mesquinho em comparação com as grandezas do infinito, tão pueris são, aos olhos deles, as coisas a que os homens mais importância ligam, que quase nenhum atrativo lhes oferece o nosso mundo, a menos que para aí os leve o propósito de concorrerem para o progresso da Humanidade. Os Espíritos de ordem intermédia são os que mais frequentemente baixam a este planeta, se bem considerem as coisas de um ponto de vista mais alto do que quando encarnados. Os Espíritos vulgares, esses são os que aí mais se comprazem e constituem a massa da população invisível do globo terráqueo. Conservam quase que as mesmas ideias, os mesmos gostos e as mesmas inclinações que tinham quando revestidos do invólucro corpóreo. Metem-se em nossas reuniões, negócios, divertimentos, nos quais tomam parte mais ou menos ativa, segundo seus caracteres. Não podendo satisfazer às suas paixões, gozam na companhia dos que a elas se entregam e os excitam a cultivá-las. Entre eles, no entanto, muitos há, sérios, que veem e observam para se instruí- rem e aperfeiçoarem.

 318. As ideias dos Espíritos se modificam quando na erraticidade? “Muito; sofrem grandes modificações, à proporção que o Espírito se desmaterializa. Pode este, algumas vezes, permanecer longo tempo imbuído das ideias que tinha na Terra; mas, pouco a pouco, a influência da matéria diminui e ele vê as coisas com maior clareza. É então que procura os meios de se tornar melhor.”

319. Já tendo o Espírito vivido a vida espírita antes da sua encarnação, como se explica o seu espanto ao reingressar no mundo dos Espíritos? “Isso só se dá no primeiro momento e é efeito da perturbação que se segue ao despertar do Espírito. Mais tarde, ele se vai inteirando da sua condição, à medida que lhe volta a lembrança do passado e que a impressão da vida terrena se lhe apaga.” (Nos 163 e seguintes.)

COMEMORAÇÃO DOS MORTOS. FUNERAIS

320. Sensibiliza os Espíritos o lembrarem-se deles os que lhes foram caros na Terra? “Muito mais do que podeis supor. Se são felizes, esse fato lhes aumenta a felicidade. Se são desgraçados, serve-lhes de lenitivo.”

321. O dia da comemoração dos mortos é, para os Espíritos, mais solene do que os outros dias? Apraz-lhes ir ao encontro dos que vão orar nos cemitérios sobre seus túmulos?

“Os Espíritos acodem nesse dia ao chamado dos que da Terra lhes dirigem seus pensamentos, como o fazem noutro dia qualquer.” a) — Mas o de finados é, para eles, um dia especial de reunião junto de suas sepulturas? “Nesse dia, em maior número se reúnem nas necrópoles, porque então também é maior, em tais lugares, o das pessoas que os chamam pelo pensamento. Porém, cada Espírito vai lá somente pelos seus amigos e não pela multidão dos indiferentes.” b) — Sob que forma aí comparecem e como os veríamos, se pudessem tornar-se visíveis? “Sob a que tinham quando encarnados.”

322. E os esquecidos, cujos túmulos ninguém vai visitar, também lá, não obstante, comparecem e sentem algum pesar por verem que nenhum amigo se lembra deles? “Que lhes importa a Terra? Só pelo coração nos achamos a ela presos. Desde que aí ninguém mais lhe vota afeição, nada mais prende a esse planeta o Espírito, que tem para si o Universo inteiro.”

323. A visita de uma pessoa a um túmulo causa maior contentamento ao Espírito, cujos despojos corporais aí se encontrem, do que a prece que por ele faça essa pessoa em sua casa? “Aquele que visita um túmulo apenas manifesta, por essa forma, que pensa no Espírito ausente. A visita é a representação exterior de um fato íntimo. Já dissemos que a prece é que santifica o ato da rememoração. Nada importa o lugar, desde que é feita com o coração.”

324. Os Espíritos das pessoas a quem se erigem estátuas ou monumentos assistem à inauguração de umas e outros e experimentam algum prazer nisso? “Muitos comparecem a tais solenidades, quando podem; porém, menos os sensibiliza a homenagem que lhes prestam, do que a lembrança que deles guardam os homens.”

325. Qual a origem do desejo que certas pessoas exprimem de ser enterradas antes num lugar do que noutro? Será que preferirão, depois de mortas, vir a tal lugar? E essa importância dada a uma coisa tão material constitui indício de inferioridade do Espírito? “Afeição particular do Espírito por determinados lugares; inferioridade moral. Que importa este ou aquele canto da Terra a um Espírito elevado? Não sabe ele que sua alma se reunirá às dos que lhe são caros, embora fiquem separados os seus respectivos ossos”? a) — Deve-se considerar futilidade a reunião dos despojos mortais de todos os membros de uma família? “Não; é um costume piedoso e um testemunho de simpatia que dão os que assim procedem aos que lhes foram entes queridos. Conquanto destituída de importância para os Espíritos, essa reunião é útil aos homens: mais concentradas se tornam suas recordações.”

326. Comovem a alma que volta à vida espiritual as honras que lhe prestem aos despojos mortais? “Quando já ascendeu a certo grau de perfeição, o Espírito se acha escoimado de vaidades terrenas e compreende a futilidade de todas essas coisas. Porém, ficai sabendo, há Espíritos que, nos primeiros momentos que se seguem à sua morte material, experimentam grande prazer com as honras que lhes tributam, ou se aborrecem com o pouco caso que façam de seus envoltórios corporais. É que ainda conservam alguns dos preconceitos desse mundo.”

327. O Espírito assiste ao seu enterro? “Frequentemente assiste, mas, algumas vezes, se ainda está perturbado, não percebe o que se passa.” a) — Lisonjeia-o a concorrência de muitas pessoas ao seu enterramento? “Mais ou menos, conforme o sentimento que as anima.”

328. O Espírito daquele que acaba de morrer assiste à reunião de seus herdeiros? “Quase sempre. Para seu ensinamento e castigo dos culpados, Deus permite que assim aconteça. Nessa ocasião, o Espírito julga do valor dos protestos que lhe faziam. Todos os sentimentos se lhe patenteiam e a decepção que lhe causa a rapacidade dos que entre si partilham os bens por ele deixados o esclarece acerca daqueles sentimentos. Chegará, porém, a vez dos que lhe motivam essa decepção.”

329. O instintivo respeito que, em todos os tempos e entre todos os povos, o homem consagrou e consagra aos mortos é efeito da intuição que tem da vida futura? “É a consequência natural dessa intuição. Se assim não fosse, nenhuma razão de ser teria esse respeito.”

CAPÍTULO VII

Da volta do Espírito à vida corporal

 

• Prelúdio da volta

 

• Faculdades morais e intelectuais do homem

• Influência do organismo

• Idiotismo, loucura

• A infância

 • Simpatia e antipatia terrenas

 • Esquecimento do passado

 

PRELÚDIO DA VOLTA

330. Sabem os Espíritos em que época reencarnarão? “Pressentem-na, como sucede ao cego que se aproxima do fogo. Sabem que têm de retomar um corpo, como sabeis que tendes de morrer um dia, mas ignoram quando isso se dará.” (166) a)— Então, a reencarnação é uma necessidade da vida espírita, como a morte o é da vida corporal? “Certamente; assim é.”

331. Todos os Espíritos se preocupam com a sua reencarnação? “Muitos há que em tal coisa não pensam, que nem sequer a compreendem. Depende de estarem mais ou menos adiantados. Para alguns, a incerteza em que se acham do futuro que os aguarda constitui punição.”

332. Pode o Espírito apressar ou retardar o momento da sua reencarnação? “Pode apressá-lo, atraindo-o por um desejo ardente. Pode igualmente distanciá-lo, recuando diante da prova, pois entre os Espíritos também há covardes e indiferentes. Nenhum, porém, assim procede impunemente, visto que sofre por isso, como aquele que recusa o remédio capaz de curá-lo.”

333. Se se considerasse bastante feliz, numa condição mediana entre os Espíritos errantes e, conseguintemente, não ambicionasse elevar-se, poderia um Espírito prolongar indefinidamente esse estado? “Indefinidamente, não. Cedo ou tarde, o Espírito sente a necessidade de progredir. Todos têm que se elevar; esse o destino de todos.”

334. Há predestinação na união da alma com tal ou tal corpo, ou só à última hora é feita a escolha do corpo que ela tomará? “O Espírito é sempre, de antemão, designado. Tendo escolhido a prova a que queira submeter-se, pede para encarnar. Ora, Deus, que tudo sabe e vê, já antecipadamente sabia e vira que tal Espírito se uniria a tal corpo.”

335. Cabe ao Espírito a escolha do corpo em que encarne, ou somente a do gênero de vida que lhe sirva de prova? “Pode também escolher o corpo, porquanto as imperfeições que este apresente ainda serão, para o Espírito, provas que lhe auxiliarão o progresso, se vencer os obstáculos que lhe oponha. Nem sempre, porém, lhe é permitida a escolha do seu invólucro corpóreo; mas, simplesmente, a faculdade de pedir que seja tal ou qual.” a) — Poderia o Espírito recusar, à última hora, tomar o corpo por ele escolhido? “Se recusasse, sofreria muito mais do que aquele que não tentasse prova alguma.”

336. Poderia dar-se não haver Espírito que aceitasse encarnar numa criança que houvesse de nascer? “Deus a isso proveria. Quando uma criança tem que nascer vital, está predestinada sempre a ter uma alma. Nada se cria sem que à criação presida um desígnio.”

337. Pode a união do Espírito a determinado corpo ser imposta por Deus? “Certo, do mesmo modo que as diferentes provas, mormente quando ainda o Espírito não está apto a proceder a uma escolha com conhecimento de causa. Por expiação, pode o Espírito ser constrangido a se unir ao corpo de determinada criança que, pelo seu nascimento e pela posição que venha a ocupar no mundo, se lhe torne instrumento de castigo.”

338. Se acontecesse que muitos Espíritos se apresentassem para tomar determinado corpo destinado a nascer, que é o que decidiria sobre a qual deles pertenceria o corpo? “Muitos podem pedi-lo; mas, em tal caso, Deus é quem julga qual o mais capaz de desempenhar a missão a que a criança se destina. Porém, como já eu disse, o Espírito é designado antes que soe o instante em que haja de unir-se ao corpo.”

339. No momento de encarnar, o Espírito sofre perturbação semelhante à que experimenta ao desencarnar? “Muito maior e, sobretudo, mais longa. Pela morte, o Espírito sai da escravidão; pelo nascimento, entra para ela.”

340. É solene para o Espírito o instante da sua encarnação? Pratica ele esse ato considerando-o grande e importante? “Procede como o viajante que embarca para uma travessia perigosa e que não sabe se encontrará ou não a morte nas ondas que se decide a afrontar.” O viajante que embarca sabe a que perigo se lança, mas não sabe se naufragará. O mesmo se dá com o Espírito: conhece o gênero das provas a que se submete, mas não sabe se sucumbirá. Assim como, para o Espírito, a morte do corpo é uma espécie de renascimento, a reencarnação é uma espécie de morte, ou antes, de exílio, de clausura. Ele deixa o mundo dos Espíritos pelo mundo corporal, como o homem deixa este mundo por aquele. Sabe que reencarnará, como o homem sabe que morrerá. Mas, como este com relação à morte, o Espírito só no instante supremo, quando chegou o momento predestinado, tem consciência de que vai reencarnar. Então, qual do homem em agonia, dele se apodera a perturbação, que se prolonga até que a nova existência se ache positivamente encetada. À aproximação do momento de reencarnar, sente uma espécie de agonia.

341. Na incerteza em que se vê, quanto às eventualidades do seu triunfo nas provas que vai suportar na vida, tem o Espírito uma causa de ansiedade antes da sua encarnação? “De ansiedade bem grande, pois que as provas da sua existência o retardarão ou farão avançar, conforme as suporte.”

342. No momento de reencarnar, o Espírito se acha acompanhado de outros Espíritos seus amigos, que vêm assistir à sua partida do mundo incorpóreo, como vêm recebê-lo quando para lá volta? “Depende da esfera a que pertença. Se já está nas em que reina a afeição, os Espíritos que lhe querem o acompanham até ao último momento, animam e mesmo lhe seguem, muitas vezes, os passos pela vida em fora.”

343. Os que vemos, em sonho, que nos testemunham afeto e que se nos apresentam com desconhecidos semblantes, são alguma vez os Espíritos amigos que nos seguem os passos na vida? “Muito frequentemente são eles que vos vêm visitar, como ides visitar um encarcerado.”

UNIÃO DA ALMA E DO CORPO

344. Em que momento a alma se une ao corpo? “A união começa na concepção, mas só é completa por ocasião do nascimento. Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar certo corpo a este se liga por um laço fluídico, que cada vez mais se vai apertando até ao instante em que a criança vê a luz. O grito, que o recém-nascido solta, anuncia que ela se conta no número dos vivos e dos servos de Deus.”

345. É definitiva a união do Espírito com o corpo desde o momento da concepção? Durante esta primeira fase, poderia o Espírito renunciar a habitar o corpo que lhe está destinado? “É definitiva a união, no sentido de que outro Espírito não poderia substituir o que está designado para aquele corpo. Mas, como os laços que ao corpo o prendem são ainda muito fracos, facilmente se rompem e podem romper-se por vontade do Espírito, se este recua diante da prova que escolheu. Em tal caso, porém, a criança não vinga.”

346. Que faz o Espírito, se o corpo que ele escolheu morre antes de se verificar o nascimento? “Escolhe outro.” a) — Qual a utilidade dessas mortes prematuras? “Dão-lhes causa, as mais das vezes, as imperfeições da matéria.”

347. Que utilidade encontrará um Espírito na sua encarnação em um corpo que morre poucos dias depois de nascido? “O ser não tem então consciência plena da sua existência. Assim, a importância da morte é quase nenhuma. Conforme já dissemos, o que há nesses casos de morte prematura é uma prova para os pais.”

348. Sabe o Espírito, previamente, que o corpo de sua escolha não tem probabilidade de viver? “Sabe-o algumas vezes; mas, se nessa circunstância reside o motivo da escolha, isso significa que está fugindo à prova.”

349. Quando falha por qualquer causa a encarnação de um Espírito, é ela suprida imediatamente por outra existência? “Nem sempre o é imediatamente. Faz-se mister dar ao Espírito tempo para proceder a nova escolha, a menos que a reencarnação imediata corresponda a anterior determinação.”

350. Uma vez unido ao corpo da criança e quando já lhe não é possível voltar atrás, sucede alguma vez deplorar o Espírito a escolha que fez? “Perguntas se, como homem, se queixa da vida que tem? Se desejara que outra fosse ela? Sim. Se se arrepende da escolha que fez? Não, pois não sabe ter sido sua a escolha. Depois de encarnado, não pode o Espírito lastimar uma escolha de que não tem consciência. Pode, entretanto, achar pesada demais a carga e considerá-la superior às suas forças. É quando isso acontece que recorre ao suicídio.”

351. No intervalo que medeia da concepção ao nascimento, goza o Espírito de todas as suas faculdades? “Mais ou menos, conforme o ponto, em que se ache, dessa fase, porquanto ainda não está encarnado, mas apenas ligado. A partir do instante da concepção, começa o Espírito a ser tomado de perturbação, que o adverte de que lhe soou o momento de começar nova existência corpórea. Essa perturbação cresce de contínuo até ao nascimento. Nesse intervalo, seu estado é quase idêntico ao de um Espírito encarnado durante o sono. À medida que a hora do nascimento se aproxima, suas ideias se apagam, assim como a lembrança do passado, do qual deixa de ter consciência na condição de homem, logo que entra na vida. Essa lembrança, porém, lhe volta pouco a pouco ao retornar ao estado de Espírito.”

352. Imediatamente ao nascer recobra o Espírito a plenitude das suas faculdades? “Não, elas se desenvolvem gradualmente com os órgãos. O Espírito se acha numa existência nova; preciso é que aprenda a servir-se dos instrumentos de que dispõe. As ideias lhe voltam pouco a pouco, como a uma pessoa que desperta e se vê em situação diversa da que ocupava na véspera.”

353. Não sendo completa a união do Espírito ao corpo, não estando definitivamente consumada, senão depois do nascimento, poder-se-á considerar o feto como dotado de alma? “O Espírito que o vai animar existe, de certo modo, fora dele. O feto não tem pois, propriamente falando, uma alma, visto que a encarnação está apenas em via de operar-se. Achasse, entretanto, ligado à alma que virá a possuir.”

354. Como se explica a vida intrauterina? “É a da planta que vegeta. A criança vive vida animal. O homem tem a vida vegetal e a vida animal que, pelo seu nascimento, se completam com a vida espiritual.”

355. Há, de fato, como o indica a Ciência, crianças que já no seio materno não são vitais? Com que fim ocorre isso? “Frequentemente isso se dá e Deus o permite como prova, quer para os pais do nascituro, quer para o Espírito designado a tomar lugar entre os vivos.”

356. Entre os natimortos alguns haverá que não tenham sido destinados à encarnação de Espíritos? “Alguns há, efetivamente, a cujos corpos nunca nenhum Espírito esteve destinado. Nada tinha que se efetuar para eles. Tais crianças então só vêm por seus pais.” a) — Pode chegar a termo de nascimento um ser dessa natureza? “Algumas vezes; mas não vive.” b) — Segue-se daí que toda criança que vive após o nascimento tem forçosamente encarnado em si um Espírito? “Que seria ela, sé assim não acontecesse? Não seria um ser humano.”

357. Que consequências tem para o Espírito o aborto? “É uma existência nulificada e que ele terá de recomeçar.”

358. Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação? “Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por isso que impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando.”

359. Dado o caso que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe dela, haverá crime em sacrificar- -se a primeira para salvar a segunda? “Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe.”

360. Será racional ter-se para com um feto as mesmas atenções que se dispensam ao corpo de uma criança que viveu algum tempo? “Vede em tudo isso a vontade e a obra de Deus. Não trateis, pois, desatenciosamente, coisas que deveis respeitar. Por que não respeitar as obras da criação, algumas vezes incompletas por vontade do Criador? Tudo ocorre segundo os seus desígnios e ninguém é chamado para ser seu juiz.”

FACULDADES MORAIS E INTELECTUAIS DO HOMEM

361. Qual a origem das qualidades morais, boas ou más, do homem? “São as do Espírito nele encarnado. Quanto mais puro é esse Espírito, tanto mais propenso ao bem é o homem.” a) — Seguir-se-á daí que o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito e o homem vicioso a de um Espírito mau? “Sim, mas, dize antes que o homem vicioso é a encarnação de um Espírito imperfeito, pois, do contrário, poderias fazer crer na existência de Espíritos sempre maus, a que chamais demônios.”

362. Qual o caráter dos indivíduos em que encarnam Espíritos desassisados e levianos? “São indivíduos estúrdios, maliciosos e, não raro, criaturas malfazejas.”

363. Têm os Espíritos paixões de que não partilhe a Humanidade? “Não, que, de outro modo, vo-las teriam comunicado.”

364. O mesmo Espírito dá ao homem as qualidades morais e as da inteligência? “Certamente e isso em virtude do grau de adiantamento a que se haja elevado. O homem não tem em si dois Espíritos.”

365. Por que é que alguns homens muito inteligentes, o que indica acharem-se encarnados neles Espíritos superiores são ao mesmo tempo, profundamente viciosos? “É que não são ainda bastante puros os Espíritos encarnados nesses homens, que, então, e por isso, cedem à influência de outros Espíritos mais imperfeitos. O Espírito progride em insensível marcha ascendente, mas o progresso não se efetua simultaneamente em todos os sentidos. Durante um período da sua existência, ele se adianta em ciência; durante outro, em moralidade.”

366. Que se deve pensar da opinião dos que pretendem que as diferentes faculdades intelectuais e morais do homem resultam da encarnação, nele, de outros tantos Espíritos, diferentes entre si, cada um com uma aptidão especial? “Refletindo, reconhecereis que é absurda. O Espírito tem que ter todas as aptidões. Para progredir, precisa de uma vontade única. Se o homem fosse um amálgama de Espíritos, essa vontade não existiria e ele careceria de individualidade, pois que, por sua morte, todos aqueles Espíritos formariam um bando de pássaros escapados da gaiola. Queixa-se, amiúde, o homem de não compreender certas coisas e, no entanto, curioso é ver-se como multiplica as dificuldades, quando tem ao seu alcance explicações muito simples e naturais. Ainda neste caso tomam o efeito pela causa. Fazem, com relação à criatura humana, o que, com relação a Deus, faziam os pagãos, que acreditavam em tantos deuses quantos eram os fenômenos no Universo, se bem que as pessoas sensatas, com eles coexistentes, apenas viam em tais fenômenos efeitos provindos de uma causa única – Deus.” O mundo físico e o mundo moral nos oferecem, a este respeito, vários pontos de semelhança. Enquanto se detiveram na aparência dos fenômenos, os cientistas acreditaram fosse múltipla a matéria. Hoje, compreende-se ser bem possível que tão variados fenômenos consistam apenas em modificações da matéria elementar única. As diversas faculdades são manifestações de uma mesma causa, que é a alma, ou do Espírito encarnado, e não de muitas almas, exatamente como os diferentes sons do órgão, os quais procedem todos do ar e não de tantas espécies de ar, quantos os sons. De semelhante sistema decorreria que, quando um homem perde ou adquire certas aptidões, certos pendores, isso significaria que outros tantos Espíritos teriam vindo habitá-lo ou o teriam deixado, o que o tornaria um ser múltiplo, sem individualidade e, conseguintemente, sem responsabilidade. Acresce que o contradizem numerosíssimos exemplos de manifestações de Espíritos, em que estes provam suas personalidades e identidade.

INFLUÊNCIA DO ORGANISMO

367. Unindo-se ao corpo, o Espírito se identifica com a matéria? “A matéria é apenas o envoltório do Espírito, como o vestuário o é do corpo. Unindo-se a este, o Espírito conserva os atributos da natureza espiritual.”

368. Após sua união com o corpo, exerce o Espírito, com liberdade plena, suas faculdades? “O exercício das faculdades depende dos órgãos que lhes servem de instrumento. A grosseria da matéria as enfraquece.” a) — Assim, o invólucro material é obstáculo à livre manifestação das faculdades do Espírito, como um vidro opaco o é à livre irradiação da luz? “É, como vidro muito opaco.” Pode-se comparar a ação que a matéria grosseira exerce sobre o Espírito à de um charco lodoso sobre um corpo nele mergulhado, ao qual tira a liberdade dos movimentos.

369. O livre exercício das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos? “Os órgãos são os instrumentos da manifestação das faculdades da alma, manifestação que se acha subordinada ao desenvolvimento e ao grau de perfeição dos órgãos, como a excelência de um trabalho o está à da ferramenta própria à sua execução.”

370. Da influência dos órgãos se pode inferir a existência de uma relação entre o desenvolvimento dos do cérebro e o das faculdades morais e intelectuais? “Não confundais o efeito com a causa. O Espírito dispõe sempre das faculdades que lhe são próprias. Ora, não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.” a) — Dever-se-á deduzir daí que a diversidade das aptidões entre os homens deriva unicamente do estado do Espírito? “O termo — unicamente — não exprime com toda a exatidão o que ocorre. O princípio dessa diversidade reside nas qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos adiantado. Cumpre, porém, se leve em conta a influência da matéria, que mais ou menos lhe cerceia o exercício de suas faculdades.” Encarnando, traz o Espírito certas predisposições e, se se admitir que a cada uma corresponda no cérebro um órgão, o desenvolvimento desses órgãos será efeito e não causa. Se nos órgãos estivesse o princípio das faculdades, o homem seria máquina sem livre-arbítrio e sem a responsabilidade de seus atos. Forçoso então fora admitir-se que os maiores gênios, os sábios, os poetas, os artistas, só o são porque o acaso lhes deu órgãos especiais, donde se seguiria que, sem esses órgãos, não teriam sido gênios e que, assim, o maior dos imbecis houvera podido ser um Newton, um Vergílio, ou um Rafael, desde que de certos órgãos se achassem providos. Ainda mais absurda se mostra semelhante hipótese, se a aplicarmos às qualidades morais. Efetivamente, segundo esse sistema, um Vicente de Paulo, se a Natureza o dotara de tal ou tal órgão, teria podido ser um celerado e o maior dos celerados não precisaria senão de um certo órgão para ser um Vicente de Paulo. Admita-se, ao contrário, que os órgãos especiais, dado existam, são consequentes, que se desenvolvem por efeito do exercício da faculdade, como os músculos por efeito do movimento, e a nenhuma conclusão irracional se chegará. Sirvamo-nos de uma comparação, trivial à força de ser verdadeira. Por alguns sinais fisionômicos se reconhece que um homem tem o vício da embriaguez. Serão esses sinais que fazem dele um ébrio, ou será a ebriedade que nele imprime aqueles sinais? Pode dizer-se que os órgãos recebem o cunho das faculdades.

TISMIDIOO, LOUCARA

371. Tem algum fundamento o pretender-se que a alma dos cretinos e dos idiotas é de natureza inferior? “Nenhum. Eles trazem almas humanas, não raro mais inteligentes do que supondes, mas que sofrem da insuficiência dos meios de que dispõem para se comunicar, da mesma forma que o mudo sofre da impossibilidade de falar.”

372. Que objetivo visa a Providência criando seres desgraçados, como os cretinos e os idiotas? “Os que habitam corpos de idiotas são Espíritos sujeitos a uma punição. Sofrem por efeito do constrangimento que experimentam e da impossibilidade em que estão de se manifestarem mediante órgãos não desenvolvidos ou desmantelados.” a) — Não há, pois, fundamento para dizer-se que os órgãos nada influem sobre as faculdades? “Nunca dissemos que os órgãos não têm influência. Têm-na muito grande sobre a manifestação das faculdades, mas não são eles a origem destas. Aqui está a diferença. Um músico excelente, com um instrumento defeituoso, não dará a ouvir boa música, o que não fará que deixe de ser bom músico.”

Importa se distinga o estado normal do estado patológico. No primeiro, o moral vence os obstáculos que a matéria lhe opõe. Há, porém, casos em que a matéria oferece tal resistência que as manifestações anímicas ficam obstadas ou desnaturadas, como nos de idiotismo e de loucura. São casos patológicos e, não gozando nesse estado a alma de toda a sua liberdade, a própria lei humana a isenta da responsabilidade de seus atos.

373. Qual será o mérito da existência de seres que, como os cretinos e os idiotas, não podendo fazer o bem nem o mal, se acham incapacitados de progredir? “É uma expiação decorrente do abuso que fizeram de certas faculdades. É um estacionamento temporário.” a) — Pode assim o corpo de um idiota conter um Espírito que tenha animado um homem de gênio em precedente existência? “Certo. O gênio se torna por vezes um flagelo, quando dele abusa o homem.” A superioridade moral nem sempre guarda proporção com a superioridade intelectual e os grandes gênios podem ter muito que expiar. Daí, frequentemente, lhes resulta uma existência inferior à que tiveram e uma causa de sofrimentos. Os embaraços que o Espírito encontra para suas manifestações se lhe assemelham às algemas que tolhem os movimentos a um homem vigoroso. Pode dizer-se que os cretinos e os idiotas são estropiados do cérebro, como o coxo o é das pernas e dos olhos o cego.

374. Na condição de Espírito livre, tem o idiota consciência do seu estado mental? “Frequentemente tem. Compreende que as cadeias que lhe obstam ao voo são prova e expiação.”

375. Qual, na loucura, a situação do Espírito?  “O Espírito, quando em liberdade, recebe diretamente suas impressões e diretamente exerce sua ação sobre a matéria. Encarnado, porém, ele se encontra em condições muito diversas e na contingência de só o fazer com o auxílio de órgãos especiais. Altere-se uma parte ou o conjunto de tais órgãos e eis que se lhe interrompem, no que destes dependam, a ação ou as impressões. Se perde os olhos, fica cego; se o ouvido, torna-se surdo, etc. Imagina agora que seja o órgão, que preside às manifestações da inteligência, o atacado ou modificado, parcial ou inteiramente, e fácil te será compreender que, só tendo o Espírito a seu serviço órgãos incompletos ou alterados, uma perturbação resultará de que ele, por si mesmo e no seu foro íntimo, tem perfeita consciência, mas cujo curso não lhe está nas mãos deter”. a) — Então, o desorganizado é sempre o corpo e não o Espírito? “Exatamente; mas, convém não perder de vista que, assim como o Espírito atua sobre a matéria, também esta reage sobre ele, dentro de certos limites, e que pode acontecer impressionar-se o Espírito temporariamente com a alteração dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe as impressões. Pode mesmo suceder que, com a continuação, durando longo tempo a loucura, a repetição dos mesmos atos acabe por exercer sobre o Espírito uma influência, de que ele não se libertará senão depois de se haver libertado de toda impressão material.”

376. Por que razão a loucura leva o homem algumas vezes ao suicídio? “O Espírito sofre pelo constrangimento em que se acha e pela impossibilidade em que se vê de manifestar-se livremente, donde o procurar na morte um meio de quebrar seus grilhões.”

377. Depois da morte, o Espírito do alienado se ressente do desarranjo de suas faculdades? “Pode ressentir-se, durante algum tempo após a morte, até que se desligue completamente da matéria, como o homem que desperta se ressente, por algum tempo, da perturbação em que o lançara o sono.”

378. De que modo a alteração do cérebro reage sobre o Espírito depois da morte? “Como uma recordação. Um peso oprime o Espírito e, como ele não teve a compreensão de tudo o que se passou durante a sua loucura, sempre se faz mister um certo tempo, a fim de se pôr ao corrente de tudo. Por isso é que, quanto mais durar a loucura no curso da vida terrena, tanto mais lhe durará a incerteza, o constrangimento, depois da morte. Liberto do corpo, o Espírito se ressente, por certo tempo, da impressão dos laços que àquele o prendiam.”

A INFÂNCIA

379. É tão desenvolvido, quanto o de um adulto, o Espírito que anima o corpo de uma criança? “Pode até ser mais, se mais progrediu. Apenas a imperfeição dos órgãos infantis o impede de se manifestar. Obra de conformidade com o instrumento de que dispõe.”

380. Abstraindo do obstáculo que a imperfeição dos órgãos opõe à sua livre manifestação, o Espírito, numa criancinha, pensa como criança ou como adulto? “Desde que se trate de uma criança, é claro que, não estando ainda nela desenvolvidos, não podem os órgãos da inteligência dar toda a intuição própria de um adulto ao Espírito que a anima. Este, pois, tem, efetivamente, limitada a inteligência, enquanto a idade lhe não amadurece a razão. A perturbação que o ato da encarnação produz no Espírito não cessa de súbito, por ocasião do nascimento. Só gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos órgãos.” Há um fato de observação, que apoia esta resposta. Os sonhos, numa criança, não apresentam o caráter dos de um adulto. Quase sempre pueril é o objeto dos sonhos infantis, o que indica de que natureza são a s preocupações do respectivo Espírito.

381. Por morte da criança, readquire o Espírito, imediatamente, o seu precedente vigor? “Assim tem que ser, pois que se vê desembaraçado de seu invólucro corporal. Entretanto, não readquire a anterior lucidez, senão quando se tenha completamente separado daquele envoltório, isto é, quando mais nenhum laço exista entre ele e o corpo.”

382. Durante a infância sofre o Espírito encarnado, em consequência do constrangimento que a imperfeição dos órgãos lhe impõe? “Não. Esse estado corresponde a uma necessidade, está na ordem da natureza e de acordo com as vistas da Providência. É um período de repouso do Espírito.”

383. Qual, para este, a utilidade de passar pelo estado de infância? “Encarnando, com o objetivo de se aperfeiçoar, o Espírito, durante esse período, é mais acessível às impressões que recebe, capazes de lhe auxiliarem o adiantamento, para o que devem contribuir os incumbidos de educá-lo.”

384. Por que é o choro a primeira manifestação da criança ao nascer? “Para estimular o interesse da genitora e provocar os cuidados de que há mister. Não é evidente que se suas manifestações fossem todas de alegria, quando ainda não sabe falar, pouco se inquietariam os que o cercam com os cuidados que lhe são indispensáveis? Admirai, pois, em tudo a sabedoria da Providência.”

385. Que é o que motiva a mudança que se opera no caráter do indivíduo em certa idade, especialmente ao sair da adolescência? É que o Espírito se modifica? “É que o Espírito retoma a natureza que lhe é própria e se mostra qual era. Não conheceis o que a inocência das crianças oculta. Não sabeis o que elas são, nem o que o foram, nem o que serão. Contudo, afeição lhes tendes, as acariciais, como se fossem parcelas de vós mesmos, a tal ponto que se considera o amor que uma mãe consagra a seus filhos como o maior amor que um ser possa votar a outro. Donde nasce o meigo afeto, a terna benevolência que mesmo os estranhos sentem por uma criança? Sabeis? Não. Pois bem! Vou explicá-lo. As crianças são os seres que Deus manda a novas existências. Para que não lhe possam imputar excessiva severidade, dá-lhes ele todos os aspectos da inocência. Ainda quando se trata de uma criança de maus pendores, cobrem-se-lhe as más ações com a capa da inconsciência. Essa inocência não constitui superioridade real com relação ao que eram antes, não. É a imagem do que deveriam ser e, se não o são, o consequente castigo exclusivamente sobre elas recai. Não foi, todavia, por elas somente que Deus lhes deu esse aspecto de inocência; foi também e sobretudo por seus pais, de cujo amor necessita a fraqueza que as caracteriza. Ora, esse amor se enfraqueceria grandemente à vista de um caráter áspero e intratável, ao passo que, julgando seus filhos bons e dóceis, os pais lhes dedicam toda a afeição e os cercam dos mais minuciosos cuidados. Desde que, porém, os filhos não mais precisam da proteção e assistência que lhes foram dispensadas durante quinze ou vinte anos, surge-lhes o caráter real e individual em toda a nudez. Conservam-se bons, se eram fundamentalmente bons; mas, sempre irisados de matizes que a primeira infância manteve ocultos. Como vedes, os processos de Deus são sempre os melhores e, quando se tem o coração puro, facilmente se lhes apreende a explicação. Com efeito, ponderai que nos vossos lares possivelmente nascem crianças cujos Espíritos vêm de mundos onde contraíram hábitos diferentes dos vossos e dizei-me como poderiam estar no vosso meio esses seres, trazendo paixões diversas das que nutris, inclinações, gostos, inteiramente opostos aos vossos; como poderiam enfileirar-se entre vós, senão como Deus o determinou, isto é, passando pelo tamis da infância? Nesta se vêm confundir todas as idéias, todos os caracteres, todas as variedades de seres gerados pela infinidade dos mundos em que medram as criaturas. E vós mesmos, ao morrerdes, vos achareis num estado que é uma espécie de infância, entre novos irmãos. Ao volverdes à existência extraterrena, ignorareis os hábitos, os costumes, as relações que se observam nesse mundo, para vós, novo. Manejareis com dificuldade uma linguagem que não estais acostumado a falar, linguagem mais vivaz do que o é agora o vosso pensamento. (319) A infância ainda tem outra utilidade. Os Espíritos só entram na vida corporal para se aperfeiçoarem, para se melhorarem. A delicadeza da idade infantil os torna brandos, acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devam fazê-los progredir. Nessa fase é que se lhes pode reformar os caracteres e reprimir os maus pendores. Tal o dever que Deus impôs aos pais, missão sagrada de que terão de dar contas. Assim, portanto, a infância é não só útil, necessária, indispensável, mas também consequência natural das leis que Deus estabeleceu e que regem o Universo.”

SIMPATIA E ANTIPATIA TERRENAS

386. Podem dois seres, que se conheceram e estimaram, encontrar-se noutra existência corporal e reconhecer-se? “Reconhecer-se, não. Podem, porém, sentir-se atraí- dos um para o outro. E, frequentemente, diversa não é a causa de íntimas ligações fundadas em sincera afeição. Um do outro dois seres se aproximam devido a circunstâncias aparentemente fortuitas, mas que na realidade resultam da atração de dois Espíritos, que se buscam reciprocamente por entre a multidão”. a) — Não lhes seria mais agradável reconhecerem-se? “Nem sempre. A recordação das passadas existências teria inconvenientes maiores do que imaginais. Depois de mortos, reconhecer-se-ão e saberão que tempo passaram juntos.” (392)

387. A simpatia tem sempre por princípio um anterior conhecimento? “Não. Dois Espíritos, que se ligam bem, naturalmente se procuram um ao outro, sem que se tenham conhecido como homens.”

388. Os encontros, que costumam dar-se, de algumas pessoas e que comumente se atribuem ao acaso, não serão efeito de uma certa relação de simpatia? “Entre os seres pensantes há ligação que ainda não conheceis. O magnetismo é o piloto desta ciência, que mais tarde compreendereis melhor.”

389. E a repulsão instintiva que se experimenta por algumas pessoas, donde se origina? “São Espíritos antipáticos que se adivinham e reconhecem, sem se falarem.”

390. A antipatia instintiva é sempre sinal de natureza má? “De não simpatizarem um com o outro, não se segue que dois Espíritos sejam necessariamente maus. A antipatia, entre eles, pode derivar de diversidade no modo de pensar. À proporção, porém, que se forem elevando, essa divergência irá desaparecendo e a antipatia deixará de existir.”

91. A antipatia entre duas pessoas nasce primeiro na que tem pior Espírito, ou na que o tem melhor? “Numa e noutra indiferentemente, mas distintas são as causas e os efeitos nas duas. Um Espírito mau antipatiza com quem quer que o possa julgar e desmascarar. Ao ver pela primeira vez uma pessoa, logo sabe que vai ser censurado. Seu afastamento dessa pessoa se transforma em ódio, em inveja e lhe inspira o desejo de praticar o mal. O bom Espírito sente repulsão pelo mau, por saber que este o não compreenderá e porque díspares dos dele são os seus sentimentos. Entretanto, consciente da sua superioridade, não alimenta ódio, nem inveja contra o outro. Limita-se a evitá-lo e a lastimá-lo.”

ESQUECIMENTO DO PASSADO

392. Por que perde o Espírito encarnado a lembrança do seu passado? “Não pode o homem, nem deve, saber tudo. Deus assim o quer em sua sabedoria. Sem o véu que lhe oculta certas coisas, ficaria ofuscado, como quem, sem transição, saísse do escuro para o claro. Esquecido de seu passado ele é mais senhor de si.”

393. Como pode o homem ser responsável por atos e resgatar faltas de que se não lembra? Como pode aproveitar da experiência de vidas de que se esqueceu? Concebe-se que as tribulações da existência lhe servissem de lição, se se recordasse do que as tenha podido ocasionar. Desde que, porém, disso não se recorda, cada existência é, para ele, como se fosse a primeira e eis que então está sempre a recomeçar. Como conciliar isto com a justiça de Deus? “Em cada nova existência, o homem dispõe de mais inteligência e melhor pode distinguir o bem do mal. Onde o seu mérito se se lembrasse de todo o passado? Quando o Espírito volta à vida anterior (a vida espírita), diante dos olhos se lhe estende toda a sua vida pretérita. Vê as faltas que cometeu e que deram causa ao seu sofrer, assim como de que modo as teria evitado. Reconhece justa a situação em que se acha e busca então uma existência capaz de reparar a que vem de transcorrer. Escolhe provas análogas às de que não soube aproveitar, ou as lutas que considere apropriadas ao seu adiantamento e pede a Espíritos que lhe são superiores que o ajudem na nova empresa que sobre si toma, ciente de que o Espírito, que lhe for dado por guia nessa outra existência, se esforçará pelo levar a reparar suas faltas, dando-lhe uma espécie de intuição das em que incorreu. Tendes essa intuição no pensamento, no desejo criminoso que frequentemente vos assalta e a que instintivamente resistis, atribuindo, as mais das vezes, essa resistência aos princípios que recebestes de vossos pais, quando é a voz da consciência que vos fala. Essa voz, que é a lembrança do passado, vos adverte para não recairdes nas faltas de que já vos fizestes culpados. Em a nova existência, se sofre com coragem aquelas provas e resiste, o Espírito se eleva e ascende na hierarquia dos Espíritos, ao voltar para o meio deles.” Não temos, é certo, durante a vida corpórea, lembrança exata do que fomos e do que fizemos em anteriores existências; mas temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do passado. E a nossa consciência, que é o desejo que experimentamos de não reincidir nas faltas já cometidas, nos concita à resistência àqueles pendores.

394. Nos mundos mais elevados do que a Terra, onde os que os habitam não se veem premidos pelas necessidades físicas, pelas enfermidades que nos afligem, os homens compreendem que são mais felizes do que nós? Relativa é, em geral, a felicidade. Sentimo-la, mediante comparação com um estado menos ditoso. Visto que, em suma, alguns desses mundos, se bem melhores do que o nosso, ainda não atingiram o estado de perfeição, seus habitantes devem ter motivos de desgostos, embora de gênero diverso dos nossos. Entre nós, o rico, conquanto não sofra as angústias das necessidades materiais, como o pobre, nem por isso se acha isento de tribulações, que lhe tornam amarga a vida. Pergunto então: Na situação em que se encontram, os habitantes desses mundos não se consideram tão infelizes quanto nós, na em que nos vemos, e não se lastimam da sorte, olvidados de existências inferiores que lhes sirvam de termos de comparação? “Cabem aqui duas respostas distintas. Há mundos, entre os de que falas, cujos habitantes guardam lembrança clara e exata de suas existências passadas. Esses, compreendes, podem e sabem apreciar a felicidade de que Deus lhes permite fruir. Outros há, porém, cujos habitantes, achando-se, como dizes, em melhores condições do que vós na Terra, não deixam de experimentar grandes desgostos, até desgraças. Esses não apreciam a felicidade de que gozam, pela razão mesma de se não recordarem de um estado mais infeliz. Entretanto, se não a apreciam como homens, apreciam-na como Espíritos.” No esquecimento das existências anteriormente transcorridas, sobretudo quando foram amarguradas, não há qualquer coisa de providencial e que revela a sabedoria divina? Nos mundos superiores, quando o recordá-las já não constitui pesadelo, é que as vidas desgraçadas se apresentam à memória. Nos mundos inferiores, a lembrança de todas as que se tenham sofrido não agravaria as infelicidades presentes? Concluamos, pois, daí que tudo o que Deus fez é perfeito e que não nos toca criticar-lhe as obras, nem lhe ensinar como deveria ter regulado o Universo. Gravíssimos inconvenientes teria o nos lembrarmos das nossas individualidades anteriores. Em certos casos, humilhar-nos-ia sobremaneira. Em outros nos exaltaria o orgulho, peando-nos, em consequência, o livre-arbítrio. Para nos melhorarmos, dá-nos Deus exatamente o que nos é necessário e basta: a voz da consciência e os pendores instintivos. Priva-nos do que nos prejudicaria. Acrescentemos que, se nos recordássemos dos nossos precedentes atos pessoais, igualmente nos recordaríamos dos outros homens, do que resultariam talvez os mais desastrosos efeitos para as relações sociais. Nem sempre podendo honrar-nos do nosso passado, melhor é que sobre ele um véu seja lançado. Isto concorda perfeitamente com a doutrina dos Espíritos acerca dos mundos superiores à Terra. Nesses mundos, onde só reina o bem, a reminiscência do passado nada tem de dolorosa. Tal a razão por que neles as criaturas se lembram da sua antecedente existência, como nos lembramos do que fizemos na véspera. Quanto à estada em mundos inferiores, não passa então, como já dissemos, de mau sonho.

395. Podemos ter algumas revelações a respeito de nossas vidas anteriores? “Nem sempre. Contudo, muitos sabem o que foram e o que faziam. Se se lhes permitisse dizê-lo abertamente, extraordinárias revelações fariam sobre o passado.”

396. Algumas pessoas julgam ter vaga recordação de um passado desconhecido, que se lhes apresenta como a imagem fugitiva de um sonho, que em vão se tenta reter. Não há nisso simples ilusão? “Algumas vezes, é uma impressão real; mas também, frequentemente, não passa de mera ilusão, contra a qual precisa o homem pôr-se em guarda, porquanto pode ser efeito de superexcitada imaginação.”

397. Nas existências corpóreas de natureza mais elevada do que a nossa, é mais clara a lembrança das anteriores? “Sim, à medida que o corpo se torna menos material, com mais exatidão o homem se lembra do seu passado. Esta lembrança, os que habitam os mundos de ordem superior a têm mais nítida.”

398. Sendo os pendores instintivos uma reminiscência do seu passado, dar-se-á que, pelo estudo desses pendores, seja possível ao homem conhecer as faltas que cometeu? “Até certo ponto, assim é. Preciso se torna, porém, levar em conta a melhora que se possa ter operado no Espírito e as resoluções que ele haja tomado na erraticidade. Pode suceder que a existência atual seja muito melhor que a precedente.”

a) — Poderá também ser pior, isto é, poderá o Espírito cometer, numa existência, faltas que não praticou em a precedente? “Depende do seu adiantamento. Se não souber triunfar das provas, possivelmente será arrastado a novas faltas, consequentes, então, da posição que escolheu. Mas, em geral, estas faltas denotam mais um estacionamento que uma retrogradação, porquanto o Espírito é suscetível de se adiantar ou de parar, nunca, porém, de retroceder.”

399. Sendo as vicissitudes da vida corporal expiação das faltas do passado e, ao mesmo tempo, provas com vistas ao futuro, seguir-se-á que da natureza de tais vicissitudes se possa deduzir de que gênero foi a existência anterior? “Muito amiúde é isso possível, pois que cada um é punido naquilo por onde pecou. Entretanto, não há que tirar daí uma regra absoluta. As tendências instintivas constituem indício mais seguro, visto que as provas por que passa o Espírito o são, tanto pelo que respeita ao passado, quanto pelo que toca ao futuro.” Chegado ao termo que a Providência lhe assinou à vida na erraticidade, o próprio Espírito escolhe as provas a que deseja submeter-se para apressar o seu adiantamento, isto é, escolhe meios de adiantar-se e tais provas estão sempre em relação com as faltas que lhe cumpre expiar. Se delas triunfa, eleva-se; se sucumbe, tem que recomeçar. O Espírito goza sempre do livre-arbítrio. Em virtude dessa liberdade é que escolhe, quando desencarnado, as provas da vida corporal e que, quando encarnado, decide fazer ou não uma coisa e procede à escolha entre o bem e o mal. Negar ao homem o livre- -arbítrio fora reduzi-lo à condição de máquina.´

Mergulhado na vida corpórea, perde o Espírito, momentaneamente, a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as cobrisse. Todavia, conserva algumas vezes vaga consciência dessas vidas, que, mesmo em certas circunstâncias, lhe podem ser reveladas. Esta revelação, porém, só os Espíritos superiores espontaneamente lha fazem, com um fim útil, nunca para satisfazer a vã curiosidade. As existências futuras, essas em nenhum caso podem ser reveladas, pela razão de que dependem do modo por que o Espírito se sairá da existência atual e da escolha que ulteriormente faça. O esquecimento das faltas praticadas não constitui obstáculo à melhoria do Espírito, porquanto, se é certo que este não se lembra delas com precisão, não menos certo é que a circunstância de as ter conhecido na erraticidade e de haver desejado repará-las o guia por intuição e lhe dá a idéia de resistir ao mal, idéia que é a voz da consciência, tendo a secundá-la os Espíritos superiores que o assistem, se atende às boas inspirações que lhe dão. O homem não conhece os atos que praticou em suas existências pretéritas, mas pode sempre saber qual o gênero das faltas de que se tornou culpado e qual o cunho predominante do seu caráter. Bastará então julgar do que foi, não pelo que é, sim, pelas suas tendências. As vicissitudes da vida corpórea constituem expiação das faltas do passado e, simultaneamente, provas com relação ao futuro. Depuram-nos e elevam-nos, se as suportamos resignados e sem murmurar. A natureza dessas vicissitudes e das provas que sofremos também nos podem esclarecer acerca do que fomos e do que fizemos, do mesmo modo que neste mundo julgamos dos atos de um culpado pelo castigo que lhe inflige a lei. Assim, o orgulhoso será castigado no seu orgulho, mediante a humilhação de uma existência subalterna; o mau rico, o avarento, pela miséria; o que foi cruel para os outros, pelas crueldades que sofrerá; o tirano, pela escravidão; o mau filho, pela ingratidão de seus filhos; o preguiçoso, por um trabalho forçado, etc.

 

CAPÍTULO VIII

 

Da emancipação da alma

 

• O sono e os sonhos 

• Visitas espíritas entre pessoas vivas 

Transmissão oculta do pensamento 

• Letargia, catalepsia, mortes aparentes

• Sonambulismo

• Êxtase 

• Dupla vista 

• Resumo teórico do sonambulismo, do êxtase e da dupla vista 

 

O SONO E OS SONHOS 

 

400. O Espírito encarnado permanece de bom grado no seu envoltório corporal? “É como se perguntasses se ao encarcerado agrada o cárcere. O Espírito encarnado aspira constantemente à sua libertação e tanto mais deseja ver-se livre do seu invólucro, quanto mais grosseiro é este.”

401. Durante o sono, a alma repousa como o corpo? “Não, o Espírito jamais está inativo. Durante o sono, afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, não precisando este então da sua presença, ele se lança pelo espaço e entra em relação mais direta com os outros Espíritos.”

402. Como podemos julgar da liberdade do Espírito durante o sono? “Pelos sonhos. Quando o corpo repousa, acredita-o, tem o Espírito mais faculdades do que no estado de vigília. Lembra-se do passado e algumas vezes prevê o futuro. Adquire maior potencialidade e pode pôr-se em comunicação com os demais Espíritos, quer deste mundo, quer do outro. Dizes frequentemente: Tive um sonho extravagante, um sonho horrível, mas absolutamente inverossímil. Enganas-te. É amiúde uma recordação dos lugares e das coisas que viste ou que verás em outra existência ou em outra ocasião. Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata de quebrar seus grilhões e de investigar no passado ou no futuro. Pobres homens, que mal conheceis os mais vulgares fenômenos da vida! Julgais-vos muito sábios e as coisas mais comezinhas vos confundem. Nada sabeis responder a estas perguntas que todas as crianças formulam: Que fazemos quando dormimos? Que são os sonhos? O sono liberta a alma parcialmente do corpo. Quando dorme, o homem se acha por algum tempo no estado em que fica permanentemente depois que morre. Tiveram sonos inteligentes os Espíritos que, desencarnando, logo se desligam da matéria. Esses Espíritos, quando dormem, vão para junto dos seres que lhes são superiores. Com estes viajam, conversam e se instruem. Trabalham mesmo em obras que se lhes deparam concluídas, quando volvem, morrendo na Terra, ao mundo espiritual. Ainda esta circunstância é de molde a vos ensinar que não deveis temer a morte, pois que todos os dias morreis, como disse um santo. Isto, pelo que concerne aos Espíritos elevados. Pelo que respeita ao grande número de homens que, morrendo, têm que passar longas horas na perturbação, na incerteza de que tantos já vos falaram, esses vão, enquanto dormem, ou a mundos inferiores à Terra, onde os chamam velhas afeições, ou em busca de gozos quiçá mais baixos do que os em que aqui tanto se deleitam. Vão beber doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais funestas do que as que professam entre vós. E o que gera a simpatia na Terra é o fato de sentir-se o homem, ao despertar, ligado pelo coração àqueles com quem acaba de passar oito ou nove horas de ventura ou de prazer. Também as antipatias invencíveis se explicam pelo fato de sentirmos em nosso íntimo que os entes com quem antipatizamos têm uma consciência diversa da nossa. Conhecemo-los sem nunca os termos visto com os olhos. É ainda o que explica a indiferença de muitos homens. Não cuidam de conquistar novos amigos, por saberem que muitos têm que os amam e lhes querem. Numa palavra: o sono influi mais do que supondes na vossa vida. Graças ao sono, os Espíritos encarnados estão sempre em relação com o mundo dos Espíritos. Por isso é que os Espíritos superiores assentem, sem grande repugnância, em encarnar entre vós. Quis Deus que, tendo de estar em contato com o vício, pudessem eles ir retemperar-se na fonte do bem, a fim de igualmente não falirem, quando se propõem a instruir os outros. O sono é a porta que Deus lhes abriu, para que possam ir ter com seus amigos do céu; é o recreio depois do trabalho, enquanto esperam a grande libertação, a libertação final, que os restituirá ao meio que lhes é próprio. O sonho é a lembrança do que o Espírito viu durante o sono. Notai, porém, que nem sempre sonhais. Que quer isso dizer? Que nem sempre vos lembrais do que vistes, ou de tudo o que haveis visto, enquanto dormíeis. É que não tendes então a alma no pleno desenvolvimento de suas faculdades. Muitas vezes, apenas vos fica a lembrança da perturbação que o vosso Espírito experimenta à sua partida ou no seu regresso, acrescida da que resulta do que fizestes ou do que vos preocupa quando despertos. A não ser assim, como explicaríeis os sonhos absurdos, que tanto os sábios, quanto as mais humildes e simples criaturas têm? Acontece também que os maus Espíritos se aproveitam dos sonhos para atormentar as almas fracas e pusilânimes. Em suma, dentro em pouco vereis vulgarizar-se outra espécie de sonhos. Conquanto tão antiga como a de que vimos falando, vós a desconheceis. Refiro-me aos sonhos de Joana, ao de Jacob, aos dos profetas judeus e aos de alguns adivinhos indianos. São recordações guardadas por almas que se desprendem quase inteiramente do corpo, recordações dessa segunda vida a que ainda há pouco aludíamos. Tratai de distinguir essas duas espécies de sonhos nos de que vos lembrais, do contrário cairíeis em contradições e em erros funestos à vossa fé”. Os sonhos são efeito da emancipação da alma, que mais independente se torna pela suspensão da vida ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida que se alonga até aos mais afastados lugares e até mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que traz à memória acontecimentos da precedente existência ou das existências anteriores. As singulares imagens do que se passa ou se passou em mundos desconhecidos, entremeados de coisas do mundo atual, é que formam esses conjuntos estranhos e confusos, que nenhum sentido ou ligação parecem ter. A incoerência dos sonhos ainda se explica pelas lacunas que apresenta a recordação incompleta que conservamos do que nos apareceu quando sonhávamos. É como se a uma narração se truncassem frases ou trechos ao acaso. Reunidos depois, os fragmentos restantes nenhuma significação racional teriam. 403. Por que não nos lembramos sempre dos sonhos? “Em o que chamas sono, só há o repouso do corpo, visto que o Espírito está constantemente em atividade. Recobra, durante o sono, um pouco da sua liberdade e se corresponde com os que lhe são caros, quer neste mundo, quer em outros. Mas, como é pesada e grosseira a matéria que o compõe, o corpo dificilmente conserva as impressões que o Espírito recebeu, porque a este não chegaram por intermédio dos órgãos corporais.

404. Que se deve pensar das significações atribuídas aos sonhos? “Os sonhos não são verdadeiros como o entendem os ledores de buenadicha, pois fora absurdo crer-se que sonhar com tal coisa anuncia tal outra. São verdadeiros no sentido de que apresentam imagens que para o Espírito têm realidade, porém que, frequentemente, nenhuma relação guardam com o que se passa na vida corporal. São também, como atrás dissemos, um pressentimento do futuro, permitido por Deus, ou a visão do que no momento ocorre em outro lugar a que a alma se transporta. Não se contam por muitos os casos de pessoas que em sonho aparecem a seus parentes e amigos, a fim de avisá-los do que a elas está acontecendo? Que são essas aparições senão as almas ou Espíritos de tais pessoas a se comunicarem com entes caros? Quando tendes certeza de que o que vistes realmente se deu, não fica provado que a imaginação nenhuma parte tomou na ocorrência, sobretudo se o que observastes não vos passava pela mente quando em vigília?” 405. Acontece com frequência verem-se em sonho coisas que parecem um pressentimento, que, afinal, não se confirma. A que se deve atribuir isto? “Pode suceder que tais pressentimentos venham a confirmar-se apenas para o Espírito. Quer dizer que este viu aquilo que desejava, foi ao seu encontro. É preciso não esquecer que, durante o sono, a alma está mais ou menos sob a influência da matéria e que, por conseguinte, nunca se liberta completamente de suas idéias terrenas, donde resulta que as preocupações do estado de vigília podem dar ao que se vê a aparência do que se deseja, ou do que se teme. A isto é que, em verdade, cabe chamar-se efeito da imaginação. Sempre que uma idéia nos preocupa fortemente, tudo o que vemos se nos mostra ligado a essa idéia.” 406. Quando em sonho vemos pessoas vivas, muito nossas conhecidas, a praticarem atos de que absolutamente não cogitam, não é isso puro efeito de imaginação?  “De que absolutamente não cogitam, dizes. Que sabes a tal respeito? Os Espíritos dessas pessoas vêm visitar o teu, como o teu os vai visitar, sem que saibas sempre o que eles pensam. Demais, não é raro atribuirdes, de acordo com o que desejais, a pessoas que conheceis, o que se deu ou se está dando em outras existências.”

407. É necessário o sono completo para a emancipação do Espírito? “Não; basta que os sentidos entrem em torpor para que o Espírito recobre a sua liberdade. Para se emancipar, ele se aproveita de todos os instantes de trégua que o corpo lhe concede. Desde que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre, quanto mais fraco for o corpo.” Assim se explica que imagens idênticas às que vemos, em sonho, vejamos estando apenas meio dormindo, ou em simples modorra.

408. E qual a razão de ouvirmos, algumas vezes em nós mesmos, palavras pronunciadas distintamente e que nenhum nexo têm com o que nos preocupa? “É fato: ouvis até mesmo frases inteiras, principalmente quando os sentidos começam a entorpecer-se. É, quase sempre, fraco eco do que diz um Espírito que convosco se quer comunicar.”

409. Doutras vezes, num estado que ainda não é bem o do adormecimento, estando com os olhos fechados, vemos imagens distintas, figuras cujas mínimas particularidades percebemos. Que há aí, efeito de visão ou de imaginação? “Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata de desprender-se. Transporta-se e vê. Se já fosse completo o sono, haveria sonho.”

410. Dá-se também que, durante o sono, ou quando nos achamos apenas ligeiramente adormecidos, acodem- -nos idéias que nos parecem excelentes e que se nos apagam da memória, apesar dos esforços que façamos para retê-las. Donde vêm essas idéias? “Provêm da liberdade do Espírito que se emancipa e que, emancipado, goza de suas faculdades com maior amplitude. Também são, frequentemente, conselhos que outros Espíritos dão.” a) — De que servem essas idéias e esses conselhos, desde que, pelos esquecer, não os podemos aproveitar? “Essas idéias, em regra, mais dizem respeito ao mundo dos Espíritos do que ao mundo corpóreo. Pouco importa que comumente o Espírito as esqueça, quando unido ao corpo. Na ocasião oportuna, voltar-lhe-ão como inspiração de momento.”

 411. Estando desprendido da matéria e atuando como Espírito, sabe o Espírito encarnado qual será a época de sua morte? “Acontece pressenti-la. Também sucede ter plena consciência dessa época, o que dá lugar a que, em estado de vigília, tenha a intuição do fato. Por isso é que algumas pessoas preveem com grande exatidão a data em que virão a morrer.”

412. Pode a atividade do Espírito, durante o repouso, ou o sono corporal, fatigar o corpo? “Pode, pois que o Espírito se acha preso ao corpo qual balão cativo ao poste. Assim como as sacudiduras do balão abalam o poste, a atividade do Espírito reage sobre o corpo e pode fatigá-lo.”

VISITAS ESPÍRITAS ENTRE PESSOAS VIVAS

413. Do princípio da emancipação da alma parece decorrer que temos duas existências simultâneas: a do corpo, que nos permite a vida de relação ostensiva; e a da alma, que nos proporciona a vida de relação oculta. É assim? “No estado de emancipação, prima a vida da alma. Contudo, não há, verdadeiramente, duas existências. São antes duas fases de uma só existência, porquanto o homem não vive duplamente.”

414. Podem duas pessoas que se conhecem visitar-se durante o sono? “Certo e muitos que julgam não se conhecerem costumam reunir-se e falar-se. Podes ter, sem que o suspeites, amigos em outro país. É tão habitual o fato de irdes encontrar-vos, durante o sono, com amigos e parentes, com os que conheceis e que vos podem ser úteis, que quase todas as noites fazeis essas visitas.”

 415. Que utilidade podem elas ter, se as olvidamos? “De ordinário, ao despertardes, guardais a intuição desse fato, do qual se originam certas idéias que vos vêm espontaneamente, sem que possais explicar como vos acudiram. São idéias que adquiristes nessas confabulações.”

416. Pode o homem, pela sua vontade provocar as visitas espíritas? Pode, por exemplo, dizer, quando está para dormir: Quero esta noite encontrar-me em Espírito com Fulano, quero falar-lhe para dizer isto? “O que se dá é o seguinte: Adormecendo o homem, seu Espírito desperta e, muitas vezes, nada disposto se mostra a fazer o que o homem resolvera, porque a vida deste pouco interessa ao seu Espírito, uma vez desprendido da matéria. Isto com relação a homens já bastante elevados espiritualmente. Os outros passam de modo muito diverso a fase espiritual de sua existência terrena. Entregam-se às paixões que os escravizaram, ou se mantêm inativos. Pode, pois, suceder, tais sejam os motivos que a isso o induzem, que o Espírito vá visitar aqueles com quem deseja encontrar-se. Mas, não constitui razão, para que semelhante coisa se verifique, o simples fato de ele o querer quando desperto.”

417. Podem Espíritos encarnados reunir-se em certo número e formar assembleias? “Sem dúvida alguma. Os laços, antigos ou recentes, da amizade costumam reunir desse modo diversos Espíritos, que se sentem felizes de estar juntos.” Pelo termo antigos se devem entender os laços de amizade contraída em existências anteriores. Ao despertar, guardamos intuição das idéias que haurimos nesses colóquios, mas ficamos na ignorância da fonte donde promanaram. 418. Uma pessoa que julgasse morto um de seus amigos, sem que tal fosse a realidade, poderia encontrar-se com ele, em Espírito, e verificar que continuava vivo? E, dado o fato, poderia, ao despertar, ter dele a intuição? “Como Espírito, a pessoa que figuras pode ver o seu amigo e conhecer-lhe a sorte. Se lhe não houver sido imposto, por prova, crer na morte desse amigo, poderá ter um pressentimento da sua existência, como poderá tê-lo de sua morte.”

TRANSMISSÃO OCULTA DO PENSAMENTO

419. Que é o que dá causa a que uma idéia, a de uma descoberta, por exemplo, surja em muitos pontos ao mesmo tempo? “Já dissemos que durante o sono os Espíritos se comunicam entre si. Ora bem! Quando se dá o despertar, o Espírito se lembra do que aprendeu e o homem julga ser isso um invento de sua autoria. Assim é que muitos podem simultaneamente descobrir a mesma coisa. Quando dizeis que uma idéia paira no ar, usais de uma figura de linguagem mais exata do que supondes. Todos, sem o suspeitarem, contribuem para propagá-la.” Desse modo, o nosso próprio Espírito revela muitas vezes, a outros Espíritos, mau grado nosso, o que constituía objeto de nossas preocupações no estado de vigília.

420. Podem os Espíritos comunicar-se, estando completamente despertos os corpos? “O Espírito não se acha encerrado no corpo como numa caixa; irradia por todos os lados. Segue-se que pode comunicar-se com outros Espíritos, mesmo em estado de vigília, se bem que mais dificilmente.”

421. Como se explica que duas pessoas, perfeitamente acordadas, tenham instantaneamente a mesma idéia? “São dois Espíritos simpáticos que se comunicam e veem reciprocamente seus pensamentos respectivos, embora sem estarem adormecidos os corpos.” Há, entre os Espíritos que se encontram, uma comunicação de pensamento, que dá causa a que duas pessoas se vejam e compreendam sem precisarem dos sinais ostensivos da linguagem. Poder-se-ia dizer que falam entre si a linguagem dos Espíritos.

LETARGIA, CATALEPSIA, MORTES APARENTES

422. Os letárgicos e os catalépticos, em geral, veem e ouvem o que em derredor se diz e faz, sem que possam exprimir que estão vendo e ouvindo. É pelos olhos e pelos ouvidos que têm essas percepções? “Não; pelo Espírito. O Espírito tem consciência de si, mas não pode comunicar-se.” a) — Por quê? “Porque a isso se opõe o estado do corpo. E esse estado especial dos órgãos vos prova que no homem há alguma coisa mais do que o corpo, pois que, então, o corpo já não funciona e, no entanto, o Espírito se mostra ativo.”

423. Na letargia, pode o Espírito separar-se inteiramente do corpo, de modo a imprimir-lhe todas as aparências da morte e voltar depois a habitá-lo? “Na letargia, o corpo não está morto, porquanto há funções que continuam a executar-se. Sua vitalidade se encontra em estado latente, como na crisálida, porém não aniquilada. Ora, enquanto o corpo vive, o Espírito se lhe acha ligado. Em se rompendo, por efeito da morte real e pela desagregação dos órgãos, os laços que prendem um ao outro, integral se torna a separação e o Espírito não volta mais ao seu envoltório. Desde que um homem, aparentemente morto, volve à vida, é que não era completa a morte.”

424. Por meio de cuidados dispensados a tempo, podem reatar-se laços prestes a se desfazerem e restituir-se à vida um ser que definitivamente morreria se não fosse socorrido? “Sem dúvida e todos os dias tendes a prova disso. O magnetismo, em tais casos, constitui, muitas vezes, poderoso meio de ação, porque restitui ao corpo o fluido vital que lhe falta para manter o funcionamento dos órgãos.” A letargia e a catalepsia derivam do mesmo princípio, que é a perda temporária da sensibilidade e do movimento, por uma causa fisiológica ainda inexplicada. Diferem uma da outra em que, na letargia, a suspensão das forças vitais é geral e dá ao corpo todas as aparências da morte; na catalepsia, fica localizada, podendo atingir uma parte mais ou menos extensa do corpo, de sorte a permitir que a inteligência se manifeste livremente, o que a torna inconfundível com a morte. A letargia é sempre natural; a catalepsia é por vezes magnética.

SONAMBULISMO

425. O sonambulismo natural tem alguma relação com os sonhos? Como explicá-lo? “É um estado de independência do Espírito, mais completo do que no sonho, estado em que maior amplitude adquirem suas faculdades. A alma tem então percepções de que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo imperfeito. “No sonambulismo, o Espírito está na posse plena de si mesmo. Os órgãos materiais, achando-se de certa forma em estado de catalepsia, deixam de receber as impressões exteriores. Esse estado se apresenta principalmente durante o sono, ocasião em que o Espírito pode abandonar provisoriamente o corpo, por se encontrar este gozando do repouso indispensável à matéria. Quando se produzem os fatos do sonambulismo, é que o Espírito, preocupado com uma coisa ou outra, se aplica a uma ação qualquer, para cuja prática necessita de utilizar-se do corpo. Serve-se então deste, como se serve de uma mesa ou de outro objeto material no fenômeno das manifestações físicas, ou mesmo como se utiliza da mão do médium nas comunicações escritas. Nos sonhos de que se tem consciência, os órgãos, inclusive os da memória, começam a despertar. Recebem imperfeitamente as impressões produzidas por objetos ou causas externas e as comunicam ao Espírito, que, então, também em repouso, só experimenta, do que lhe é transmitido, sensações confusas e, amiúde, desordenadas, sem nenhuma aparente razão de ser, mescladas que se apresentam de vagas recordações, quer da existência atual, quer de anteriores. Facilmente, portanto, se compreende por que os sonâmbulos nenhuma lembrança guardam do que se passou enquanto estiveram no estado sonambúlico e por que os sonhos, de que se conserva memória, as mais das vezes não têm sentido. Digo — as mais das vezes, porque também sucede serem a consequência de lembrança exata de acontecimentos de uma vida anterior e até, não raro, uma espécie de intuição do futuro.”

426. O chamado sonambulismo magnético tem alguma relação com o sonambulismo natural? “É a mesma coisa, com a só diferença de ser provocado.”

427. De que natureza é o agente que se chama fluido magnético? “Fluido vital, eletricidade animalizada, que são modificações do fluido universal.”

428. Qual a causa da clarividência sonambúlica? “Já o dissemos: É a alma que vê.”

429. Como pode o sonâmbulo ver através dos corpos opacos? “Não há corpos opacos senão para os vossos grosseiros órgãos. Já precedentemente não dissemos que a matéria nenhum obstáculo oferece ao Espírito, que livremente a atravessa? Frequentemente ouvis o sonâmbulo dizer que vê pela fronte, pelo punho, etc., porque, achando-vos inteiramente presos à matéria, não compreendeis lhe seja possível ver sem o auxílio dos órgãos. Ele próprio, pelo desejo que manifestais, julga precisar dos órgãos. Se, porém, o deixásseis livre, compreenderia que vê por todas as partes do seu corpo, ou, melhor falando, que vê de fora do seu corpo.”

430. Pois que a sua clarividência é a de sua alma ou de seu Espírito, por que é que o sonâmbulo não vê tudo e tantas vezes se engana?

“Primeiramente, aos Espíritos imperfeitos não é dado verem tudo e tudo saberem. Não ignoras que ainda partilham dos vossos erros e prejuízos. Depois, quando unidos à matéria, não gozam de todas as suas faculdades de Espírito. Deus outorgou ao homem a faculdade sonambúlica para fim útil e sério, não para que se informe do que não deva saber. Eis por que os sonâmbulos nem tudo podem dizer.”

431. Qual a origem das idéias inatas do sonâmbulo e como pode falar com exatidão de coisas que ignora quando desperto, de coisas que estão mesmo acima de sua capacidade intelectual? “É que o sonâmbulo possui mais conhecimentos do que os que lhe supões. Apenas, tais conhecimentos dormitam, porque, por demasiado imperfeito, seu invólucro corporal não lhe consente rememorá-lo. Que é, afinal, um sonâmbulo? Espírito, como nós, e que se encontra encarnado na matéria para cumprir a sua missão, despertando dessa letargia quando cai em estado sonambúlico. Já te temos dito, repetidamente, que vivemos muitas vezes. Esta mudança é que, ao sonâmbulo, como a qualquer Espírito ocasiona a perda material do que haja aprendido em precedente existência. Entrando no estado, a que chamas crise, lembra-se do que sabe, mas sempre de modo incompleto. Sabe, mas não poderia dizer donde lhe vem o que sabe, nem como possui os conhecimentos que revela. Passada a crise, toda recordação se apaga e ele volve à obscuridade.” Mostra a experiência que os sonâmbulos também recebem comunicações de outros Espíritos, que lhes transmitem o que devam dizer e suprem à incapacidade que denotam. Isto se verifica principalmente nas prescrições médicas. O Espírito do sonâmbulo vê o mal, outro lhe indica o remédio. Essa dupla ação é às vezes patente e se revela, além disso, por estas expressões muito frequentes: dizem-me que diga, ou proíbem-me que diga tal coisa. Neste último caso, há sempre perigo em insistir-se por uma revelação negada, porque se dá azo a que intervenham Espíritos levianos, que falam de tudo sem escrúpulo e sem se importarem com a verdade.

432. Como se explica a visão a distância em certos sonâmbulos? “Durante o sono, a alma não se transporta? O mesmo se dá no sonambulismo.”

433. O desenvolvimento maior ou menor da clarividência sonambúlica depende da organização física, ou só da natureza do Espírito encarnado? “De uma e outra. Há disposições físicas que permitem ao Espírito desprender-se mais ou menos facilmente da matéria.”

434. As faculdades de que goza o sonâmbulo são as que tem o Espírito depois da morte? “Somente até certo ponto, pois cumpre se atenda à influência da matéria a que ainda se acha ligado.”

435. Pode o sonâmbulo ver os outros Espíritos? “A maioria deles os vê muito bem, dependendo do grau e da natureza da lucidez de cada um. É muito comum, porém, não perceberem, no primeiro momento, que estão vendo Espíritos e os tomarem por seres corpóreos. Isso acontece principalmente aos que, nada conhecendo do Espiritismo, ainda não compreendem a essência dos Espíritos. O fato os espanta e fá-los supor que têm diante da vista seres terrenos.” O mesmo se dá com os que, tendo morrido, ainda se julgam vivos. Nenhuma alteração notando ao seu derredor e parecendo- -lhes que os Espíritos têm corpos iguais aos nossos, tomam por corpos reais os corpos aparentes com que os mesmos Espíritos se lhes apresentam.

436. O sonâmbulo que vê, a distância, vê do ponto em que se acha o seu corpo, ou do em que está sua alma? “Por que esta pergunta, desde que sabes ser a alma quem vê e não o corpo?”

437. Posto que o que se dá, nos fenômenos sonambúlicos, é que a alma se transporta, como pode o sonâmbulo experimentar no corpo as sensações do frio e do calor existentes no lugar onde se acha sua alma, muitas vezes bem distante do seu invólucro? “A alma, em tais casos, não tem deixado inteiramente o corpo; conserva-se-lhe presa pelo laço que os liga e que então desempenha o papel de condutor das sensações. Quando duas pessoas se comunicam de uma cidade para outra, por meio da eletricidade, esta constitui o laço que lhes liga os pensamentos. Daí vem que confabulam como se estivessem ao lado uma da outra.”

438. O uso que um sonâmbulo faz da sua faculdade influi no estado do seu Espírito depois da morte? “Muito, como o bom ou mau uso que o homem faz de todas as faculdades com que Deus o dotou.”

ÊXTASE

 439. Que diferença há entre o êxtase e o sonambulismo? “O êxtase é um sonambulismo mais apurado. A alma do extático ainda é mais independente.”

440. O Espírito do extático penetra realmente nos mundos superiores? “Vê esses mundos e compreende a felicidade dos que os habitam, donde lhe nasce o desejo de lá permanecer. Há, porém, mundos inacessíveis aos Espíritos que ainda não estão bastante purificados.”

441. Quando o extático manifesta o desejo de deixar a Terra, fala sinceramente, não o retém o instinto de conservação? “Isso depende do grau de purificação do Espírito. Se verifica que a sua futura situação será melhor do que a sua vida presente, esforça-se por desatar os laços que o prendem à Terra.”

442. Se se deixasse o extático entregue a si mesmo, poderia sua alma abandonar definitivamente o corpo? “Perfeitamente, poderia morrer”. Por isso é que preciso se torna chamá-lo a voltar, apelando para tudo o que o prende a este mundo, fazendo-lhe, sobretudo, compreender que a maneira mais certa de não ficar lá, onde vê que seria feliz, consistiria em partir a cadeia que o tem preso ao planeta terreno.”

443. Pretendendo que lhe é dado ver coisas que evidentemente são produto de uma imaginação que as crenças e prejuízos terrestres impressionaram, não será justo concluir-se que nem tudo o que o extático vê é real? “O que o extático vê é real para ele. Mas, como seu Espírito se conserva sempre debaixo da influência das idéias terrenas, pode acontecer que veja a seu modo, ou melhor, que exprima o que vê numa linguagem moldada pelos preconceitos e idéias de que se acha imbuído, ou, então, pelos vossos preconceitos e idéias, a fim de ser mais bem compreendido. Neste sentido, principalmente, é que lhe sucede errar.”

444. Que confiança se pode depositar nas revelações dos extáticos? “O extático está sujeito a enganar-se muito frequentemente, sobretudo quando pretende penetrar no que deva continuar a ser mistério para o homem, porque, então, se deixa levar pela corrente das suas próprias idéias, ou se torna joguete de Espíritos mistificadores, que se aproveitam da sua exaltação para fasciná-lo.”

 445. Que deduções se podem tirar dos fenômenos do sonambulismo e do êxtase? Não constituirão uma espécie de iniciação na vida futura? “A bem dizer, mediante esses fenômenos, o homem entrevê a vida passada e a vida futura. Estude-os e achará o aclaramento de mais de um mistério, que a sua razão inutilmente procura devassar.”

446. Poderiam tais fenômenos adequar-se às idéias materialistas? “Aquele que os estudar de boa-fé e sem prevenções não poderá ser materialista, nem ateu.”

DUPLA VISTA

447. O fenômeno a que se dá a designação de dupla vista tem alguma relação com o sonho e o sonambulismo? “Tudo isso é uma só coisa. O que se chama dupla vista é ainda resultado da libertação do Espírito, sem que o corpo seja adormecido. A dupla vista ou segunda vista é a vista da alma.”

448. É permanente a segunda vista? “A faculdade é, o exercício não. Em os mundos menos materiais do que o vosso, os Espíritos se desprendem mais facilmente e se põem em comunicação apenas pelo pensamento, sem que, todavia, fique abolida a linguagem articulada. Por isso mesmo, em tais mundos, a dupla vista é faculdade permanente, para a maioria de seus habitantes, cujo estado normal se pode comparar ao dos vossos sonâmbulos lúcidos. Essa também a razão por que esses Espíritos se vos manifestam com maior facilidade do que os encarnados em corpos mais grosseiros.”

449. A segunda vista aparece espontaneamente ou por efeito da vontade de quem a possui como faculdade? “As mais das vezes é espontânea, porém a vontade também desempenha com grande frequência importante papel no seu aparecimento. Toma, para exemplo, de umas dessas pessoas a quem se dá o nome de ledoras da buenadicha, algumas das quais dispõem desta faculdade, e verás que é com o auxílio da própria vontade que se colocam no estado de terem a dupla vista e o que chamas visão.”

450. A dupla vista é suscetível de desenvolver-se pelo exercício? “Sim, do trabalho sempre resulta o progresso e a dissipação do véu que encobre as coisas.” a) — Esta faculdade tem qualquer ligação com a organização física? “Incontestavelmente, o organismo influi para a sua existência. Há organismos que lhe são refratários.”

451. Por que é que a segunda vista parece hereditária em algumas famílias? “Por semelhança da organização, que se transmite como as outras qualidades físicas. Depois, a faculdade se desenvolve por uma espécie de educação, que também se transmite de um a outro.”

452. É exato que certas circunstâncias desenvolvem a segunda vista? “A moléstia, a proximidade do perigo, uma grande comoção podem desenvolvê-la. O corpo, às vezes, vem a achar-se num estado especial que faculta ao Espírito ver o que não podeis ver com os olhos carnais.” Nas épocas de crises e de calamidades, as grandes emoções, todas as causas, enfim, de superexcitarão do moral provocam não raro o desenvolvimento da dupla vista. Parece que a Providência, quando um perigo nos ameaça, nos dá o meio de conjurá-lo. Todas as seitas e partidos perseguidos oferecem múltiplos exemplos desse fato.

453. As pessoas dotadas de dupla vista sempre têm consciência de que a possuem? “Nem sempre. Consideram isso coisa perfeitamente natural e muitos crêem que, se cada um observasse o que se passa consigo, todos verificariam que são como eles.”

454. Poder-se-ia atribuir a uma espécie de segunda vista a perspicácia de algumas pessoas que, sem nada apresentarem de extraordinário, apreciam as coisas com mais precisão do que outras? “É sempre a alma a irradiar mais livremente e a apreciar melhor do que sob o véu da matéria.” a) — Pode esta faculdade, em alguns casos, dar a presciência das coisas? “Pode. Também dá os pressentimentos, pois que muitos são os graus em que ela existe, sendo possível que num mesmo indivíduo exista em todos os graus, ou em alguns somente.”

RESUMO TEÓRICO DO SONAMBULISMO, DO ÊXTASE E DA DUPLA VISTA

455. Os fenômenos do sonambulismo natural se produzem espontaneamente e independem de qualquer causa exterior conhecida. Mas, em certas pessoas dotadas de especial organização, podem ser provocados artificialmente, pela ação do agente magnético. O estado que se designa pelo nome de sonambulismo magnético apenas difere do sonambulismo natural em que um é provocado, enquanto o outro é espontâneo. O sonambulismo natural constitui fato notório, que ninguém mais se lembra de pôr em dúvida, não obstante o aspecto maravilhoso dos fenômenos a que dá lugar. Por que seria então mais extraordinário ou irracional o sonambulismo magnético? Apenas por produzir-se artificialmente, como tantas outras coisas? Os charlatães o exploram, dizem. Razão demais para que não lhes seja deixado nas mãos. Quando a Ciência se houver apropriado dele, muito menos crédito terão os charlatães junto às massas populares. Enquanto isso não se verifica, como o sonambulismo natural ou artificial é um fato, e como contra fatos não há raciocínio possível, vai ele ganhando terreno, apesar da má vontade de alguns, no seio da própria Ciência, onde penetra por uma imensidade de portinhas, em vez de entrar pela porta larga. Quando lá estiver totalmente, terão que lhe conceder direito de cidade. Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais do que um fenômeno psicológico, é uma luz projetada sobre a psicologia. É aí que se pode estudar a alma, porque é onde esta se mostra a descoberto. Ora, um dos fenômenos que a caracterizam é o da clarividência independente dos órgãos ordinários da vista. Fundam-se os que contestam este fato em que o sonâmbulo nem sempre vê, e à vontade do experimentador, como com os olhos. Será de admirar que difiram os efeitos, quando diferentes são os meios? Será racional que se pretenda obter os mesmos efeitos, quando há e quando não há o instrumento? A alma tem suas propriedades, como os olhos têm as suas. Cumpre julgá-las em si mesmas e não por analogia. De uma causa única se originam a clarividência do sonâmbulo magnético e a do sonâmbulo natural. É um atributo da alma, uma faculdade inerente a todas as partes do ser incorpóreo que existe em nós e cujos limites não são outros senão os assinados à própria alma. O sonâmbulo vê em todos os lugares aonde sua alma possa transportar-se, qualquer que seja a longitude. No caso de visão a distância, o sonâmbulo não vê as coisas de onde está o seu corpo, como por meio de um telescópio. Vê-as presentes, como se se achasse no lugar onde elas existem, porque sua alma, em realidade, lá está. Por isso é que seu corpo fica como que aniquilado e privado de sensação, até que a alma volte a habitá-lo novamente. Essa separação parcial da alma e do corpo constitui um estado anormal, suscetível de duração mais ou menos longa, porém não indefinida. Daí a fadiga que o corpo experimenta após certo tempo, mormente quando aquela se entrega a um trabalho ativo. A vista da alma ou do Espírito não é circunscrita e não tem sede determinada. Eis por que os sonâmbulos não lhe podem marcar órgão especial. Veem porque veem, sem saberem o motivo nem o modo, uma vez que, para eles, na condição de Espíritos, a vista carece de foco próprio. Se se reportam ao corpo, esse foco lhes parece estar nos centros onde maior é a atividade vital, principalmente no cérebro, na região do epigástrio, ou no órgão que considerem o ponto de ligação mais forte entre o Espírito e o corpo. O poder da lucidez sonambúlica não é ilimitado. O Espírito, mesmo quando completamente livre, tem restringidos seus conhecimentos e faculdades, conforme ao grau de perfeição que haja alcançado. Ainda mais restringidos os tem quando ligado à matéria, a cuja influência está sujeito. É o que motiva não ser universal, nem infalível, a clarividência sonambúlica. E tanto menos se pode contar com a sua infalibilidade, quanto mais desviada seja do fim visado pela natureza e transformada em objeto de curiosidade e de experimentação. No estado de desprendimento em que fica colocado, o Espírito do sonâmbulo entra em comunicação mais fácil com os outros Espíritos encarnados, ou não encarnados, comunicação que se estabelece pelo contato dos fluidos, que compõem os períspiritos e servem de transmissão ao pensamento, como o fio elétrico. O sonâmbulo não precisa, portanto, que se lhe exprimam os pensamentos por meio da palavra articulada. Ele os sente e adivinha. É o que o torna eminentemente impressionável e sujeito às influências da atmosfera moral que o envolva. Essa também a razão por que uma assistência muito numerosa e a presença de curiosos mais ou menos malevolentes lhe prejudicam de modo essencial o desenvolvimento das faculdades que, por assim dizer, se contraem, só se desdobrando com toda a liberdade num meio íntimo ou simpático. A presença de pessoas mal-intencionadas ou antipáticas lhe produz efeito idêntico ao do contato da mão na sensitiva. O sonâmbulo vê ao mesmo tempo o seu próprio Espírito e o seu corpo, os quais constituem, por assim dizer, dois seres que lhe representam a dupla existência corpórea e espiritual, existências que, entretanto, se confundem, mediante os laços que as unem. Nem sempre o sonâmbulo se apercebe de tal situação e essa dualidade faz que muitas vezes fale de si, como se falasse de outra pessoa. É que ora é o ser corpóreo que fala ao ser espiritual, ora é este que fala àquele. Em cada uma de suas existências corporais, o Espírito adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiência. Esquece-os parcialmente, quando encarnado em matéria por demais grosseira, porém deles se recorda como Espírito. Assim é que certos sonâmbulos revelam conhecimentos acima do grau da instrução que possuem e mesmo superiores às suas aparentes capacidades intelectuais. Portanto, da inferioridade intelectual e científica do sonâmbulo, quando desperto, nada se pode inferir com relação aos conhecimentos que porventura revele no estado de lucidez. Conforme as circunstâncias e o fim que se tenha em vista, ele os pode haurir da sua própria experiência, da sua clarividência relativa às coisas presentes, ou dos conselhos que receba de outros Espíritos. Mas, podendo o seu próprio Espírito ser mais ou menos adiantado, possível lhe é dizer coisas mais ou menos certas. Pelos fenômenos do sonambulismo, quer natural, quer magnético, a Providência nos dá a prova irrecusável da existência e da independência da alma e nos faz assistir ao sublime espetáculo da sua emancipação. Abre-nos, dessa maneira, o livro do nosso destino. Quando o sonâmbulo descreve o que se passa a distância, é evidente que vê, mas não com os olhos do corpo. Vê-se a si mesmo e se sente transportado ao lugar onde vê o que descreve. Lá se acha, pois, alguma coisa dele e, não podendo essa alguma coisa ser o seu corpo, necessariamente é sua alma, ou Espírito. Enquanto o homem se perde nas sutilezas de uma metafísica abstrata e ininteligível, em busca das causas da nossa existência moral, Deus cotidianamente nos põe sob os olhos e ao alcance da mão os mais simples e patentes meios de estudarmos a psicologia experimental. O êxtase é o estado em que a independência da alma, com relação ao corpo, se manifesta de modo mais sensível e se torna, de certa forma, palpável. No sonho e no sonambulismo, o Espírito anda em giro pelos mundos terrestres. No êxtase, penetra em um mundo desconhecido, o dos Espíritos etéreos, com os quais entra em comunicação, sem que, todavia, lhe seja lícito ultrapassar certos limites, porque, se os transpusesse, totalmente se partiriam os laços que o prendem ao corpo. Cerca-o então resplendente e desusado fulgor, inebriam-no harmonias que na Terra se desconhecem, indefinível bem-estar o invade: goza antecipadamente da beatitude celeste e bem se pode dizer que pousa um pé no limiar da eternidade. No estado de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase completo. Fica-lhe somente, pode-se dizer, a vida orgânica. Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente por um fio, que mais um pequenino esforço quebraria sem remissão. Nesse estado, desaparecem todos os pensamentos terrestres, cedendo lugar ao sentimento apurado, que constitui a essência mesma do nosso ser imaterial. Inteiramente entregue a tão sublime contemplação, o extático encara a vida apenas como paragem momentânea. Considera os bens e os males, as alegrias grosseiras e as misérias deste mundo quais incidentes fúteis de uma viagem, cujo termo tem a dita de avistar. Dá-se com os extáticos o que se dá com os sonâmbulos: mais ou menos perfeita podem ter a lucidez e o Espírito mais ou menos apto a conhecer e compreender as coisas, conforme seja mais ou menos elevado. Muitas vezes, porém, há neles mais excitação do que verdadeira lucidez, ou, melhor, muitas vezes a exaltação lhes prejudica a lucidez. Daí o serem, freqüentemente, suas revelações um misto de verdades e erros, de coisas grandiosas e coisas absurdas, até ridículas. Dessa exaltação, que é sempre uma causa de fraqueza, quando o indivíduo não sabe reprimi-la, Espíritos inferiores costumam aproveitar-se para dominar o extático, tomando, com tal intuito, aos seus olhos, aparências que mais o aferram às idéias que nutre no estado de vigília. Há nisso um escolho, mas nem todos são assim. Cabe-nos tudo julgar friamente e pesar-lhes as revelações na balança da razão. A emancipação da alma se verifica às vezes no estado de vigília e produz o fenômeno conhecido pelo nome de segunda vista ou dupla vista, que é a faculdade graças à qual quem a possui vê, ouve e sente além dos limites dos sentidos humanos. Percebe o que exista até onde estende a alma a sua ação. Vê, por assim dizer, através da vista ordinária e como por uma espécie de miragem. No momento em que o fenômeno da segunda vista se produz, o estado físico do indivíduo se acha sensivelmente modificado. O olhar apresenta alguma coisa de vago. Ele olha sem ver. Toda a sua fisionomia reflete uma como exaltação. Nota-se que os órgãos visuais se conservam alheios ao fenômeno, pelo fato de a visão persistir, malgrado à oclusão dos olhos. Aos dotados desta faculdade ela se afigura tão natural, como a que todos temos de ver. Consideram-na um atributo de seus próprios seres, que em nada lhes parecem excepcionais. De ordinário, o esquecimento se segue a essa lucidez passageira, cuja lembrança, tornando-se cada vez mais vaga, acaba por desaparecer, como a de um sonho. O poder da vista dupla varia, indo desde a sensação confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes ou ausentes. Quando rudimentar, confere a certas pessoas o tato, a perspicácia, uma certa segurança nos atos, a que se pode dar o qualificativo de precisão de golpe de vista moral. Um pouco desenvolvida, desperta os pressentimentos. Mais desenvolvida mostra os acontecimentos que deram ou estão para dar-se. O sonambulismo natural e artificial, o êxtase e a dupla vista são efeitos vários, ou de modalidades diversas, de uma mesma causa. Esses fenômenos, como os sonhos, estão na ordem da natureza. Tal a razão por que hão existido em todos os tempos. A História mostra que foram sempre conhecidos e até explorados desde a mais remota antiguidade e neles se nos depara a explicação de uma imensidade de fatos que os preconceitos fizeram fossem tidos por sobrenaturais.

 

CAPÍTULO I X

Da intervenção dos Espíritos no mundo corporal

• Faculdade, que têm os Espíritos, de penetrar os nossos pensamentos 4

• Influência oculta dos Espíritos em nossos pensamentos e atos • Possessos • Convulsionários

 • Afeição que os Espíritos votam a certas pessoas

• Anjos-de-guarda. Espíritos protetores, familiares ou simpáticos

• Pressentimentos

• Influência dos Espíritos nos acontecimentos da vida

• Ação dos Espíritos nos fenômenos da Natureza

• Os Espíritos durante os combates

• Pactos

• Poder oculto. Talismãs. Feiticeiros

• Bênçãos e maldições

 

FACULDADE, QUE TÊM OS ESPÍRITOS, DE PENETRAR OS NOSSOS PENSAMENTOS

456. Veem os Espíritos tudo o que fazemos? “Podem ver, pois que constantemente vos rodeiam. Cada um, porém, só vê aquilo a que dá atenção. Não se ocupam com o que lhes é indiferente.”

457. Podem os Espíritos conhecer os nossos mais secretos pensamentos? “Muitas vezes chegam a conhecer o que desejaríeis ocultar de vós mesmos. Nem atos, nem pensamentos se lhes podem dissimular.” a) — Assim, mais fácil nos seria ocultar de uma pessoa viva qualquer coisa, do que a esconder dessa mesma pessoa depois de morta? “Certamente. Quando vos julgais muito ocultos, é comum terdes ao vosso lado uma multidão de Espíritos que vos observam.”

458. Que pensam de nós os Espíritos que nos cercam e observam? “Depende. Os levianos riem das pequenas partidas que vos pregam e zombam das vossas impaciências. Os Espíritos sérios se condoem dos vossos reveses e procuram ajudar-vos.”

INFLUÊNCIA OCULTA DOS ESPÍRITOS EM NOSSOS PENSAMENTOS E ATOS

 459. Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos? “Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de ordinário, são eles que vos dirigem.”

460. De par com os pensamentos que nos são próprios, outros haverá que nos sejam sugeridos? “Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais que, frequentemente, muitos pensamentos vos acodem a um tempo sobre o mesmo assunto e, não raro, contrários uns aos outros. Pois bem! No conjunto deles, estão sempre de mistura os vossos com os nossos. Daí a incerteza em que vos vedes. É que tendes em vós duas idéias a se combaterem.”

461. Como havemos de distinguir os pensamentos que nos são próprios dos que nos são sugeridos? “Quando um pensamento vos é sugerido, tendes a impressão de que alguém vos fala. Geralmente, os pensamentos próprios são os que acodem em primeiro lugar. Afinal, não vos é de grande interesse estabelecer essa distinção. Muitas vezes, é útil que não saibais fazê-la. Não a fazendo, obra o homem com mais liberdade. Se se decide pelo bem, é voluntariamente que o pratica; se toma o mau caminho, maior será a sua responsabilidade.”

462. É sempre de dentro de si mesmos que os homens inteligentes e de gênio tiram suas idéias? Algumas vezes, elas lhes vêm do seu próprio Espírito, porém, de outras muitas, lhes são sugeridas por Espíritos que os julgam capazes de compreendê-las e dignos de vulgarizá-las. Quando tais homens não as acham em si mesmos, apelam para a inspiração. Fazem assim, sem o suspeitarem, uma verdadeira evocação.” Se fora útil que pudéssemos distinguir claramente os nossos pensamentos próprios dos que nos são sugeridos, Deus nos houvera proporcionado os meios de o conseguirmos, como nos concedeu o de diferençarmos o dia da noite. Quando uma coisa se conserva imprecisa, é que convém assim aconteça.

463. Diz-se comumente ser sempre bom o primeiro impulso. É exato? “Pode ser bom ou mau, conforme a natureza do Espírito encarnado. É sempre bom naquele que atende às boas inspirações.”

464. Como distinguirmos se um pensamento sugerido procede de um bom Espírito ou de um Espírito mau? “Estudai o caso. Os bons Espíritos só para o bem aconselham. Compete-vos discernir.”

465. Com que fim os Espíritos imperfeitos nos induzem ao mal? “Para que sofrais como eles sofrem.” a) — E isso lhes diminui os sofrimentos? “Não; mas fazem-no por inveja, por não poderem suportar que haja seres felizes.” b) — De que natureza é o sofrimento que procuram infligir aos outros? “Os que resultam de ser de ordem inferior a criatura e de estar afastada de Deus.”

466. Por que permite Deus que Espíritos nos excitem ao mal? “Os Espíritos imperfeitos são instrumentos próprios a pôr em prova a fé e a constância dos homens na prática do bem. Como Espírito que és, tens que progredir na ciência do infinito. Daí o passares pelas provas do mal, para chegares ao bem. A nossa missão consiste em te colocarmos no bom caminho. Desde que sobre ti atuam influências más, é que as atrais, desejando o mal; porquanto os Espíritos inferiores correm a te auxiliar no mal, logo que desejes praticá-lo. Só quando queiras o mal, podem eles ajudar-te para a prática do mal. Se fores propenso ao assassínio, terás em torno de ti uma nuvem de Espíritos a te alimentarem no íntimo esse pendor. Mas, outros também te cercarão, esforçando-se por te influenciarem para o bem, o que restabelece o equilíbrio da balança e te deixa senhor dos teus atos.” É assim que Deus confia à nossa consciência a escolha do caminho que devamos seguir e a liberdade de ceder a uma ou outra das influências contrárias que se exercem sobre nós.

467. Pode o homem eximir-se da influência dos Espíritos que procuram arrastá-lo ao mal? “Pode, visto que tais Espíritos só se apegam aos que, pelos seus desejos, os chamam, ou aos que, pelos seus pensamentos, os atraem.”

468. Renunciam às suas tentativas os Espíritos cuja influência a vontade do homem repele? “Que querias que fizessem? Quando nada conseguem, abandonam o campo. Entretanto, ficam à espreita de um momento propício, como o gato que tocaia o rato.”

469. Por que meio podemos neutralizar a influência dos maus Espíritos? “Praticando o bem e pondo em Deus toda a vossa confiança, repelireis a influência dos Espíritos inferiores e aniquilareis o império que desejem ter sobre vós. Guardai- -vos de atender às sugestões dos Espíritos que vos suscitam maus pensamentos, que sopram a discórdia entre vós outros e que vos insuflam as paixões más. Desconfiai especialmente dos que vos exaltam o orgulho, pois que esses vos assaltam pelo lado fraco. Essa a razão por que Jesus, na oração dominical, vos ensinou a dizer: “Senhor! não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal”.

470. Os Espíritos, que ao mal procuram induzir-nos e que põem assim em prova a nossa firmeza no bem, procedem desse modo cumprindo missão? E, se assim é, cabe-lhes alguma responsabilidade? “A nenhum Espírito é dada a missão de praticar o mal. Aquele que o faz fá-lo por conta própria, sujeitando-se, portanto, às consequências. Pode Deus permitir-lhe que assim proceda, para vos experimentar; nunca, porém, lhe determina tal procedimento. Compete-vos, pois, repeli-lo.”

471. Quando experimentamos uma sensação de angústia, de ansiedade indefinível, ou de íntima satisfação, sem que lhe conheçamos a causa, devemos atribuí-la unicamente a uma disposição física? “É quase sempre efeito das comunicações em que inconscientemente entrais com os Espíritos, ou da que com eles tivestes durante o sono.”

472. Os Espíritos que procuram atrair-nos para o mal se limitam a aproveitar as circunstâncias em que nos achamos, ou podem também criá-las? “Aproveitam as circunstâncias ocorrentes, mas também costumam criá-las, impelindo-vos, mau grado vosso, para aquilo que cobiçais. Assim, por exemplo, encontra um homem, no seu caminho, certa quantia. Não penses tenham sido os Espíritos que a trouxeram para ali. Mas, eles podem inspirar ao homem a idéia de tomar aquela direção e sugerir-lhe depois a de se apoderar da importância achada, enquanto outros lhe sugerem a de restituir o dinheiro ao seu legítimo dono. O mesmo se dá com relação a todas as demais tentações.”

POSSESSOS

473. Pode um Espírito tomar temporariamente o invólucro corporal de uma pessoa viva, isto é, introduzir-se num corpo animado e obrar em lugar do outro que se acha encarnado neste corpo? “O Espírito não entra em um corpo como entras numa casa. Identifica-se com um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de obrar conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre quem atua, conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido. Um Espírito não pode substituir-se ao que está encarnado, por isso que este terá que permanecer ligado ao seu corpo até ao termo fixado para sua existência material.”

474. Desde que não há possessão propriamente dita, isto é, coabitação de dois Espíritos no mesmo corpo, pode a alma ficar na dependência de outro Espírito, de modo a se achar subjugada ou obsidiada ao ponto de a sua vontade vir a achar-se, de certa maneira, paralisada? “Sem dúvida e são esses os verdadeiros possessos. Mas, é preciso saibas que essa dominação não se efetua nunca sem que aquele que a sofre o consinta, quer por sua fraqueza, quer por desejá-la. Muitos epilépticos ou loucos, que mais necessitavam de médico que de exorcismos, têm sido tomados por possessos.” O vocábulo possesso, na sua acepção vulgar, supõe a existência de demônios, isto é, de uma categoria de seres maus por natureza, e a coabitação de um desses seres com a alma de um indivíduo, no seu corpo. Pois que, nesse sentido, não há demônios e que dois Espíritos não podem habitar simultaneamente o mesmo corpo, não há possessos na conformidade da idéia a que esta palavra se acha associada. O termo possesso só se deve admitir como exprimindo a dependência absoluta em que uma alma pode achar-se com relação a Espíritos imperfeitos que a subjuguem.

475. Pode alguém por si mesmo afastar os maus Espíritos e libertar-se da dominação deles? “Sempre é possível, a quem quer que seja, subtrair-se a um jugo, desde que com vontade firme o queira.”

476. Mas, não pode acontecer que a fascinação exercida pelo mau Espírito seja de tal ordem que o subjugado não a perceba? Sendo assim, poderá uma terceira pessoa fazer que cesse a sujeição da outra? E, nesse caso, qual deve ser a condição dessa terceira pessoa? “Sendo ela um homem de bem, a sua vontade poderá ter eficácia, desde que apele para o concurso dos bons Espíritos, porque, quanto mais digna for a pessoa, tanto maior poder terá sobre os Espíritos imperfeitos, para afastá-los, e sobre os bons, para os atrair. Todavia, nada poderá, se o que estiver subjugado não lhe prestar o seu concurso. Há pessoas a quem agrada uma dependência que lhes lisonjeia os gostos e os desejos. Qualquer, porém, que seja o caso, aquele que não tiver puro o coração nenhuma influência exercerá. Os bons Espíritos não lhe atendem ao chamado e os maus não o temem.”

477. As fórmulas de exorcismo têm qualquer eficácia sobre os maus Espíritos? “Não. Estes últimos riem e se obstinam, quando veem alguém tomar isso a sério.”

478. Pessoas há, animadas de boas intenções e que, nada obstante, não deixam de ser obsidiadas. Qual, então, o melhor meio de nos livrarmos dos Espíritos obsessores? “Cansar-lhes a paciência, nenhum valor lhes dar às sugestões, mostrar-lhes que perdem o tempo. Em vendo que nada conseguem, afastam-se.”

 479. A prece é meio eficiente para a cura da obsessão? “A prece é em tudo um poderoso auxílio. Mas, crede que não basta que alguém murmure algumas palavras, para que obtenha o que deseja. Deus assiste os que obram, não os que se limitam a pedir. É, pois, indispensável que o obsidiado faça, por sua parte, o que se torne necessário para destruir em si mesmo a causa da atração dos maus Espíritos.”

480. Que se deve pensar da expulsão dos demônios, mencionada no Evangelho? “Depende da interpretação que se lhe dê. Se chamais demônio ao mau Espírito que subjugue um indivíduo, desde que se lhe destrua a influência, ele terá sido verdadeiramente expulso. Se ao demônio atribuirdes a causa de uma enfermidade, quando a houverdes curado direis com acerto que expulsastes o demônio. Uma coisa pode ser verdadeira ou falsa, conforme o sentido que empresteis às palavras. As maiores verdades estão sujeitas a parecer absurdos, uma vez que se atenda apenas à forma, ou que se considere como realidade a alegoria. Compreendei bem isto e não o esqueçais nunca, pois que se presta a uma aplicação geral.”

CONVULSIONÁRIOS

 481. Desempenham os Espíritos algum papel nos fenômenos que se dão com os indivíduos chamados convulsionários? “Sim e muito importante, bem como o magnetismo, que é a causa originária de tais fenômenos. O charlatanismo, porém, os tem amiúde explorado e exagerado, de sorte a lançá-los ao ridículo.” a) — De que natureza são, em geral, os Espíritos que concorrem para a produção desta espécie de fenômenos? “Pouco elevada. Supondes que Espíritos superiores se deleitem com tais coisas?”

482. Como é que sucede estender-se subitamente a toda uma população o estado anormal dos convulsionários e dos que sofrem de crises nervosas? “Efeito de simpatia. As disposições morais se comunicam mui facilmente, em certos casos. Não és tão alheio aos efeitos magnéticos que não compreendas isto e a parte que alguns Espíritos naturalmente tomam no fato, por simpatia com os que os provocam.” Entre as singulares faculdades que se notam nos convulsionários, algumas facilmente se reconhecem, de que numerosos exemplos oferecem o sonambulismo e o magnetismo, tais como, além de outras, a insensibilidade física, a leitura do pensamento, a transmissão das dores, por simpatia, etc. Não há, pois, duvidar de que aqueles em quem tais crises se manifestam estejam numa espécie de sonambulismo desperto, provocado pela influência que exercem uns sobre os outros. Eles são ao mesmo tempo magnetizadores e magnetizados, inconscientemente.

483. Qual a causa da insensibilidade física que se observa em alguns convulsionários, assim como em outros indivíduos submetidos às mais atrozes torturas? “Em alguns é, exclusivamente, efeito do magnetismo, que atua sobre o sistema nervoso, do mesmo modo que certas substâncias. Em outros, a exaltação do pensamento embota a sensibilidade. Dir-se-ia que nestes a vida se retirou do corpo, para se concentrar toda no Espírito. Não sabeis que, quando o Espírito está vivamente preocupado com uma coisa, o corpo nada sente, nada vê e nada ouve?” A exaltação fanática e o entusiasmo hão proporcionado, em casos de suplícios, múltiplos exemplos de uma calma e de um sangue frio que não seriam capazes de triunfar de uma dor aguda, senão admitindo-se que a sensibilidade se acha neutralizada, como por efeito de um anestésico. Sabe-se que, no ardor da batalha, combatentes há que não se apercebem de que estão gravemente feridos, ao passo que, em circunstâncias ordinárias, uma simples arranhadura os poria trêmulos. Visto que esses fenômenos dependem de uma causa física e da ação de certos Espíritos, lícito se torna perguntar como há podido uma autoridade pública fazê-los cessar em alguns casos. Simples a razão. Meramente secundária é aqui a ação dos Espíritos, que nada mais fazem do que aproveitar-se de uma disposição natural. A autoridade não suprimiu essa disposição, mas a causa que a entretinha e exaltava. De ativa que era, passou esta a ser latente. E a autoridade teve razão para assim proceder, porque do fato resultava abuso e escândalo. Sabe-se, demais, que semelhante intervenção nenhum poder absolutamente tem, quando a ação dos Espíritos é direta e espontânea.

AFEIÇÃO QUE OS ESPÍRITOS VOTAM A CERTAS PESSOAS

484. Os Espíritos se afeiçoam de preferência a certas pessoas? “Os bons Espíritos simpatizam com os homens de bem, ou suscetíveis de se melhorarem. Os Espíritos inferiores com os homens viciosos, ou que podem tornar-se tais. Daí suas afeições, como consequência da conformidade dos sentimentos.”

485. É exclusivamente moral a afeição que os Espíritos votam a certas pessoas? “A verdadeira afeição nada tem de carnal; mas, quando um Espírito se apega a uma pessoa, nem sempre o faz só por afeição. À estima que essa pessoa lhe inspira pode agregar-se uma reminiscência das paixões humanas.”

486. Interessam-se os Espíritos pelas nossas desgraças e pela nossa prosperidade? Afligem-se os que nos querem bem com os males que padecemos durante a vida? “Os bons Espíritos fazem todo o bem que lhes é possível e se sentem ditosos com as vossas alegrias. Afligem-se com os vossos males, quando os não suportais com resignação, porque nenhum benefício então tirais deles, assemelhando-vos, em tais casos, ao doente que rejeita a beberagem amarga que o há de curar.”

487. Dentre os nossos males, de que natureza são os de que mais se afligem os Espíritos por nossa causa? Serão os males físicos ou os morais? “O vosso egoísmo e a dureza dos vossos corações. Daí decorre tudo o mais. Riem-se de todos esses males imaginários que nascem do orgulho e da ambição. Rejubilam com os que redundam na abreviação do tempo das vossas provas.” Sabendo ser transitória a vida corporal e que as tribulações que lhe são inerentes constituem meios de alcançarmos melhor estado, os Espíritos mais se afligem pelos nossos males devidos a causas de ordem moral, do que pelos nossos sofrimentos físicos, todos passageiros. Pouco se incomodam com as desgraças que apenas atingem as nossas idéias mundanas, tal qual fazemos com as mágoas pueris das crianças. Vendo nas amarguras da vida um meio de nos adiantarmos, os Espíritos as consideram como a crise ocasional de que resultará a salvação do doente. Compadecem-se dos nossos sofrimentos, como nos compadecemos dos de um amigo. Porém, enxergando as coisas de um ponto de vista mais justo, os apreciam de um modo diverso do nosso. Então, ao passo que os bons nos levantam o ânimo no interesse do nosso futuro, os outros nos impelem ao desespero, objetivando comprometer-nos.

488. Os parentes e amigos, que nos precederam na outra vida, maior simpatia nos votam do que os Espíritos que nos são estranhos? “Sem dúvida e quase sempre vos protegem como Espíritos, de acordo com o poder de que dispõem.” a) — São sensíveis à afeição que lhes conservamos? “Muito sensíveis, mas esquecem-se dos que os olvidam.”

ANJOS-DE-GUARDA. ESPÍRITOS PROTETORES, FAMILIARES OU SIMPÁTICOS

 489. Há Espíritos que se liguem particularmente a um indivíduo para protegê-lo? “Há o irmão espiritual, o que chamais o bom Espírito ou o bom gênio.”

490. Que se deve entender por anjo de guarda ou anjo guardião? “O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada.”

491. Qual a missão do Espírito protetor? “A de um pai com relação aos filhos; a de guiar o seu protegido pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições, levantar-lhe o ânimo nas provas da vida.”

492. O Espírito protetor se dedica ao indivíduo desde o seu nascimento? “Desde o nascimento até a morte e muitas vezes o acompanha na vida espírita, depois da morte, e mesmo através de muitas existências corpóreas, que mais não são do que fases curtíssimas da vida do Espírito.”

493. É voluntária ou obrigatória a missão do Espírito protetor? “O Espírito fica obrigado a vos assistir, uma vez que aceitou esse encargo. Cabe-lhe, porém, o direito de escolher seres que lhe sejam simpáticos. Para alguns, é um prazer; para outros, missão ou dever.” a) — Dedicando-se a uma pessoa, renuncia o Espírito a proteger outros indivíduos? “Não; mas protege-os menos exclusivamente.”

494. O Espírito protetor fica fatalmente preso à criatura confiada à sua guarda? “Frequentemente sucede que alguns Espíritos deixam suas posições de protetores para desempenhar diversas missões. Mas, nesse caso, outros os substituem.”

495. Poderá dar-se que o Espírito protetor abandone o seu protegido, por se lhe mostrar este rebelde aos conselhos? “Afasta-se, quando vê que seus conselhos são inúteis e que mais forte é, no seu protegido, a decisão de submeter-se à influência dos Espíritos inferiores. Mas, não o abandona completamente e sempre se faz ouvir. É então o homem quem tapa os ouvidos. O protetor volta desde que este o chame. “É uma doutrina, esta, dos anjos guardiães, que, pelo seu encanto e doçura, devera converter os mais incrédulos”. Não vos parece grandemente consoladora a idéia de terdes sempre junto de vós seres que vos são superiores, prontos sempre a vos aconselhar e amparar, a vos ajudar na ascensão da abrupta montanha do bem; mais sinceros e dedicados amigos do que todos os que mais intimamente se vos liguem na Terra? Eles se acham ao vosso lado por ordem de Deus. Foi Deus quem aí os colocou e, aí permanecendo por amor de Deus, desempenham bela, porém penosa missão. Sim, onde quer que estejais, estarão convosco. Nem nos cárceres, nem nos hospitais, nem nos lugares de devassidão, nem na solidão, estais separados desses amigos a quem não podeis ver, mas cujo brando influxo vossa alma sente, ao mesmo tempo que lhes ouve os ponderados conselhos. “Ah! se conhecêsseis bem esta verdade! Quanto vos ajudaria nos momentos de crise! Quanto vos livraria dos maus Espíritos! Mas, oh! quantas vezes, no dia solene, não se verá esse anjo constrangido a vos observar: ‘Não te aconselhei isto? Entretanto, não o fizeste. Não te mostrei o abismo? Contudo, nele te precipitaste! Não fiz ecoar na tua consciência a voz da verdade? Preferiste, no entanto, seguir os conselhos da mentira!’ Oh! interrogai os vossos anjos guardiães; estabelecei entre eles e vós essa terna intimidade que reina entre os melhores amigos. Não penseis em lhes ocultar nada, pois que eles têm o olhar de Deus e não podeis enganá-los. Pensai no futuro; procurai adiantar-vos na vida presente. Assim fazendo, encurtareis vossas provas e mais felizes tornareis as vossas existências. Vamos, homens, coragem! De uma vez por todas, lançai para longe todos os preconceitos e idéias preconcebidas. Entrai na nova senda que diante dos passos se vos abre. Caminhai! Tendes guias, segui-os, que a meta não vos pode faltar, porquanto essa meta é o próprio Deus. “Aos que considerem impossível que Espíritos verdadeiramente elevados se consagrem a tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, diremos que nós vos influenciamos as almas, estando embora muitos milhões de léguas distantes de vós. O espaço, para nós, nada é, e, não obstante viverem noutro mundo, os nossos Espíritos conservam suas ligações com os vossos. Gozamos de qualidades que não podeis compreender, mas ficai certos de que Deus não nos impôs tarefa superior às nossas forças e de que não vos deixou sós na Terra, sem amigos e sem amparo. Cada anjo de guarda tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre, quando ele lhe despreza os conselhos. “Não receeis fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai estar sempre em relação conosco. Sereis assim mais fortes e mais felizes. São essas comunicações de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano sem margens, levando de roldão a incredulidade e a ignorância. Homens doutos, instruí os vossos semelhantes; homens de talento, educai os vossos irmãos. Não imaginais que obra fazeis desse modo: a do Cristo, a que Deus vos impõe. Para que vos outorgou Deus a inteligência e o saber, senão para os repartirdes com os vossos irmãos, senão para fazerdes que se adiantem pela senda que conduz à bem-aventurança, à felicidade eterna? Nada tem de surpreendente a doutrina dos anjos guardiães, a velarem pelos seus protegidos, malgrado à distância que medeia entre os mundos. É, ao contrário, grandiosa e sublime. Não vemos na Terra o pai velar pelo filho, ainda que de muito longe, e auxiliá-lo com seus conselhos correspondendo-se com ele? Que motivo de espanto haverá, então, em que os Espíritos possam, de um outro mundo, guiar os que, habitantes da Terra, eles tomaram sob sua proteção, uma vez que, para eles, a distância que vai de um mundo a outro é menor do que a que, neste planeta, separa os continentes? Não dispõem, além disso, do fluido universal, que entrelaça todos os mundos, tornando-os solidários; veículo imenso da transmissão dos pensamentos, como o ar é, para nós, o da transmissão do som?

496. O Espírito, que abandona o seu protegido, que deixa de lhe fazer bem, pode fazer-lhe mal? “Os bons Espíritos nunca fazem mal. Deixam que o façam aqueles que lhes tomam o lugar. Costumais então lançar à conta da sorte as desgraças que vos acabrunham, quando só as sofreis por culpa vossa.”

497. Pode um Espírito protetor deixar o seu protegido à mercê de outro Espírito que lhe queira fazer mal? “Os maus Espíritos se unem para neutralizar a ação dos bons. Mas, se o quiser, o protegido dará toda a força ao seu protetor. Pode acontecer que o bom Espírito encontre alhures uma boa vontade a ser auxiliada. Aplica-se então em auxiliá-la, aguardando que seu protegido lhe volte.” 498. Será por não poder lutar contra Espíritos malévolos que um Espírito protetor deixa que seu protegido se transvie na vida? “Não é porque não possa, mas porque não quer. E não quer, porque das provas sai o seu protegido mais instruído e perfeito. Assiste-o sempre com seus conselhos, dando-os por meio dos bons pensamentos que lhe inspira, porém que quase nunca são atendidos. A fraqueza, o descuido ou o orgulho do homem são exclusivamente o que empresta força aos maus Espíritos, cujo poder todo advém do fato de lhes não opordes resistência.”

498. Será por não poder lutar contra Espíritos malévolos que um Espírito protetor deixa que seu protegido se transvie na vida? “Não é porque não possa, mas porque não quer. E não quer, porque das provas sai o seu protegido mais instruído e perfeito. Assiste-o sempre com seus conselhos, dando-os por meio dos bons pensamentos que lhe inspira, porém que quase nunca são atendidos. A fraqueza, o descuido ou o orgulho do homem são exclusivamente o que empresta for- ça aos maus Espíritos, cujo poder todo advém do fato de lhes não opordes resistência.”

499. O Espírito protetor está constantemente com o seu protegido? Não haverá alguma circunstância em que, sem abandoná-lo, ele o perca de vista? “Há circunstâncias em que não é necessário esteja o Espírito protetor junto do seu protegido.”

500. Momentos haverá em que o Espírito deixe de precisar, de então por diante, do seu protetor? “Sim, quando ele atinge o ponto de poder guiar-se a si mesmo, como sucede ao estudante, para o qual um momento chega em que não mais precisa de mestre. Isso, porém, não se dá na Terra.”

501. Por que é oculta a ação dos Espíritos sobre a nossa existência e por que, quando nos protegem, não o fazem de modo ostensivo? “Se vos fosse dado contar sempre com a ação deles, não obraríeis por vós mesmos e o vosso Espírito não progrediria”. Para que este possa adiantar-se, precisa de experiência, adquirindo-a frequentemente à sua custa. É necessário que exercite suas forças, sem o que, seria como a criança a quem não consentem que ande sozinha. A ação dos Espíritos que vos querem bem é sempre regulada de maneira que não vos tolha o livre-arbítrio, porquanto, se não tivésseis responsabilidade, não avançaríeis na senda que vos há de conduzir a Deus. Não vendo quem o ampara, o homem se confia às suas próprias forças. Sobre ele, entretanto, vela o seu guia e, de tempos a tempos, lhe brada, advertindo-o do perigo.”

502. O Espírito protetor, que consegue trazer ao bom caminho o seu protegido, lucra algum bem para si? “Constitui isso um mérito que lhe é levado em conta, seja para seu progresso, seja para sua felicidade. Sente-se ditoso quando vê bem-sucedidos os seus esforços, o que representa, para ele, um triunfo, como triunfo é, para um preceptor, os bons êxitos do seu educando.” a) — É responsável pelo mau resultado de seus esforços? “Não, pois que fez o que de si dependia.”

 503. Sofre o Espírito protetor quando vê que seu protegido segue mau caminho, não obstante os avisos que dele recebe? Não há aí uma causa de turbação da sua felicidade? “Compungem-no os erros do seu protegido, a quem lastima. Tal aflição, porém, não tem analogia com as angústias da paternidade terrena, porque ele sabe que há remédio para o mal e que o que não se faz hoje, amanhã se fará”.

504. Poderemos sempre saber o nome do Espírito nosso protetor, ou anjo-de-guarda? “Como quereis saber nomes para vós inexistentes? Supondes que Espíritos só há os que conheceis?” a) — Como então o podemos invocar, se o não conhecemos? “Dai-lhe o nome que quiserdes, o de Espírito superior que vos inspire simpatia ou veneração. O vosso protetor acudirá ao apelo que com esse nome lhe dirigirdes, visto que todos os bons Espíritos são irmãos e se assistem mutuamente.”

505. Os protetores, que dão nomes conhecidos, sempre são, realmente, os Espíritos das personalidades que tiveram esses nomes? “Não. Muitas vezes, os que os dão são Espíritos simpáticos aos que de tais nomes usaram na Terra e, a mando destes, respondem ao vosso chamamento. Fazeis questão de nomes; eles tomam um que vos inspire confiança. Quando não podeis desempenhar pessoalmente determinada missão, não costumais mandar que outro, por quem respondeis como por vós mesmos, obre em vosso nome?”

506. Na vida espírita, reconheceremos o Espírito nosso protetor? “Decerto, pois não é raro que o tenhais conhecido antes de encarnardes.”

507. Pertencem todos os Espíritos protetores à classe dos Espíritos elevados? Podem contar-se entre os de classe média? Um pai, por exemplo, pode tornar-se o Espírito protetor de seu filho? “Pode, mas a proteção pressupõe certo grau de elevação e um poder ou uma virtude a mais, concedidos por Deus. O pai, que protege seu filho, também pode ser assistido por um Espírito mais elevado.”

508. Os Espíritos que se achavam em boas condições ao deixarem a Terra, sempre podem proteger os que lhes são caros e que lhes sobrevivem? “Mais ou menos restrito é o poder de que desfrutam. A situação em que se encontram nem sempre lhes permite inteira liberdade de ação.”

509. Quando em estado de selvageria ou de inferioridade moral, têm os homens, igualmente, seus Espíritos protetores? E, assim sendo, esses Espíritos são de ordem tão elevada quanto a dos Espíritos protetores de homens muito adiantados? “Todo homem tem um Espírito que por ele vela, mas as missões são relativas ao fim que visam. Não dais a uma criança, que está aprendendo a ler, um professor de filosofia. O progresso do Espírito familiar guarda relação com o do Espírito protegido. Tendo um Espírito que vela por vós, podeis tornar-vos, a vosso turno, o protetor de outro que vos seja inferior e os progressos que este realize, com o auxílio que lhe dispensardes, contribuirão para o vosso adiantamento. Deus não exige do Espírito mais do que comportem a sua natureza e o grau de elevação a que já chegou.”

510. Quando o pai, que vela pelo filho, reencarna, continua a velar por ele? Isso é mais difícil. Contudo, de certo modo o faz, pedindo, num instante de desprendimento, a um Espírito simpático que o assista nessa missão. Demais, os Espíritos só aceitam missões que possam desempenhar até ao fim. “Encarnado, mormente em mundo onde a existência é material, o Espírito se acha muito sujeito ao corpo para poder dedicar-se inteiramente a outro Espírito, isto é, para poder assisti-lo pessoalmente. Tanto assim que os que ainda se não elevaram bastante são também assistidos por outros, que lhes estão acima, de tal sorte que, se por qualquer circunstância um vem a faltar, outro lhe supre a falta.”

511. A cada indivíduo achar-se-á ligado, além do Espírito protetor, um mau Espírito, com o fim de impeli-lo ao erro e de lhe proporcionar ocasiões de lutar entre o bem e o mal? “Ligado, não é o termo. É certo que os maus Espíritos procuram desviar do bom caminho o homem, quando se lhes depara ocasião. Sempre, porém, que um deles se liga a um indivíduo, fá-lo por si mesmo, porque conta ser atendido. Há então luta entre o bom e o mau, vencendo aquele por quem o homem se deixe influenciar.”

512. Podemos ter muitos Espíritos protetores? “Todo homem conta sempre Espíritos, mais ou menos elevados, que com ele simpatizam, que lhe dedicam afeto e por ele se interessam, como também tem junto de si outros que o assistem no mal.”

513. Os Espíritos que conosco simpatizam atuam em cumprimento de missão? “Não raro, desempenham missão temporária; porém, as mais das vezes, são apenas atraídos pela identidade de pensamentos e sentimentos, assim para o bem como para o mal”. a) — Parece lícito inferir-se daí que os Espíritos a quem somos simpáticos podem ser bons ou maus, não? “Sim, qualquer que seja o seu caráter, o homem sempre encontra Espíritos que com ele simpatizem.”

514. Os Espíritos familiares são os mesmos a quem chamamos Espíritos simpáticos ou Espíritos protetores? “Há gradações na proteção e na simpatia. Dai-lhes os nomes que quiserdes. O Espírito familiar é antes o amigo da casa.” Das explicações acima e das observações feitas sobre a natureza dos Espíritos que se afeiçoam ao homem, pode-se deduzir o seguinte: O Espírito protetor, anjo de guarda, ou bom gênio é o que tem por missão acompanhar o homem na vida e ajudá-lo a progredir. É sempre de natureza superior, com relação ao protegido. Os Espíritos familiares se ligam a certas pessoas por laços mais ou menos duráveis, com o fim de lhes serem úteis, dentro dos limites do poder, quase sempre muito restrito, de que dispõem. São bons, porém muitas vezes pouco adiantados e mesmo um tanto levianos. Ocupam-se de boa mente com as particularidades da vida íntima e só atuam por ordem ou com permissão dos Espíritos protetores. Os Espíritos simpáticos são os que se sentem atraídos para o nosso lado por afeições particulares e ainda por uma certa semelhança de gostos e de sentimentos, tanto para o bem como para o mal. De ordinário, a duração de suas relações se acha subordinada às circunstâncias. O mau gênio é um Espírito imperfeito ou perverso, que se liga ao homem para desviá-lo do bem. Obra, porém, por impulso próprio e não no desempenho de missão. A tenacidade da sua ação está em relação direta com a maior ou menor facilidade de acesso que encontre por parte do homem, que goza sempre da liberdade de escutar-lhe a voz ou de lhe cerrar os ouvidos.

515. Que se há de pensar dessas pessoas que se ligam a certos indivíduos para levá-los à perdição, ou para guiá-los pelo bom caminho? “Efetivamente, certas pessoas exercem sobre outras uma espécie de fascinação que parece irresistível. Quando isso se dá no sentido do mal, são maus Espíritos, de que outros Espíritos também maus se servem para subjugá-las. Deus permite que tal coisa ocorra para vos experimentar.”

516. Poderiam os nossos bom e mau gênios encarnar, a fim de mais de perto nos acompanharem na vida? “Isso às vezes se dá. Porém, o que mais frequentemente se verifica é encarregarem dessa missão outros Espíritos encarnados que lhes são simpáticos.”

517. Haverá Espíritos que se liguem a uma família inteira para protegê-la? “Alguns Espíritos se ligam aos membros de uma determinada família, que vivem juntos e unidos pela afeição; mas, não acrediteis em Espíritos protetores do orgulho das raças.”

518. Assim como são atraídos, pela simpatia, para certos indivíduos, são-no igualmente os Espíritos, por motivos particulares, para as reuniões de indivíduos? “Os Espíritos preferem estar no meio dos que se lhes assemelham. Acham-se aí mais à vontade e mais certos de serem ouvidos. É pelas suas tendências que o homem atrai os Espíritos e isso quer esteja só, quer faça parte de um todo coletivo, como uma sociedade, uma cidade, ou um povo. Portanto, as sociedades, as cidades e os povos são, de acordo com as paixões e o caráter neles predominante, assistido por Espíritos mais ou menos elevados. Os Espíritos imperfeitos se afastam dos que os repelem. Segue-se que o aperfeiçoamento moral das coletividades, como o dos indivíduos, tende a afastar os maus Espíritos e a atrair os bons, que estimulam e alimentam nelas o sentimento do bem, como outros lhes podem insuflar as paixões grosseiras.”

519. As aglomerações de indivíduos, como as sociedades, as cidades, as nações, têm Espíritos protetores especiais? “Têm, pela razão de que esses agregados são individualidades coletivas que, caminhando para um objetivo comum, precisam de uma direção superior.”

520. Os Espíritos protetores das coletividades são de natureza mais elevada do que os que se ligam aos indivíduos? “Tudo é relativo ao grau de adiantamento, quer se trate de coletividades, quer de indivíduos.”

521. Podem certos Espíritos auxiliar o progresso das artes, protegendo os que às artes se dedicam? “Há Espíritos protetores especiais e que assistem os que os invocam, quando dignos dessa assistência. Que queres, porém, que façam com os que julgam ser o que não são? Não lhes cabe fazer que os cegos vejam, nem que os surdos ouçam.” Os antigos fizeram, desses Espíritos, divindades especiais. As Musas não eram senão a personificação alegórica dos Espíritos protetores das ciências e das artes, como os deuses Lares e Penates simbolizavam os Espíritos protetores da família. Também modernamente, as artes, as diferentes indústrias, as cidades, os países têm seus patronos, que mais não são do que Espíritos superiores, sob várias designações. Tendo todo homem Espíritos que com ele simpatizam, claro é que, nos corpos coletivos, a generalidade dos Espíritos que lhes votam simpatia está em proporção com a generalidade dos indivíduos; que os Espíritos estranhos são atraídos para essas coletividades pela identidade dos gostos e das idéias; em suma, que esses agregados de pessoas, tanto quanto os indivíduos, são mais ou menos bem assistidos e influenciados, de acordo com a natureza dos sentimentos dominantes entre os elementos que os compõem. Nos povos, determinam a atração dos Espíritos os costumes, os hábitos, o caráter dominante e as leis, as leis sobretudo, porque o caráter de uma nação se reflete nas suas leis. Fazendo reinar em seu seio a justiça, os homens combatem a influência dos maus Espíritos. Onde quer que as leis consagrem coisas injustas, contrárias à Humanidade, os bons Espíritos ficam em minoria e a multidão, que aflui, dos maus mantém a nação aferrada às suas idéias e paralisa as boas influências parciais, que ficam perdidas no conjunto, como insuladas espigas entre espinheiros. Estudando-se os costumes dos povos ou de qualquer reunião de homens, facilmente se forma idéia da população oculta que se lhes imiscui no modo de pensar e nos atos.

PRESSENTIMENTOS

522. O pressentimento é sempre um aviso do Espírito protetor? “É o conselho íntimo e oculto de um Espírito que vos quer bem. Também está na intuição da escolha que se haja feito. É a voz do instinto. Antes de encarnar, tem o Espírito conhecimento das fases principais de sua existência, isto é, do gênero das provas a que se submete. Tendo estas caráter assinalado, ele conserva, no seu foro íntimo, uma espécie de impressão de tais provas e esta impressão, que é a voz do instinto, fazendo-se ouvir quando lhe chega o momento de sofrê-las, se torna pressentimento.”

523. Acontecendo que os pressentimentos e a voz do instinto são sempre algum tanto vagos, que devemos fazer, na incerteza em que ficamos? “Quando te achares na incerteza, invoca o teu bom Espírito, ou ora a Deus, soberano senhor de todos, e ele te enviará um de seus mensageiros, um de nós.”

524. Os avisos dos Espíritos protetores objetivam unicamente o nosso procedimento moral, ou também o proceder que devamos adotar nos assuntos da vida particular? “Tudo. Eles se esforçam para que vivais o melhor possível. Mas, quase sempre tapais os ouvidos aos avisos salutares e vos tornais desgraçados por culpa vossa.” Os Espíritos protetores nos ajudam com seus conselhos, mediante a voz da consciência que fazem ressoar em nosso íntimo. Como, porém, nem sempre ligamos a isso a devida importância, outros conselhos mais diretos eles nos dão, servindo-se das pessoas que nos cercam. Examine cada um as diversas circunstâncias felizes ou infelizes de sua vida e verá que em muitas ocasiões recebeu conselhos de que se não aproveitou e que lhe teriam poupado muitos desgostos, se os houvera escutado.

INFLUÊNCIA DOS ESPÍRITOS NOS ACONTECIMENTOS DA VIDA

 525. Exercem os Espíritos alguma influência nos acontecimentos da vida? “Certamente, pois que vos aconselham.” a) — Exercem essa influência por outra forma que não apenas pelos pensamentos que sugerem, isto é, têm ação direta sobre o cumprimento das coisas? “Sim, mas nunca atuam fora das leis da Natureza.” Imaginamos erradamente que aos Espíritos só caiba manifestar sua ação por fenômenos extraordinários. Quiséramos que nos viessem auxiliar por meio de milagres e os figuramos sempre armados de uma varinha mágica. Por não ser assim é que oculta nos parece a intervenção que têm nas coisas deste mundo e muito natural o que se executa com o concurso deles. Assim é que, provocando, por exemplo, o encontro de duas pessoas, que suporão encontrar-se por acaso; inspirando a alguém a idéia de passar por determinado lugar; chamando-lhe a atenção para certo ponto, se disso resulta o que tenham em vista, eles obram de tal maneira que o homem, crente de que obedece a um impulso próprio, conserva sempre o seu livre-arbítrio.

526. Tendo, como têm, ação sobre a matéria, podem os Espíritos provocar certos efeitos, com o objetivo de que se dê um acontecimento? Por exemplo: um homem tem que morrer; sobe uma escada, a escada se quebra e ele morre da queda. Foram os Espíritos que quebraram a escada, para que o destino daquele homem se cumprisse? “É exato que os Espíritos têm ação sobre a matéria, mas para cumprimento das leis da Natureza, não para as derrogar, fazendo que, em dado momento, ocorra um sucesso inesperado e em contrário àquelas leis. No exemplo que figuraste, a escada se quebrou porque se achava podre, ou por não ser bastante forte para suportar o peso de um homem. Se era destino daquele homem perecer de tal maneira, os Espíritos lhe inspirariam a idéia de subir a escada em questão, que teria de quebrar-se com o seu peso, resultando-lhe daí a morte por um efeito natural e sem que para isso fosse mister a produção de um milagre.”

527. Tomemos outro exemplo, em que não entre a matéria em seu estado natural. Um homem tem que morrer fulminado pelo raio. Refugia-se debaixo de uma árvore. Estala o raio e o mata. Poderá dar-se tenham sido os Espíritos que provocaram a produção do raio e que o dirigiram para o homem? “Dá-se o mesmo que anteriormente. O raio caiu sobre aquela árvore em tal momento, porque estava nas leis da Natureza que assim acontecesse. Não foi encaminhado para a árvore, por se achar debaixo dela o homem. A este, sim, foi inspirada a idéia de se abrigar debaixo de uma árvore sobre a qual cairia o raio, porquanto a árvore não deixaria de ser atingida, só por não lhe estar debaixo da fronde o homem.”

528. No caso de uma pessoa mal-intencionada disparar sobre outra um projetil que apenas lhe passe perto sem atingir, poderá ter sucedido que um Espírito bondoso haja desviado o projetil? “Se o indivíduo alvejado não tem que perecer desse modo, o Espírito bondoso lhe inspirará a idéia de se desviar, ou então poderá ofuscar o que empunha a arma, de sorte a fazê-lo apontar mal, porquanto, uma vez disparada a arma, o projetil segue a linha que tem de percorrer.”

529. Que se deve pensar das balas encantadas, de que falam algumas lendas e que fatalmente atingem o alvo? “Pura imaginação. O homem gosta do maravilhoso e não se contenta com as maravilhas da Natureza.” a) — Podem os Espíritos que dirigem os acontecimentos terrenos ter obstada sua ação por Espíritos que queiram o contrário? “O que Deus quer se executa. Se houver demora na execução, ou lhe surjam obstáculos, é porque ele assim o quis.”

530. Não podem os Espíritos levianos e zombeteiros criar pequenos embaraços à realização dos nossos projetos e transtornar as nossas previsões? Serão eles, numa palavra, os causadores do que chamamos pequenas misérias da vida humana? “Eles se comprazem em vos causar aborrecimentos que representam para vós provas destinadas a exercitar a vossa paciência. Cansam-se, porém, quando veem que nada conseguem. Entretanto, não seria justo, nem acertado, imputar-lhes todas as decepções que experimentais e de que sois os principais culpados pela vossa irreflexão. Fica certo de que, se a tua louça se quebra, é mais por desazo teu do que por culpa dos Espíritos.” a) — Destes, os que provocam contrariedades obram impelidos por animosidade pessoal, ou assim procedem contra qualquer, sem motivo determinado, por pura malícia? “Por uma e outra coisa. Às vezes os que assim vos molestam são inimigos que granjeastes nesta ou em precedente existência. Doutras vezes, nenhum motivo há.”

531. Extingue-se-lhes com a vida corpórea a malevolência dos seres que nos fizeram mal na Terra? “Muitas vezes reconhecem a injustiça com que procederam e o mal que causaram. Mas, também, não é raro que continuem a perseguir-vos, cheios de animosidade, se Deus o permitir, por ainda vos experimentar.” a) — Pode-se pôr termo a isso? Por que meio? “Podeis. Orando por eles e lhes retribuindo o mal com o bem, acabarão compreendendo a injustiça do proceder deles. Demais, se souberdes colocar-vos acima de suas maquinações, deixar-vos-ão, por verificarem que nada lucram.” A experiência demonstra que alguns Espíritos continuam em outra existência a exercer as vinganças que vinham tomando e que assim, cedo ou tarde, o homem paga o mal que tenha feito a outrem.

532. Têm os Espíritos o poder de afastar de certas pessoas os males e de favorecê-las com a prosperidade? De todo, não; porquanto, há males que estão nos decretos da Providência. Amenizam-vos, porém, as dores, dando-vos paciência e resignação. “Ficai igualmente sabendo que de vós depende muitas vezes poupar-vos aos males, ou, quando menos, atenuá-los. A inteligência, Deus vo-la outorgou para que dela vos sirvais e é principalmente por meio da vossa inteligência que os Espíritos vos auxiliam, sugerindo-vos idéias propícias ao vosso bem. Mas, não assistem senão os que sabem assistir-se a si mesmos. Esse o sentido destas palavras: Buscai e achareis, batei e se vos abrirá. “Sabei ainda que nem sempre é um mal o que vos parece sê-lo. Frequentemente, do que considerais um mal sairá um bem muito maior. Quase nunca compreendeis isso, porque só atentais no momento presente ou na vossa própria pessoa.

533. Podem os Espíritos fazer que obtenham riquezas os que lhes pedem que assim aconteça? “Algumas vezes, como prova. Quase sempre, porém, recusam, como se recusa à criança a satisfação de um pedido inconsiderado. a) — São os bons ou os maus Espíritos que concedem esses favores? Uns e outros. Depende da intenção. As mais das vezes, entretanto, os que os concedem são os Espíritos que vos querem arrastar para o mal e que encontram meio fácil de o conseguirem, facilitando-vos os gozos que a riqueza proporciona.

534. Será por influência de algum Espírito que, fatalmente, a realização dos nossos projetos parece encontrar obstáculos? “Algumas vezes é isso efeito da ação dos Espíritos; muito mais vezes, porém, é que andais errados na elaboração e na execução dos vossos projetos. Muito influem nesses casos a posição e o caráter do indivíduo. Se vos obstinais em ir por um caminho que não deveis seguir, os Espíritos nenhuma culpa têm dos vossos insucessos. Vós mesmos vos constituís em vossos maus gênios.”

535. Quando algo de venturoso nos sucede é ao Espírito nosso protetor que devemos agradecê-lo? “Agradecei primeiramente a Deus, sem cuja permissão nada se faz; depois, aos bons Espíritos que foram os agentes da sua vontade.” a) — Que sucederia se nos esquecêssemos de agradecer? “O que sucede aos ingratos.” b) — No entanto, pessoas há que não pedem nem agradecem e às quais tudo sai bem! “Assim é, de fato, mas importa ver o fim. Pagarão bem caro essa felicidade de que não são merecedoras, pois quanto mais houverem recebido, tanto maiores contas terão que prestar.”

AÇÃO DOS ESPÍRITOS NOS FENÔMENOS DA NATUREZA

536. São devidos a causas fortuitas, ou, ao contrário, têm todos um fim providencial, os grandes fenômenos da Natureza, os que se consideram como perturbação dos elementos? “Tudo tem uma razão de ser e nada acontece sem a permissão de Deus.”

a) — Objetivam sempre o homem esses fenômenos? “Às vezes têm, como imediata razão de ser, o homem. Na maioria dos casos, entretanto, têm por único motivo o restabelecimento do equilíbrio e da harmonia das forças físicas da Natureza.” b) — Concebemos perfeitamente que a vontade de Deus seja a causa primária, nisto como em tudo; porém, sabendo que os Espíritos exercem ação sobre a matéria e que são os agentes da vontade de Deus, perguntamos se alguns dentre eles não exercerão certa influência sobre os elementos para os agitar, acalmar ou dirigir? “Mas, evidentemente. Nem poderia ser de outro modo. Deus não exerce ação direta sobre a matéria. Ele encontra agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos.”

537. A mitologia dos antigos se fundava inteiramente em idéias espíritas, com a única diferença de que consideravam os Espíritos como divindades. Representavam esses deuses ou esses Espíritos com atribuições especiais. Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir ao fenômeno da vegetação, etc. Semelhante crença é totalmente destituída de fundamento? “Tão pouco destituída é de fundamento, que ainda está muito aquém da verdade.” a) — Poderá então haver Espíritos que habitem o interior da Terra e presidam aos fenômenos geológicos? “Tais Espíritos não habitam positivamente a Terra. Presidem aos fenômenos e os dirigem de acordo com as atribuições que têm. Dia virá em que recebereis a explicação de todos esses fenômenos e os compreendereis melhor.”

538. Formam categoria especial no mundo espírita os Espíritos que presidem aos fenômenos da Natureza? Serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados como nós? “Que foram ou que o serão.” a) — Pertencem esses Espíritos às ordens superiores ou às inferiores da hierarquia espírita? “Isso é conforme seja mais ou menos material, mais ou menos inteligente o papel que desempenhem. Uns mandam, outros executam. Os que executam coisas materiais são sempre de ordem inferior, assim entre os Espíritos, como entre os homens.”

539. A produção de certos fenômenos, das tempestades, por exemplo, é obra de um só Espírito, ou muitos se reúnem, formando grandes massas, para produzi-los? “Reúnem-se em massas inumeráveis.”

540. Os Espíritos que exercem ação nos fenômenos da Natureza operam com conhecimento de causa, usando do livre-arbítrio, ou por efeito de instintivo ou irrefletido impulso? Uns sim, outros não. Estabeleçamos uma comparação. Considera essas miríades de animais que, pouco a pouco, fazem emergir do mar ilhas e arquipélagos. Julgas que não há aí um fim providencial e que essa transformação da superfície do globo não seja necessária à harmonia geral? Entretanto, são animais de ínfima ordem que executam essas obras, provendo às suas necessidades e sem suspeitarem de que são instrumentos de Deus. Pois bem, do mesmo modo, os Espíritos mais atrasados oferecem utilidade ao conjunto. Enquanto se ensaiam para a vida, antes que tenham plena consciência de seus atos e estejam no gozo pleno do livre-arbítrio, atuam em certos fenômenos, de que inconscientemente se constituem os agentes. Primeiramente, executam. Mais tarde, quando suas inteligências já houverem alcançado um certo desenvolvimento, ordenarão e dirigirão as coisas do mundo material. Depois, poderão dirigir as do mundo moral. É assim que tudo serve, que tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo. Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito ainda não pode apreender em seu conjunto!”

OS ESPÍRITOS DURANTE OS COMBATES

541. Durante uma batalha, há Espíritos assistindo e amparando cada um dos exércitos? “Sim, e que lhes estimulam a coragem.” Os antigos figuravam os deuses tomando o partido deste ou daquele povo. Esses deuses eram simplesmente Espíritos representados por alegorias.

542. Estando, numa guerra, a justiça sempre de um dos lados, como pode haver Espíritos que tomem o partido dos que se batem por uma causa injusta? “Bem sabeis haver Espíritos que só se comprazem na discórdia e na destruição. Para esses, a guerra é a guerra. A justiça da causa pouco os preocupa.”

543. Podem alguns Espíritos influenciar o general na concepção de seus planos de campanha? “Sem dúvida alguma. Podem influenciá-lo nesse sentido, como com relação a todas as concepções.”

544. Poderiam maus Espíritos suscitar-lhe planos errôneos com o fim de levá-lo à derrota? “Podem; mas, não tem ele o livre-arbítrio? Se não tiver critério bastante para distinguir uma idéia falsa, sofrerá as consequências e melhor faria se obedecesse, em vez de comandar.”

545. Pode, alguma vez, o general ser guiado por uma espécie de dupla vista, por uma visão intuitiva, que lhe mostre de antemão o resultado de seus planos? “Isso se dá amiúde com o homem de gênio. É o que ele chama inspiração e o que faz que obre com uma espécie de certeza. Essa inspiração lhe vem dos Espíritos que o dirigem, os quais se aproveitam das faculdades de que o veem dotado.”

546. No tumulto dos combates, que se passa com os Espíritos dos que sucumbem? Continuam, após a morte, a interessar-se pela batalha? “Alguns continuam a interessar-se, outros se afastam.” Dá-se, nos combates, o que ocorre em todos os casos de morte violenta: no primeiro momento, o Espírito fica surpreendido e como que atordoado. Julga não estar morto. Parece-lhe que ainda toma parte na ação. Só pouco a pouco a realidade lhe surge.

547. Após a morte, os Espíritos, que como vivos se guerreavam, continuam a considerar-se inimigos e se conservam encarniçados uns contra os outros?

Nessas ocasiões, o Espírito nunca está calmo. Pode acontecer que nos primeiros instantes depois da morte ainda odeie o seu inimigo e mesmo o persiga. Quando, porém, se lhe restabelece a serenidade nas idéias, vê que nenhum fundamento há mais para sua animosidade. Contudo, não é impossível que dela guarde vestígios mais ou menos fortes, conforme o seu caráter) — Continua a ouvir o rumor da batalha? Perfeitamente.

548. O Espírito que, como espectador, assiste calmamente a um combate observa o ato de separar-se a alma do corpo? Como é que esse fenômeno se lhe apresenta à observação? “Raras são as mortes verdadeiramente instantâneas. Na maioria dos casos, o Espírito, cujo corpo acaba de ser mortalmente ferido, não tem consciência imediata desse fato. Somente quando ele começa a reconhecer a nova condição em que se acha, é que os assistentes podem distingui-lo, a mover-se ao lado do cadáver. Parece isso tão natural, que nenhum efeito desagradável lhe causa a vista do corpo morto. Tendo-se a vida toda concentrado no Espírito, só ele prende a atenção dos outros. É com ele que estes conversam, ou a ele é que fazem determinações.”

PACTOS

549. Algo de verdade haverá nos pactos com os maus Espíritos? “Não, não há pactos. Há, porém, naturezas más que simpatizam com os maus Espíritos. Por exemplo: queres atormentar o teu vizinho e não sabes como hás de fazer. Chamas então por Espíritos inferiores que, como tu, só querem o mal e que, para te ajudarem, exigem que também os sirvas em seus maus desígnios. Mas, não se segue que o teu vizinho não possa livrar-se deles por meio de uma conjuração oposta e pela ação da sua vontade. Aquele que intenta praticar uma ação má, pelo simples fato de alimentar essa intenção, chama em seu auxílio maus Espíritos, aos quais fica então obrigado a servir, porque dele também precisam esses Espíritos, para o mal que queiram fazer. Nisto apenas é que consiste o pacto.” O fato de o homem ficar, às vezes, na dependência dos Espí- ritos inferiores nasce de se entregar aos maus pensamentos que estes lhe sugerem e não de estipulações quaisquer que com eles faça. O pacto, no sentido vulgar do termo, é uma alegoria representativa da simpatia existente entre um indivíduo de natureza má e Espíritos malfazejos.

550. Qual o sentido das lendas fantásticas em que figuram indivíduos que teriam vendido suas almas a Satanás para obterem certos favores? “Todas as fábulas encerram um ensinamento e um sentido moral. O vosso erro consiste em tomá-las ao pé da letra. Isso a que te referes é uma alegoria, que se pode explicar desta maneira: aquele que chama em seu auxílio os Espíritos, para deles obter riquezas, ou qualquer outro favor, rebela-se contra a Providência; renuncia à missão que recebeu e às provas que lhe cumpre suportar neste mundo. Sofrerá na vida futura as consequências desse ato. Não quer isto dizer que sua alma fique para sempre condenada à desgraça. Mas, desde que, em lugar de se desprender da matéria, nela cada vez se enterra mais, não terá, no mundo dos Espíritos, a satisfação de que haja gozado na Terra, até que tenha resgatado a sua falta, por meio de novas provas, talvez maiores e mais penosas. Coloca-se, por amor dos gozos materiais, na dependência dos Espíritos impuros. Estabelece-se assim, tacitamente, entre estes e o delinquente, um pacto que o leva à sua perda, mas que lhe será sempre fácil romper, se o quiser firmemente, granjeando a assistência dos bons Espíritos.”

PODER OCULTO. TALISMÃS. FEITICEIROS

551. Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo? “Não; Deus não o permitiria.”

552. Que se deve pensar da crença no poder, que certas pessoas teriam, de enfeitiçar? “Algumas pessoas dispõem de grande força magnética, de que podem fazer mau uso, se maus forem seus próprios Espíritos, caso em que possível se torna serem secundados por outros Espíritos maus. Não creias, porém, num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação de criaturas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis da Natureza. Os fatos que citam, como prova da existência desse poder, são fatos naturais, mal observados e sobretudo mal compreendidos.”

553. Que efeito podem produzir as fórmulas e práticas mediante as quais pessoas há que pretendem dispor do concurso dos Espíritos? “O efeito de torná-las ridículas, se procedem de boa-fé. No caso contrário, são tratantes que merecem castigo. Todas as fórmulas são mera charlatanaria. Não há palavra sacramental nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem talismã, que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porquanto estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.” a) — Mas, não é exato que alguns Espíritos têm ditado, eles próprios, fórmulas cabalísticas? “Efetivamente, Espíritos há que indicam sinais, palavras estranhas, ou prescrevem a prática de atos, por meio dos quais se fazem os chamados conjuros. Mas, ficai certos de que são Espíritos que de vós outros escarnecem e zombam da vossa credulidade.”

554. Não pode aquele que, com ou sem razão, confia no que chama a virtude de um talismã, atrair um Espírito, por efeito mesmo dessa confiança, visto que, então, o que atua é o pensamento, não passando o talismã de um sinal que apenas lhe auxilia a concentração? “É verdade; mas, da pureza da intenção e da elevação dos sentimentos depende a natureza do Espírito que é atraído. Ora, muito raramente aquele que seja bastante simplório para acreditar na virtude de um talismã deixará de colimar um fim mais material do que moral. Qualquer, porém, que seja o caso, essa crença denuncia uma inferioridade e uma fraqueza de idéias que favorecem a ação dos Espíritos imperfeitos e escarninhos.”

555. Que sentido se deve dar ao qualificativo de feiticeiro? “Aqueles a quem chamais feiticeiros são pessoas que, quando de boa-fé, gozam de certas faculdades, como sejam a força magnética ou a dupla vista. Então, como fazem coisas geralmente incompreensíveis, são tidas por dotadas de um poder sobrenatural. Os vossos sábios não têm passado muitas vezes por feiticeiros aos olhos dos ignorantes?” O Espiritismo e o magnetismo nos dão a chave de uma imensidade de fenômenos sobre os quais a ignorância teceu um sem- -número de fábulas, em que os fatos se apresentam exagerados pela imaginação. O conhecimento lúcido dessas duas ciências que, a bem dizer, formam uma única, mostrando a realidade das coisas e suas verdadeiras causas, constitui o melhor preservativo contra as idéias supersticiosas, porque revela o que é possível e o que é impossível, o que está nas leis da Natureza e o que não passa de ridícula crendice.

556. Têm algumas pessoas, verdadeiramente, o poder de curar pelo simples contato? “A força magnética pode chegar até aí, quando secundada pela pureza dos sentimentos e por um ardente desejo de fazer o bem, porque então os bons Espíritos lhe vêm em auxílio. Cumpre, porém, desconfiar da maneira pela qual contam as coisas pessoas muito crédulas e muito entusiastas, sempre dispostas a considerar maravilhoso o que há de mais simples e mais natural. Importa desconfiar também das narrativas interesseiras, que costumam fazer os que exploram, em seu proveito, a credulidade alheia.”

BÊNÇÃOS E MALDIÇÕES 557.

Podem a bênção e a maldição atrair o bem e o mal para aquele sobre quem são lançadas? “Deus não escuta a maldição injusta e culpado perante ele se torna o que a profere. Como temos os dois gênios opostos, o bem e o mal, pode a maldição exercer momentaneamente influência, mesmo sobre a matéria. Tal influência, porém, só se verifica por vontade de Deus como aumento de prova para aquele que é dela objeto. Demais, o que é comum é serem amaldiçoados os maus e abençoados os bons. Jamais a bênção e a maldição podem desviar da senda da justiça a Providência, que nunca fere o maldito, senão quando mau, e cuja proteção não acoberta senão aquele que a merece.”

 

CAPÍTULO X

Das ocupações e missões dos Espíritos

558. Alguma outra coisa incumbe aos Espíritos fazer, que não seja melhorarem-se pessoalmente? “Concorrem para a harmonia do Universo, executando as vontades de Deus, cujos ministros eles são. A vida espírita é uma ocupação contínua, mas que nada tem de penosa, como a vida na Terra, porque não há a fadiga corporal, nem as angústias das necessidades.”

559. Também desempenham função útil no Universo os Espíritos inferiores e imperfeitos? “Todos têm deveres a cumprir. Para a construção de um edifício, não concorre tanto o último dos serventes de pedreiro, como o arquiteto?” (540)

 560. Tem atribuições especiais cada Espírito? “Todos temos que habitar em toda parte e adquirir o conhecimento de todas as coisas, presidindo sucessivamente ao que se efetua em todos os pontos do Universo. Mas, como diz o Eclesiastes, há tempo para tudo. Assim, tal Espírito cumpre hoje neste mundo o seu destino, tal outro cumprirá ou já cumpriu o seu, em época diversa, na terra, na água, no ar, etc.”

561. São permanentes para cada um e estão nas atribuições exclusivas de certas classes as funções que os Espíritos desempenham na ordem das coisas? “Todos têm que percorrer os diferentes graus da escala, para se aperfeiçoarem. Deus, que é justo, não poderia ter dado a uns a ciência sem trabalho, destinando outros a só a adquirirem com esforço.” É o que sucede entre os homens, onde ninguém chega ao supremo grau de perfeição numa arte qualquer, sem que tenha adquirido os conhecimentos necessários, praticando os rudimentos dessa arte.

 562. Já não tendo o que adquirir, os Espíritos da ordem mais elevada se acham em repouso absoluto, ou também lhes tocam ocupações? “Que quererias que fizessem na eternidade? A ociosidade eterna seria um eterno suplício.” a) — De que natureza são as suas ocupações? “Receber diretamente as ordens de Deus, transmiti-las ao Universo inteiro e velar por que sejam cumpridas.”

563. São incessantes as ocupações dos Espíritos? “Incessantes, sim, atendendo-se a que sempre ativos são os seus pensamentos, porquanto vivem pelo pensamento. Importa, porém, não identifiqueis as ocupações dos Espíritos com as ocupações materiais dos homens. Essa mesma atividade lhes constitui um gozo, pela consciência que têm de ser úteis”. a) — Concebe-se isto com relação aos bons Espíritos. Dar-se-á, entretanto, o mesmo com os Espíritos inferiores? “A estes cabem ocupações apropriadas à sua natureza. Confiais, porventura, ao obreiro manual e ao ignorante trabalhos que só o homem instruído pode executar?”

564. Haverá Espíritos que se conservem ociosos, que em coisa alguma útil se ocupem? “Há, mas esse estado é temporário e dependendo do desenvolvimento de suas inteligências. Há, certamente, como há homens que só para si mesmos vivem. Pesa-lhes, porém, essa ociosidade e, cedo ou tarde, o desejo de progredir lhes faz necessária a atividade e felizes se sentirão por poderem tornar-se úteis. Referimo-nos aos Espíritos que hão chegado ao ponto de terem consciência de si mesmos e do seu livre-arbítrio; porquanto, em sua origem, todos são quais crianças que acabam de nascer e que obram mais por instinto que por vontade expressa.”

565. Atentam os Espíritos em nossos trabalhos de arte e por eles se interessam? “Atentam no que prove a elevação dos Espíritos e seus progressos.”

566. Um Espírito, que haja cultivado na Terra uma especialidade artística, que tenha sido, por exemplo, pintor, ou arquiteto, se interessa de preferência pelos trabalhos que constituíram objeto de sua predileção durante a vida? “Tudo se confunde num objetivo geral. Se for um Espírito bom, esses trabalhos o interessarão na medida do ensejo que lhe proporcionem de auxiliar as almas a se elevarem para Deus. Demais, esqueceis que um Espírito que cultivou certa arte, na existência em que o conhecestes, pode ter cultivado outra em anterior existência, pois que lhe cumpre saber tudo para ser perfeito. Assim, conforme o grau do seu adiantamento, pode suceder que nada seja para ele uma especialidade. Foi o que eu quis significar, dizendo que tudo se confunde num objetivo geral. Notai ainda o seguinte: o que, no vosso mundo atrasado, considerais sublime, não passa de infantilidade, comparado ao que há em mundos mais adiantados. Como pretenderíeis que os Espíritos que habitam esses mundos, onde existem artes que desconheceis, admirem o que, aos seus olhos, corresponde a trabalhos de colegiais? Por isso disse eu: atentam no que demonstre progresso.” a) — Concebemos que seja assim, em se tratando de Espíritos muito adiantados. Referimo-nos, porém, a Espíritos mais vulgares, que ainda se não elevaram acima das idéias terrenas. “Com relação a esses, o caso é diferente. Mais restrito é o ponto de vista donde observam as coisas. Podem, portanto, admirar o que vos cause admiração.”

567. Costumam os Espíritos imiscuir-se em nossos prazeres e ocupações? “Os Espíritos vulgares, como dizes, costumam. Esses vos rodeiam constantemente e com frequência tomam parte muito ativa no que fazeis, de conformidade com suas naturezas. Cumpre assim aconteça, porque, para serem os homens impelidos pelas diversas veredas da vida, necessário é que se lhes excitem ou moderem as paixões.” Com as coisas deste mundo os Espíritos se ocupam conformemente ao grau de elevação ou de inferioridade em que se achem. Os Espíritos superiores dispõem, sem dúvida, da faculdade de examiná-las nas suas mínimas particularidades, mas só o fazem na medida em que isso seja útil ao progresso. Unicamente os Espíritos inferiores ligam a essas coisas uma importância relativa às reminiscências que ainda conservam e às idéias materiais que ainda se não extinguiram neles.

568. Os Espíritos, que têm missões a cumprir, as cumprem na erraticidade, ou encarnados? “Podem tê-las num e noutro estado. Para certos Espíritos errantes, é uma grande ocupação.”

569. Em que consistem as missões de que podem ser encarregados os Espíritos errantes? “São tão variadas que impossível fora descrevê-las. Muitas há mesmo que não podeis compreender. Os Espíritos executam as vontades de Deus e não vos é dado penetrar-lhe todos os desígnios.” As missões dos Espíritos têm sempre por objeto o bem. Quer como Espíritos, quer como homens, são incumbidos de auxiliar o progresso da Humanidade, dos povos ou dos indivíduos, dentro de um círculo de idéias mais ou menos amplas, mais ou menos especiais e de velar pela execução de determinadas coisas. Alguns desempenham missões mais restritas e, de certo modo, pessoais ou inteiramente locais, como sejam assistir os enfermos, os agonizantes, os aflitos, velar por aqueles de quem se constituíram guias e protetores, dirigi-los, dando-lhes conselhos ou inspirando-lhes bons pensamentos. Pode dizer-se que há tantos gêneros de missões quantas as espécies de interesses a resguardar, assim no mundo físico, como no moral. O Espírito se adianta conforme à maneira por que desempenha a sua tarefa.

570. Os Espíritos percebem sempre os desígnios que lhes compete executar? “Não. Muitos há que são instrumentos cegos. Outros, porém, sabem muito bem com que fim atuam.”

571. Só os Espíritos elevados desempenham missões? “A importância das missões corresponde às capacidades e à elevação do Espírito. O estafeta que leva um telegrama ao seu destinatário também desempenha uma perfeita missão, se bem que diversa da de um general.”

572. A missão de um Espírito lhe é imposta, ou depende da sua vontade? “Ele a pede e ditoso se considera se a obtém.” a) — Pode uma igual missão ser pedida por muitos Espíritos? “Sim, é frequente apresentarem-se muitos candidatos, mas nem todos são aceitos.”

573. Em que consiste a missão dos Espíritos encarnados? “Em instruir os homens, em lhes auxiliar o progresso; em lhes melhorar as instituições, por meios diretos e materiais”. As missões, porém, são mais ou menos gerais e importantes. O que cultiva a terra desempenha tão nobre missão, como o que governa, ou o que instrui. Tudo em a Natureza se encadeia. “Ao mesmo tempo em que o Espírito se depura pela encarnação, concorre, dessa forma, para a execução dos desígnios da Providência. Cada um tem neste mundo a sua missão, porque todos podem ter alguma utilidade”.

574. Qual pode ser, na Terra, a missão das criaturas voluntariamente inúteis? “Há efetivamente pessoas que só para si mesmas vivem e que não sabem tornar-se úteis ao que quer que seja. São pobres seres dignos de compaixão, porquanto expiarão duramente sua voluntária inutilidade, começando-lhes muitas vezes, já neste mundo, o castigo, pelo aborrecimento e pelo desgosto que a vida lhes causa. a) — Pois que lhes era facultada a escolha, por que preferiram uma existência que nenhum proveito lhes traria? “Entre os Espíritos também há preguiçosos que recuam diante de uma vida de labor. Deus consente que assim procedam. Mais tarde compreenderão, à própria custa, os inconvenientes da inutilidade a que se votaram e serão os primeiros a pedir que se lhes conceda recuperar o tempo perdido. Pode também acontecer que tenham escolhido uma vida útil e que hajam recuado diante da execução da obra, deixando-se levar pelas sugestões dos Espíritos que os induzem a permanecer na ociosidade.

575. As ocupações comuns mais nos parecem deveres do que missões propriamente ditas. A missão, de acordo com a idéia a que esta palavra está associada, tem um caráter menos exclusivo, de importância sobretudo menos pessoal. Deste ponto de vista, como se pode reconhecer que um homem tem realmente na Terra uma determinada missão? “Pelas grandes coisas que opera, pelos progressos a cuja realização conduz seus semelhantes.”

576. Foram predestinados a isso, antes de nascerem, os homens que trazem uma importante missão e dela têm conhecimento? “Algumas vezes, assim é. Quase sempre, porém, o ignoram. Baixando à Terra, colimam um vago objetivo. Depois do nascimento e de acordo com as circunstâncias é que suas missões se lhes desenham às vistas. Deus os impele para a senda onde devam executar-lhe os desígnios.”

577. Quando um homem faz alguma coisa útil fá-la sempre em virtude da missão em que foi anteriormente investido e a que vem predestinado, ou pode suceder que haja recebido missão não prevista? “Nem tudo o que o homem faz resulta de missão a que tenha sido predestinado. Amiudadas vezes é o instrumento de que se serve um Espírito para fazer que se execute uma coisa que julga útil. Por exemplo, entende um Espírito ser útil que se escreva um livro, que ele próprio escreveria se estivesse encarnado. Procura então o escritor mais apto a lhe compreender e executar o pensamento. Transmite-lhe a idéia do livro e o dirige na execução. Ora, esse escritor não veio à Terra com a missão de publicar tal obra. O mesmo ocorre com diversos trabalhos artísticos e muitas descobertas. Devemos acrescentar que, durante o sono corporal, o Espírito encarnado se comunica diretamente com o Espírito errante, entendendo-se os dois acerca da execução.”

578. Poderá o Espírito, por própria culpa, falir na sua missão? “Sim, se não for um Espírito superior.” a) — Que consequências lhe advirão da sua falência? “Terá que retomar a tarefa; essa a sua punição. Também sofrerá as conseqüências do mal que haja causado.”

579. Pois se é de Deus que o Espírito recebe a sua missão, como se há de compreender que Deus confie missão importante e de interesse geral a um Espírito capaz de falir? “Não sabe Deus se o seu general obterá a vitória ou se será vencido? Sabe-o, crede, e seus planos, quando importantes, não se apoiam nos que hajam de abandonar em meio a obra. Toda a questão, para vós, está no conhecimento que Deus tem do futuro, mas que não vos é concedido.”

580. O Espírito, que encarna para desempenhar determinada missão, tem apreensões idênticas às de outro que o faz por provação? “Não, porque traz a experiência adquirida.”

581. Certamente desempenham missão os homens que servem de faróis ao gênero humano, que o iluminam com a luz do gênio. Entre eles, porém, alguns há que se enganam, que, de par com grandes verdades, propagam grandes erros. Como se deve considerar a missão desses homens? “Como falseadas por eles próprios. Estão abaixo da tarefa que tomaram sobre os ombros. Contudo, mister se faz levar em conta as circunstâncias. Os homens de gênio têm que falar de acordo com as épocas em que vivem e, assim, um ensinamento que pareceu errôneo ou pueril, numa época adiantada, pode ter sido o que convinha no século em que foi divulgado.”

582. Pode-se considerar como missão a paternidade? “É, sem contestação possível, uma verdadeira missão. É ao mesmo tempo grandíssimo dever e que envolve, mais do que o pensa o homem, a sua responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização débil e delicada, que o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de aprumar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de formar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse na estrada do bem.”

583. São responsáveis os pais pelo transviamento de um filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos cuidados que lhe dispensaram? “Não; porém, quanto piores forem as propensões do filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho.”

a) — Se um filho se torna homem de bem, não obstante a negligência ou os maus exemplos de seus pais, tiram estes daí algum proveito? “Deus é justo.”

584. De que natureza será a missão do conquistador que apenas visa satisfazer à sua ambição e que, para alcançar esse objetivo, não vacila ante nenhuma das calamidades que vai espalhando? “As mais das vezes não passa de um instrumento de que se serve Deus para cumprimento de seus desígnios, representando essas calamidades um meio de que ele se utiliza para fazer que um povo progrida mais rapidamente.” a) — Nenhuma parte tendo na produção do bem que dessas calamidades passageiras possa resultar, pois que visava um fim todo pessoal, aquele que delas se constitui instrumento tirará, não obstante, proveito desse bem? “Cada um é recompensado de acordo com as suas obras, com o bem que intentou fazer e com a retidão de suas intenções.” Os Espíritos encarnados têm ocupações inerentes às suas existências corpóreas. No estado de erraticidade, ou de desmaterialização, tais ocupações são adequadas ao grau de adiantamento deles. Uns percorrem os mundos, se instruem e preparam para nova encarnação. Outros, mais adiantados, se ocupam com o progresso, dirigindo os acontecimentos e sugerindo idéias que lhe sejam propícias. Assistem os homens de gênio que concorrem para o adiantamento da Humanidade. Outros encarnam com determinada missão de progresso. Outros tomam sob sua tutela os indivíduos, as famílias, as reuniões, as cidades e os povos, dos quais se constituem os anjos guardiães, os gênios protetores e os Espíritos familiares. Outros, finalmente, presidem aos fenômenos da Natureza, de que se fazem os agentes diretos. Os Espíritos vulgares se imiscuem em nossas ocupações e diversões. Os impuros ou imperfeitos aguardam, em sofrimentos e angústias, o momento em que praza a Deus proporcionar-lhes meios de se adiantarem. Praticam-se o mal, é pelo despeito de ainda não poderem gozar do bem.

 

CAPÍTULO X I

Dos três reinos

• Os minerais e as plantas

• Os animais e o homem

• Metempsicose

 

OS MINERAIS E AS PLANTAS

585. Que pensais da divisão da Natureza em três reinos, ou melhor, em duas classes: a dos seres orgânicos e a dos inorgânicos? Segundo alguns, a espécie humana forma uma quarta classe. Qual destas divisões é preferível? “Todas são boas, conforme o ponto de vista. Do ponto de vista material, apenas há seres orgânicos e inorgânicos. Do ponto de vista moral, há evidentemente quatro graus.” Esses quatro graus apresentam, com efeito, caracteres determinados, muito embora pareçam confundir-se nos seus limites extremos. A matéria inerte, que constitui o reino mineral, só tem em si uma força mecânica. As plantas, ainda que compostas de matéria inerte, são dotadas de vitalidade. Os animais, também compostos de matéria inerte e igualmente dotados de vitalidade, possuem, além disso, uma espécie de inteligência instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e de suas individualidades. O homem, tendo tudo o que há nas plantas e nos animais, domina todas as outras classes por uma inteligência especial, indefinida, que lhe dá a consciência do seu futuro, a percepção das coisas extra materiais e o conhecimento de Deus.

586. Têm as plantas consciência de que existem? “Não, pois que não pensam; só têm vida orgânica.”

587. Experimentam sensações? Sofrem quando as mutilam? “Recebem impressões físicas que atuam sobre a matéria, mas não têm percepções. Conseguintemente, não têm a sensação da dor.”

588. Independe da vontade delas a força que as atrai umas para as outras? “Certo, porquanto não pensam. É uma força mecânica da matéria, que atua sobre a matéria, sem que elas possam a isso opor-se.”

589. Algumas plantas, como a sensitiva e a dionéia, por exemplo, executam movimentos que denotam grande sensibilidade e, em certos casos, uma espécie de vontade, conforme se observa na segunda, cujos lóbulos apanham a mosca que sobre ela pousa para sugá-la, parecendo que urde uma armadilha com o fim de capturar e matar aquele inseto. São dotadas essas plantas da faculdade de pensar? Têm vontade e formam uma classe intermediária entre a Natureza vegetal e a Natureza animal? Constituem a transição de uma para outra?

“Tudo em a Natureza é transição, por isso mesmo que uma coisa não se assemelha a outra e, no entanto, todas se prendem umas às outras. As plantas não pensam; por conseguinte carecem de vontade. Nem a ostra que se abre, nem os zoófitos pensam: têm apenas um instinto cego e natural.” O organismo humano nos proporciona exemplo de movimentos análogos, sem participação da vontade, nas funções digestivas e circulatórias. O piloro se contrai, ao contato de certos corpos, para lhes negar passagem. O mesmo provavelmente se dá na sensitiva, cujos movimentos de nenhum modo implicam a necessidade de percepção e, ainda menos, da vontade.

590. Não haverá nas plantas, como nos animais, um instinto de conservação, que as induza a procurar o que lhes possa ser útil e a evitar o que lhes possa ser nocivo? “Há, se quiserdes, uma espécie de instinto, dependendo isso da extensão que se dê ao significado desta palavra. É, porém, um instinto puramente mecânico. Quando, nas operações químicas, observais que dois corpos se reúnem, é que um ao outro convém; quer dizer: é que há entre eles afinidade. Ora, a isto não dais o nome de instinto.”

591. Nos mundos superiores, as plantas são de natureza mais perfeita, como os outros seres? “Tudo é mais perfeito. As plantas, porém, são sempre plantas, como os animais sempre animais e os homens sempre homens.”

OS ANIMAIS E O HOMEM

 592. Se, pelo que toca à inteligência, comparamos o homem e os animais, parece difícil estabelecer-se uma linha de demarcação entre aquele e estes, porquanto alguns animais mostram, sob esse aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Pode essa linha de demarcação ser estabelecida de modo preciso? “A este respeito é completo o desacordo entre os vossos filósofos. Querem uns que o homem seja um animal e outros que o animal seja um homem. Estão todos em erro. O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes e que pode também elevar-se muito alto. Pelo físico, é como os animais e menos bem-dotado do que muitos destes. A Natureza lhes deu tudo o que o homem é obrigado a inventar com a sua inteligência, para satisfação de suas necessidades e para sua conservação. Seu corpo se destrói, como o dos animais, é certo, mas ao seu Espírito está assinado um destino que só ele pode compreender, porque só ele é inteiramente livre. Pobres homens, que vos rebaixais mais do que os brutos! não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.”

593. Poder-se-á dizer que os animais só obram por instinto? “Ainda aí há um sistema. É verdade que na maioria dos animais domina o instinto. Mas, não vês que muitos obram denotando acentuada vontade? É que têm inteligência, porém limitada.” Não se poderia negar que, além de possuírem o instinto, alguns animais praticam atos combinados, que denunciam vontade de operar em determinado sentido e de acordo com as circunstâncias. Há, pois, neles, uma espécie de inteligência, mas cujo exercício quase que se circunscreve à utilização dos meios de satisfazerem às suas necessidades físicas e de proverem à conservação própria. Nada, porém, criam, nem melhora alguma realizam. Qualquer que seja a arte com que executem seus trabalhos, fazem hoje o que faziam outrora e o fazem, nem melhor, nem pior, segundo formas e proporções constantes e invariáveis. A cria, separada dos de sua espécie, não deixa por isso de construir o seu ninho de perfeita conformidade com os seus maiores, sem que tenha recebido nenhum ensino. O desenvolvimento intelectual de alguns, que se mostram suscetíveis de certa educação, desenvolvimento, aliás, que não pode ultrapassar acanhados limites, é devido à ação do homem sobre uma natureza maleável, porquanto não há aí progresso que lhe seja próprio. Mesmo o progresso que realizam pela ação do homem é efêmero e puramente individual, visto que, entregue a si mesmo, não tarda que o animal volte a encerrar-se nos limites que lhe traçou a Natureza.

594. Têm os animais alguma linguagem? “Se vos referis a uma linguagem formada de sílabas e palavras, não. Meio, porém, de se comunicarem entre si, têm. Dizem uns aos outros muito mais coisas do que imaginais. Mas, essa mesma linguagem de que dispõem é restrita às necessidades, como restritas também são as idéias que podem ter.” a) — Há, entretanto, animais que carecem de voz. Esses parece que nenhuma linguagem usam, não? “Compreendem-se por outros meios. Para vos comunicardes reciprocamente, vós outros, homens, só dispondes da palavra? E os mudos? Facultada lhes sendo a vida de relação, os animais possuem meios de se prevenirem e de exprimirem as sensações que experimentam. Pensais que os peixes não se entendem entre si? O homem não goza do privilégio exclusivo da linguagem. Porém, a dos animais é instintiva e circunscrita pelas suas necessidades e idéias, ao passo que a do homem é perfectível e se presta a todas as concepções da sua inteligência.” Efetivamente, os peixes que, como as andorinhas, emigram em cardumes, obedientes ao guia que os conduz, devem ter meios de se advertirem, de se entenderem e combinarem. É possível que disponham de uma vista mais penetrante e esta lhes permita perceber os sinais que mutuamente façam. Pode ser também que tenham na água um veículo próprio para a transmissão de certas vibrações. Como quer que seja, o que é incontestável é que lhes não falecem meios de se entenderem, do mesmo modo que a todos os animais carentes de voz e que, não obstante, trabalham em comum. Diante disso, que admiração pode causar que os Espíritos entre si se comuniquem sem o auxílio da palavra articulada?

595. Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos seus atos? “Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de ação, de que desfrutam, é limitada pelas suas necessidades e não se pode comparar à do homem. Sendo muitíssimo inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material.”

 596. Donde procede a aptidão que certos animais denotam para imitar a linguagem do homem e por que essa aptidão se revela mais nas aves do que no macaco, por exemplo, cuja conformação apresenta mais analogia com a humana? “Origina-se de uma particular conformação dos órgãos vocais, reforçada pelo instinto de imitação. O macaco imita os gestos; algumas aves imitam a voz.”

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria? “Há e que sobrevive ao corpo.” a) — Será esse princípio uma alma semelhante à do homem? “É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma? “Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

599. À alma dos animais é dado escolher a espécie de animal em que encarne? “Não, pois que lhe falta livre-arbítrio.”

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, num estado de erraticidade, como a do homem? “Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante”. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classifi597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria? “Há e que sobrevive ao corpo.” a) — Será esse princípio uma alma semelhante à do homem? “É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.” 598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma? “Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

599. À alma dos animais é dado escolher a espécie de animal em que encarne? “Não, pois que lhe falta livre-arbítrio.”

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, num estado de erraticidade, como a do homem? “Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante”. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente. Não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.

601. Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva? “Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os homens são mais adiantados, os animais também o são, dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre, porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes.” Nada há nisso de extraordinário. Tomemos os nossos mais inteligentes animais, o cão, o elefante, o cavalo, e imaginemo-los dotados de uma conformação apropriada a trabalhos manuais. Que não fariam sob a direção do homem?

602. Os animais progridem, como o homem, por ato da própria vontade, ou pela força das coisas? “Pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação.”

603. Nos mundos superiores, os animais conhecem a Deus? “Não. Para eles o homem é um deus, como outrora os Espíritos eram deuses para o homem.”

604. Pois que os animais, mesmo os aperfeiçoados, existentes nos mundos superiores, são sempre inferiores ao homem, segue-se que Deus criou seres intelectuais perpetuamente destinados à inferioridade, o que parece em desacordo com a unidade de vistas e de progresso que todas as suas obras revelam.

“Tudo em a Natureza se encadeia por elos que ainda não podeis apreender. Assim, as coisas aparentemente mais díspares têm pontos de contato que o homem, no seu estado atual, nunca chegará a compreender. Por um esforço da inteligência poderá entrevê-los; mas, somente quando essa inteligência estiver no máximo grau de desenvolvimento e liberta dos preconceitos do orgulho e da ignorância, logrará ver claro na obra de Deus. Até lá, suas muito restritas idéias lhe farão observar as coisas por um mesquinho e acanhado prisma. Sabei não ser possível que Deus se contradiga e que, na Natureza, tudo se harmoniza mediante leis gerais, que por nenhum de seus pontos deixam de corresponder à sublime sabedoria do Criador”. a) — A inteligência é então uma propriedade comum, um ponto de contato entre a alma dos animais e a do homem? “É, porém os animais só possuem a inteligência da vida material. No homem, a inteligência proporciona a vida moral.”

605. Considerando-se todos os pontos de contato que existem entre o homem e os animais, não seria lícito pensar que o homem possui duas almas: a alma animal e a alma espírita e que, se esta última não existisse, só como o bruto poderia ele viver? Por outra: que o animal é um ser semelhante ao homem, tendo de menos a alma espírita? Dessa maneira de ver resultaria serem os bons e os maus instintos do homem efeito da predominância de uma ou outra dessas almas? “Não, o homem não tem duas almas. O corpo, porém, tem seus instintos, resultantes da sensação peculiar aos órgãos. Dupla, no homem, só é a natureza. Há nele a natureza animal e a natureza espiritual. Participa, pelo seu corpo, da natureza dos animais e de seus instintos. Por sua alma, participa da dos Espíritos”. a) — De modo que, além de suas próprias imperfeições de que cumpre ao Espírito despojar-se, tem ainda o homem que lutar contra a influência da matéria? “Quanto mais inferior é o Espírito, tanto mais apertados são os laços que o ligam à matéria. Não o vedes? O homem não tem duas almas; a alma é sempre única em cada ser. São distintas uma da outra a alma do animal e a do homem, a tal ponto que a de um não pode animar o corpo criado para o outro. Mas, conquanto não tenha alma animal, que, por suas paixões, o nivele aos animais, o homem tem o corpo que, às vezes, o rebaixa até ao nível deles, por isso que o corpo é um ser dotado de vitalidade e de instintos, porém ininteligentes estes e restritos ao cuidado que a sua conservação requer.” Encarnando no corpo do homem, o Espírito lhe traz o princípio intelectual e moral, que o torna superior aos animais. As duas naturezas nele existentes dão às suas paixões duas origens diferentes: umas provêm dos instintos da natureza animal, provindo as outras das impurezas do Espírito, de cuja encarnação é ele a imagem e que mais ou menos simpatiza com a grosseria dos apetites animais. Purificando-se, o Espírito se liberta pouco a pouco da influência da matéria. Sob essa influência, aproxima-se do bruto. Isento dela, eleva-se à sua verdadeira destinação.

606. Donde tiram os animais o princípio inteligente que constitui a alma de natureza especial de que são dotados? “Do elemento inteligente universal”. a) — Então, emanam de um único princípio a inteligência do homem e a dos animais? “Sem dúvida alguma, porém, no homem, passou por uma elaboração que a coloca acima da que existe no animal.”

607. Dissestes (190) que o estado da alma do homem, na sua origem, corresponde ao estado da infância na vida corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se ensaia para a vida. Onde passa o Espírito essa primeira fase do seu desenvolvimento? “Numa série de existências que precedem o período a que chamais Humanidade.”  a) — Parece que, assim, se pode considerar a alma como tendo sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação, não? “Já não dissemos que tudo em a Natureza se encadeia e tende para a unidade? Nesses seres, cuja totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida, conforme acabamos de dizer. É, de certo modo, um trabalho preparatório, como o da germinação, por efeito do qual o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. Entra então no período da humanização, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos. Assim, à fase da infância se segue a da adolescência, vindo depois a da juventude e da madureza. Nessa origem, coisa alguma há de humilhante para o homem. Sentir-se-ão humilhados os grandes gênios por terem sido fetos informes nas entranhas que os geraram? Se alguma coisa há que lhe seja humilhante, é a sua inferioridade perante Deus e sua impotência para lhe sondar a profundeza dos desígnios e para apreciar a sabedoria das leis que regem a harmonia do Universo. Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável harmonia, mediante a qual tudo é solidário na Natureza. Acreditar que Deus haja feito, seja o que for, sem um fim, e criado seres inteligentes sem futuro, fora blasfemar da sua bondade, que se estende por sobre todas as suas criaturas.” b) — Esse período de humanização principia na Terra? “A Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação humana. O período da humanização começa, geralmente, em mundos ainda inferiores à Terra. Isto, entretanto, não constitui regra absoluta, pois pode suceder que um Espírito, desde o seu início humano, esteja apto a viver na Terra. Não é frequente o caso; constitui antes uma exceção.”

608. O Espírito do homem tem, após a morte, consciência de suas existências anteriores ao período de humanidade? “Não, pois não é desse período que começa a sua vida de Espírito. Difícil é mesmo que se lembre de suas primeiras existências humanas, como difícil é que o homem se lembre dos primeiros tempos de sua infância e ainda menos do tempo que passou no seio materno. Essa a razão por que os Espíritos dizem que não sabem como começaram.”

609. Uma vez no período da humanidade, conserva o Espírito traços do que era precedentemente, quer dizer: do estado em que se achava no período a que se poderia chamar anti-humano? “Conforme a distância que medeie entre os dois períodos e o progresso realizado. Durante algumas gerações, pode ele conservar vestígios mais ou menos pronunciados do estado primitivo, porquanto nada se opera na Natureza por brusca transição. Há sempre anéis que ligam as extremidades da cadeia dos seres e dos acontecimentos. Aqueles vestígios, porém, se apagam com o desenvolvimento do livre- -arbítrio. Os primeiros progressos só muito lentamente se efetuam, porque ainda não têm a secundá-los a vontade. Vão em progressão mais rápida, à medida que o Espírito adquire mais perfeita consciência de si mesmo.”

610. Ter-se-ão enganado os Espíritos que disseram constituir o homem um ser à parte na ordem da criação? “Não, mas a questão não fora desenvolvida. Demais, há coisas que só a seu tempo podem ser esclarecidas. O homem é, com efeito, um ser à parte, visto possuir faculdades que o distinguem de todos os outros e ter outro destino. A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação dos seres que podem conhecê-lo.”

METEMPSICOSE

611. O terem os seres vivos uma origem comum no princípio inteligente não é a consagração da doutrina da metempsicose? “Duas coisas podem ter a mesma origem e absolutamente não se assemelharem mais tarde”. Quem reconheceria a árvore, com suas folhas, flores e frutos, no gérmen informe que se contém na semente donde ela surge? Desde que o princípio inteligente atinge o grau necessário para ser Espírito e entrar no período da humanização, já não guarda relação com o seu estado primitivo e já não é a alma dos animais, como a árvore já não é a semente. De animal só há no homem o corpo e as paixões que nascem da influência do corpo e do instinto de conservação inerente à matéria. Não se pode, pois, dizer que tal homem é a encarnação do Espírito de tal animal. Conseguintemente, a metempsicose, como a entendem, não é verdadeira.”

612. Poderia encarnar num animal o Espírito que animou o corpo de um homem? “Isso seria retrogradar e o Espírito não retrograda. O rio não remonta à sua nascente.” (118)

613. Embora de todo errônea, a idéia ligada à metempsicose não terá resultado do sentimento intuitivo que o homem possui de suas diferentes existências? “Nessa, como em muitas outras crenças, se depara esse sentimento intuitivo. O homem, porém, o desnaturou, como costuma fazer com a maioria de suas idéias intuitivas.” Seria verdadeira a metempsicose, se indicasse a progressão da alma, passando de um estado inferior a outro superior, onde adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza. É, porém, falsa no sentido de transmigração direta da alma do animal para o homem e reciprocamente, o que implicaria a idéia de uma retrogradação, ou de fusão. Ora, o fato de não poder semelhante fusão operar-se, entre os seres corporais das duas espécies, mostra que estas são de graus inassimiláveis, devendo dar-se o mesmo com relação aos Espíritos que as animam. Se um mesmo Espírito as pudesse animar alternativamente, haveria, como consequência, uma identidade de natureza, traduzindo-se pela possibilidade da reprodução material.

A reencarnação, como os Espíritos a ensinam, se funda, ao contrário, na marcha ascendente da Natureza e na progressão do homem, dentro da sua própria espécie, o que em nada lhe diminui a dignidade. O que o rebaixa é o mau uso que ele faz das faculdades que Deus lhe outorgou para que progrida. Seja como for, a ancianidade e a universalidade da doutrina da metempsicose e, bem assim, a circunstância de a terem professado homens eminentes provam que o princípio da reencarnação se radica na própria Natureza. Antes, pois, constituem argumentos a seu favor, que contrários a esse princípio. O ponto inicial do Espírito é uma dessas questões que se prendem à origem das coisas e de que Deus guarda o segredo. Dado não é ao homem conhecê-las de modo absoluto, nada mais lhe sendo possível a tal respeito do que fazer suposições, criar sistemas mais ou menos prováveis. Os próprios Espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas. É assim, por exemplo, que nem todos pensam da mesma forma quanto às relações existentes entre o homem e os animais. Segundo uns, o Espírito não chega ao período humano senão depois de se haver elaborado e individualizado nos diversos graus dos seres inferiores da Criação. Segundo outros, o Espírito do homem teria pertencido sempre à raça humana, sem passar pela fieira animal. O primeiro desses sistemas apresenta a vantagem de assinar um alvo ao futuro dos animais, que formariam então os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo é mais conforme à dignidade do homem e pode resumir-se da maneira seguinte: As diferentes espécies de animais não procedem intelectualmente umas das outras, mediante progressão. Assim, o espírito da ostra não se torna sucessivamente o do peixe, do pássaro, do quadrúpede e do quadrúmano. Cada espécie constitui, física e moralmente, um tipo absoluto, cada um de cujos indivíduos haurem na fonte universal a quantidade do princípio inteligente que lhe seja necessário, de acordo com a perfeição de seus órgãos e com o trabalho que tenha de executar nos fenômenos da Natureza, quantidade que ele, por sua morte, restitui ao reservatório donde a tirou. Os dos mundos mais adiantados que o nosso (ver nº 188) constituem igualmente raças distintas, apropriadas às necessidades desses mundos e ao grau de adiantamento dos homens, cujos auxiliares eles são, mas de modo nenhum procedem das da Terra, espiritualmente falando. Outro tanto não se dá com o homem. Do ponto de vista físico, este forma evidentemente um elo da cadeia dos seres vivos; porém, do ponto de vista moral, há, entre o animal e o homem, solução de continuidade. O homem possui, como propriedade sua, a alma ou Espírito, centelha divina que lhe confere o senso moral e um alcance intelectual de que carecem os animais e que é nele o ser principal, que preexiste e sobrevive ao corpo, conservando sua individualidade. Qual a origem do Espírito? Onde o seu ponto inicial? Forma-se do princípio inteligente individualizado? Tudo isso são mistérios que fora inú- til querer devassar e sobre os quais, como dissemos, nada mais se pode fazer do que construir sistemas. O que é constante, o que ressalta do raciocínio e da experiência é a sobrevivência do Espírito, a conservação de sua individualidade após a morte, a progressividade de suas faculdades, seu estado feliz ou desgraçado de acordo com o seu adiantamento na senda do bem e todas as verdades morais decorrentes deste princípio. Quanto às relações misteriosas que existem entre o homem e os animais, isso, repetimos, está nos segredos de Deus, como muitas outras coisas, cujo conhecimento atual nada importa ao nosso progresso e sobre as quais seria inútil determo-nos.

 

PARTE TERCEIRA

 

Das leis morais

 

CAPÍTULO I – DA LEI DIVINA OU NATURAL

CAPÍTULO II – DA LEI DE ADORAÇÃO

CAPÍTULO III – DA LEI DO TRABALHO

CAPÍTULO IV – DA LEI DE REPRODUÇÃO

CAPÍTULO V – DA LEI DE CONSERVAÇÃO

CAPÍTULO VI – DA LEI DE DESTRUIÇÃO

CAPÍTULO VII – DA LEI DE SOCIEDADE

CAPÍTULO VIII – DA LEI DO PROGRESSO

CAPÍTULO IX – DA LEI DE IGUALDADE

CAPÍTULO X – DA LEI DE LIBERDADE

CAPÍTULO XI – DA LEI DE JUSTIÇA, DE AMOR E DE CARIDADE

 CAPÍTULO XII – DA PERFEIÇÃO MORAL

 

CAPÍTULO I

 

Da lei divina ou natural

• Caracteres da lei natural

• Conhecimento da lei natural

• O bem e o mal

• Divisão da lei natural

 

CARACTERES DA LEI NATURAL

614. Que se deve entender por lei natural? “A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer ou deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta.”

615. É eterna a lei de Deus? “Eterna e imutável como o próprio Deus.”

616. Será possível que Deus em certa época haja prescrito aos homens o que noutra época lhes proibiu? Deus não se engana. Os homens é que são obrigados a modificar suas leis, por imperfeitas. As de Deus, essas são perfeitas. A harmonia que reina no universo material como no universo moral, se funda em leis estabelecidas por Deus desde toda a eternidade.

617. As leis divinas, que é o que compreendem no seu âmbito? Concernem a alguma outra coisa, que não somente ao procedimento moral? “Todas as da Natureza são leis divinas, pois que Deus é o autor de tudo. O sábio estuda as leis da matéria, o homem de bem estuda e pratica as da alma. a) — Dado é ao homem aprofundar umas e outras? “É, mas uma única existência não lhe basta para isso.” Efetivamente, que são alguns anos para a aquisição de tudo o de que precisa o ser, a fim de se considerar perfeito, embora apenas se tenha em conta a distancia que vai do selvagem ao homem civilizado? Insuficiente seria, para tanto, a existência mais longa que se possa imaginar. Ainda com mais forte razão o será quando curta, como é para a maior parte dos homens. Entre as leis divinas, umas regulam o movimento e as relações da matéria bruta: as leis físicas, cujo estudo pertence ao domínio da Ciência. As outras dizem respeito especialmente ao homem considerado em si mesmo e nas suas relações com Deus e com seus semelhantes. Contêm as regras da vida do corpo, bem como as da vida da alma: são as leis morais. 618. São as mesmas, para todos os mundos, as leis divinas? “A razão está a dizer que devem ser apropriadas à natureza de cada mundo e adequadas ao grau de progresso dos seres que os habitam.”

CONHECIMENTO DA LEI NATURAL

619. A todos os homens facultou Deus os meios de conhecerem sua lei? “Todos podem conhecê-la, mas nem todos a compreendem. Os homens de bem e os que se decidem a investigá-la são os que melhor a compreendem. Todos, entretanto, a compreenderão um dia, porquanto forçoso é que o progresso se efetue.” A justiça das diversas encarnações do homem é uma consequência deste princípio, pois que, em cada nova existência, sua inteligência se acha mais desenvolvida e ele compreende melhor o que é bem e o que é mal. Se numa só existência tudo lhe devesse ficar ultimado, qual seria a sorte de tantos milhões de seres que morrem todos os dias no embrutecimento da selvageria, ou nas trevas da ignorância, sem que deles tenha dependido o se instruírem? (171-222)

620. Antes de se unir ao corpo, a alma compreende melhor a lei de Deus do que depois de encarnada? “Compreende-a de acordo com o grau de perfeição que tenha atingido e dela guarda a intuição quando unida ao corpo. Os maus instintos, porém, fazem ordinariamente que o homem a esqueça.”

621. Onde está escrita a lei de Deus? “Na consciência.” a) — Visto que o homem traz em sua consciência a lei de Deus, que necessidade havia de lhe ser ela revelada? “Ele a esquecera e desprezara. Quis então Deus lhe fosse lembrada.”

622. Confiou Deus a certos homens a missão de revelarem a sua lei? “Indubitavelmente. Em todos os tempos houve homens que tiveram essa missão. São Espíritos superiores, que encarnam com o fim de fazer progredir a Humanidade.”

623. Os que hão pretendido instruir os homens na lei de Deus não se têm enganado algumas vezes, fazendo-os transviar-se por meio de falsos princípios? “Certamente hão dado causa a que os homens se transviassem aqueles que não eram inspirados por Deus e que, por ambição, tomaram sobre si um encargo que lhes não fora cometido. Todavia, como eram, afinal, homens de gênio, mesmo entre os erros que ensinaram, grandes verdades muitas vezes se encontram.”

 624. Qual o caráter do verdadeiro profeta? “O verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado por Deus. Podeis reconhecê-lo pelas suas palavras e pelos seus atos. Impossível é que Deus se sirva da boca do mentiroso para ensinar a verdade.”

625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo? “Jesus.” Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava.

Quanto aos que, pretendendo instruir o homem na lei de Deus, o têm transviado, ensinando-lhe falsos princípios, isso aconteceu por haverem deixado que os dominassem sentimentos demasiado terrenos e por terem confundido as leis que regulam as condições da vida da alma, com as que regem a vida do corpo. Muitos hão apresentado como leis divinas simples leis humanas estatuídas para servir às paixões e dominar os homens.

 626. Só por Jesus foram reveladas as leis divinas e naturais? Antes do seu aparecimento, o conhecimento dessas leis só por intuição os homens o tiveram? “Já não dissemos que elas estão escritas por toda parte? Desde os séculos mais longínquos, todos os que meditaram sobre a sabedoria hão podido compreendê-las e ensiná-las. Pelos ensinos, mesmo incompletos, que espalharam, prepararam o terreno para receber a semente. Estando as leis divinas escritas no livro da natureza, possível foi ao homem conhecê-las, logo que as quis procurar. Por isso é que os preceitos que consagram foram, desde todos os tempos, proclamados pelos homens de bem; e também por isso é que elementos delas se encontram, se bem que incompletos ou adulterados pela ignorância, na doutrina moral de todos os povos saídos da barbárie.”

627. Uma vez que Jesus ensinou as verdadeiras leis de Deus, qual a utilidade do ensino que os Espíritos dão? Terão que nos ensinar mais alguma coisa? Jesus empregava amiúde, na sua linguagem, alegorias e parábolas, porque falava de conformidade com os tempos e os lugares. Faz-se mister agora que a verdade se torne inteligível para todo mundo. Muito necessário é que aquelas leis sejam explicadas e desenvolvidas, tão poucos são os que as compreendem e ainda menos os que as praticam. A nossa missão consiste em abrir os olhos e os ouvidos a todos, confundindo os orgulhosos e desmascarando os hipócritas: os que vestem a capa da virtude e da religião, a fim de ocultarem suas torpezas. O ensino dos Espíritos tem que ser claro e sem equívocos, para que ninguém possa pretextar ignorância e para que todos o possam julgar e apreciar com a razão. Estamos incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou. Daí a necessidade de que a ninguém seja possível interpretar a lei de Deus ao sabor de suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei toda de amor e de caridade.

628. Por que a verdade não foi sempre posta ao alcance de toda gente? “Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz: o homem precisa habituar-se a ela, pouco a pouco; do contrário, fica deslumbrado. “Jamais permitiu Deus que o homem recebesse comunicações tão completas e instrutivas como as que hoje lhe são dadas. Havia como sabeis, na antiguidade alguns indivíduos possuidores do que eles próprios consideravam uma ciência sagrada e da qual faziam mistério para os que, aos seus olhos, eram tidos por profanos. Pelo que conheceis das leis que regem estes fenômenos, deveis compreender que esses indivíduos apenas recebiam algumas verdades esparsas, dentro de um conjunto equívoco e, na maioria dos casos, emblemático. Entretanto, para o estudioso, não há nenhum sistema antigo de filosofia, nenhuma tradição, nenhuma religião, que seja desprezível, pois em tudo há germens de grandes verdades que, se bem pareçam contraditórias entre si, dispersas que se acham em meio de acessórios sem fundamento, facilmente coordenáveis se vos apresentam, graças à explicação que o Espiritismo dá de uma imensidade de coisas que até agora se vos afiguraram sem razão alguma e cuja realidade está hoje irrecusavelmente demonstrada. Não desprezeis, portanto, os objetos de estudo que esses materiais oferecem. Ricos eles são de tais objetos e podem contribuir grandemente para vossa instrução.”

O BEM E O MAL

629. Que definição se pode dar da moral? “A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus.”

630. Como se pode distinguir o bem do mal? “O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”

631. Tem meios o homem de distinguir por si mesmo o que é bem do que é mal? “Sim, quando crê em Deus e o quer saber. Deus lhe deu a inteligência para distinguir um do outro.”

632. Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar- -se na apreciação do bem e do mal e crer que pratica o bem quando em realidade pratica o mal? “Jesus disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.”

633. A regra do bem e do mal, que se poderia chamar de reciprocidade ou de solidariedade, é inaplicável ao proceder pessoal do homem para consigo mesmo. Achará ele, na lei natural, a regra desse proceder e um guia seguro? “Quando comeis em excesso, verificais que isso vos faz mal. Pois bem, é Deus quem vos dá a medida daquilo de que necessitais. Quando excedeis dessa medida, sois punidos. Em tudo é assim. A lei natural traça para o homem o limite das suas necessidades. Se ele ultrapassa esse limite, é punido pelo sofrimento. Se atendesse sempre à voz que lhe diz — basta, evitaria a maior parte dos males, cuja culpa lança à Natureza.”

634. Por que está o mal na natureza das coisas? Falo do mal moral. Não podia Deus ter criado a Humanidade em melhores condições? “Já te dissemos: os Espíritos foram criados simples e ignorantes (115). Deus deixa que o homem escolha o caminho. Tanto pior para ele, se toma o caminho mau: mais longa será sua peregrinação. Se não existissem montanhas, não compreenderia o homem que se pode subir e descer; se não existissem rochas, não compreenderia que há corpos duros. É preciso que o Espírito ganhe experiência; é preciso, portanto, que conheça o bem e o mal. Eis por que se une ao corpo.” (119)

635. Das diferentes posições sociais nascem necessidades que não são idênticas para todos os homens. Não parece poder inferir-se daí que a lei natural não constitui regra uniforme? “Essas diferentes posições são da natureza das coisas e conformes à lei do progresso. Isso não infirma a unidade da lei natural, que se aplica a tudo.” As condições de existência do homem mudam de acordo com os tempos e os lugares, do que lhe resultam necessidades diferentes e posições sociais apropriadas a essas necessidades. Pois que está na ordem das coisas, tal diversidade é conforme à lei de Deus, lei que não deixa de ser una quanto ao seu princípio. À razão cabe distinguir as necessidades reais das factícias ou convencionais.

636. São absolutos, para todos os homens, o bem e o mal? “A lei de Deus é a mesma para todos; porém, o mal depende principalmente da vontade que se tenha de o praticar. O bem é sempre o bem e o mal sempre o mal, qualquer que seja a posição do homem. Diferença só há quanto ao grau da responsabilidade.”

 637. Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de carne humana? “Eu disse que o mal depende da vontade. Pois bem! Tanto mais culpado é o homem, quanto melhor sabe o que faz.” As circunstâncias dão relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas vezes, comete o homem faltas, que, nem por serem consequência da posição em que a sociedade o colocou, se tornam menos repreensíveis. Mas, a sua responsabilidade é proporcionada aos meios de que ele dispõe para compreender o bem e o mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de Deus, o homem instruído que pratica uma simples injustiça, do que o selvagem ignorante que se entrega aos seus instintos.

638. Parece, às vezes, que o mal é uma consequência da força das coisas. Tal, por exemplo, a necessidade em que o homem se vê, nalguns casos, de destruir, até mesmo o seu semelhante. Poder-se-á dizer que há, então, infração da lei de Deus? “Embora necessário, o mal não deixa de ser o mal. Essa necessidade desaparece, entretanto, à medida que a alma se depura, passando de uma a outra existência. Então, mais culpado é o homem, quando o pratica, porque melhor o compreende.”

639. Não sucede frequentemente resultar o mal, que o homem pratica, da posição em que os outros homens o colocam? Quais, nesse caso, os culpados? “O mal recai sobre quem lhe foi o causador. Nessas condições, aquele que é levado a praticar o mal pela posição em que seus semelhantes o colocam tem menos culpa do que os que, assim procedendo, o ocasionaram. Porque, cada um será punido, não só pelo mal que haja feito, mas também pelo mal a que tenha dado lugar.”

640. Aquele que não pratica o mal, mas que se aproveita do mal praticado por outrem, é tão culpado quanto este? “É como se o houvera praticado. Aproveitar do mal é participar dele. Talvez não fosse capaz de praticá-lo; mas, desde que, achando-o feito, dele tira partido, é que o aprova; é que o teria praticado, se pudera, ou se ousara.”

641. Será tão repreensível, quanto fazer o mal, o desejá-lo? “Conforme. Há virtude em resistir-se voluntariamente ao mal que se deseja praticar, sobretudo quando há possibilidade de satisfazer-se a esse desejo. Se apenas não o pratica por falta de ocasião, é culpado quem o deseja.”

642. Para agradar a Deus e assegurar a sua posição futura, bastará que o homem não pratique o mal? “Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem.”

 643. Haverá quem, pela sua posição, não tenha possibilidade de fazer o bem? “Não há quem não possa fazer o bem. Somente o egoísta nunca encontra ensejo de o praticar. Basta que se esteja em relações com outros homens para que se tenha ocasião de fazer o bem, e não há dia da existência que não ofereça, a quem não se ache cego pelo egoísmo, oportunidade de praticá-lo. Porque, fazer o bem não consiste, para o homem, apenas em ser caridoso, mas em ser útil, na medida do possível, todas as vezes que o seu concurso venha a ser necessário.”

 644. Para certos homens, o meio onde se acham colocados não representa a causa primária de muitos vícios e crimes? “Sim, mas ainda aí há uma prova que o Espírito escolheu, quando em liberdade, levado pelo desejo de expor-se à tentação para ter o mérito da resistência”.

645. Quando o homem se acha, de certo modo, mergulhado na atmosfera do vício, o mal não se lhe torna um arrastamento quase irresistível? “Arrastamento, sim; irresistível, não; porquanto, mesmo dentro da atmosfera do vício, com grandes virtudes às vezes deparas. São Espíritos que tiveram a força de resistir e que, ao mesmo tempo, receberam a missão de exercer boa influência sobre os seus semelhantes.”

646. Estará subordinado a determinadas condições o mérito do bem que se pratique? Por outra: será de diferentes graus o mérito que resulta da prática do bem? “O mérito do bem está na dificuldade em praticá-lo. Nenhum merecimento há em fazê-lo sem esforço e quando nada custe. Em melhor conta tem Deus o pobre que divide com outro o seu único pedaço de pão, do que o rico que apenas dá do que lhe sobra, disse-o Jesus, a propósito do óbolo da viúva.”

DIVISÃO DA LEI NATURAL

647. A lei de Deus se acha contida toda no preceito do amor ao próximo, ensinado por Jesus? Certamente esse preceito encerra todos os deveres dos homens uns para com os outros. Cumpre, porém, se lhes mostre a aplicação que comporta, do contrário deixarão de cumpri-lo, como o fazem presentemente. Demais, a lei natural abrange todas as circunstâncias da vida e esse preceito compreende só uma parte da lei. “Aos homens são necessárias regras precisas; os preceitos gerais e muito vagos deixam grande número de portas abertas à interpretação.”

648. Que pensais da divisão da lei natural em dez partes, compreendendo as leis de adoração, trabalho, reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade e, por fim, a de justiça, amor e caridade? “Essa divisão da lei de Deus em dez partes é a de Moisés e de natureza a abranger todas as circunstâncias da vida, o que é essencial. Podes, pois, adotá-la, sem que, por isso, tenha qualquer coisa de absoluta, como não o tem nenhum dos outros sistemas de classificação, que todos dependem do prisma pelo qual se considere o que quer que seja. “A última lei é a mais importante, por ser a que faculta ao homem adiantar-se mais na vida espiritual, visto que resume todas as outras.”

 

CAPÍTULO I I

 

Da lei de adoração

• Objetivo da adoração

• Adoração exterior

• Vida contemplativa

• A prece

• Politeísmo

• Sacrifícios

 

OBJETIVO DA ADORAÇÃO

649. Em que consiste a adoração? “Na elevação do pensamento a Deus. Deste, pela adoração, aproxima o homem sua alma.”

650. Origina-se de um sentimento inato à adoração, ou é fruto de ensino? “Sentimento inato, como o da existência de Deus. A consciência da sua fraqueza leva o homem a curvar-se diante daquele que o pode proteger.”

 651. Terá havido povos destituídos de todo sentimento de adoração? “Não, que nunca houve povos de ateus. Todos compreendem que acima de tudo há um Ente Supremo.”

652. Poder-se-á considerar a lei natural como fonte originária da adoração? “A adoração está na lei natural, pois resulta de um sentimento inato no homem. Por essa razão é que existe entre todos os povos, se bem que sob formas diferentes.”

ADORAÇÃO EXTERIOR

 653. Precisa de manifestações exteriores a adoração? “A adoração verdadeira é do coração. Em todas as vossas ações, lembrai-vos sempre de que o Senhor tem sobre vós o seu olhar.” a) — Será útil a adoração exterior? “Sim, se não consistir num vão simulacro. É sempre útil dar um bom exemplo. Mas, os que somente por afetação e amor-próprio o fazem, desmentindo com o proceder a aparente piedade, mau exemplo dão e não imaginam o mal que causam.”

654. Tem Deus preferência pelos que o adoram desta ou daquela maneira? “Deus prefere os que o adoram do fundo do coração, com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal, aos que julgam honrá-lo com cerimônias que os não tornam melhores para com os seus semelhantes”. Todos os homens são irmãos e filhos de Deus. Ele atrai a si todos os que lhe obedecem às leis, qualquer que seja a forma sob que as exprimam.

“É hipócrita aquele cuja piedade se cifra nos atos exteriores. Mau exemplo dá todo aquele cuja adoração é afetada e contradiz o seu procedimento. “Declaro-vos que somente nos lábios e não na alma tem religião aquele que professa adorar o Cristo, mas que é orgulhoso, invejoso e cioso, duro e implacável para com outrem, ou ambicioso dos bens deste mundo. Deus, que tudo vê, dirá: o que conhece a verdade é cem vezes mais culpado do mal que faz, do que o selvagem ignorante que vive no deserto. E como tal será tratado no dia da justiça. Se um cego, ao passar, vos derriba, perdoá-lo-eis; se for um homem que enxerga perfeitamente bem, queixar-vos-eis e com razão. “Não pergunteis, pois, se alguma forma de adoração há que mais convenha, porque equivaleria a perguntardes se mais agrada a Deus ser adorado num idioma do que noutro. Ainda uma vez vos digo: até ele não chegam os cânticos, senão quando passam pela porta do coração.”

 655. Merece censura aquele que pratica uma religião em que não crê do fundo d’alma, fazendo-o apenas pelo respeito humano e para não escandalizar os que pensam de modo diverso? “Nisto, como em muitas outras coisas, a intenção constitui a regra. Não procede mal aquele que, assim fazendo, só tenha em vista respeitar as crenças de outrem. Procede melhor do que um que as ridiculize, porque, então, falta à caridade. Aquele, porém, que a pratique por interesse e por ambição se torna desprezível aos olhos de Deus e dos homens. A Deus não podem agradar os que fingem humilhar-se diante dele tão-somente para granjear o aplauso dos homens.”

656. À adoração individual será preferível a adoração em comum? “Reunidos pela comunhão dos pensamentos e dos sentimentos, mais força têm os homens para atrair a si os bons Espíritos. O mesmo se dá quando se reúnem para adorar a Deus. Não creiais, todavia, que menos valiosa seja a adoração particular, pois que cada um pode adorar a Deus pensando nele.”

VIDA CONTEMPLATIVA

657. Têm, perante Deus, algum mérito os que se consagram à vida contemplativa, uma vez que nenhum mal fazem e só em Deus pensam? “Não, porquanto, se é certo que não fazem o mal, também o é que não fazem o bem e são inúteis. Demais, não fazer o bem já é um mal. Deus quer que o homem pense nele, mas não quer que só nele pense, pois que lhe impôs deveres a cumprir na Terra. Quem passa todo o tempo na meditação e na contemplação nada faz de meritório aos olhos de Deus, porque vive uma vida toda pessoal e inútil à Humanidade e Deus lhe pedirá contas do bem que não houver feito.” (640)

A PRECE

658. Agrada a Deus a prece? “A prece é sempre agradável a Deus, quando ditada pelo coração, pois, para ele, a intenção é tudo. Assim, preferível lhe é a prece do íntimo à prece lida, por muito bela que seja, se for lida mais com os lábios do que com o coração. Agrada-lhe a prece, quando dita com fé, com fervor e sinceridade. Mas, não creiais que o toque a do homem fútil, orgulhoso e egoísta, a menos que signifique, de sua parte, um ato de sincero arrependimento e de verdadeira humildade.”

659. Qual o caráter geral da prece? “A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar nele; é aproximar-se dele; é pôr-se em comunicação com ele. A três coisas podemos propor-nos por meio da prece: louvar, pedir, agradecer.”

660. A prece torna melhor o homem? “Sim, porquanto aquele que ora com fervor e confiança se faz mais forte contra as tentações do mal e Deus lhe envia bons Espíritos para assisti-lo. É este um socorro que jamais se lhe recusa, quando pedido com sinceridade.” a) — Como é que certas pessoas, que oram muito, são, não obstante, de mau-caráter, ciosas, invejosas, impertinentes, carentes de benevolência e de indulgência e até, algumas vezes, viciosas? “O essencial não é orar muito, mas orar bem. Essas pessoas supõem que todo o mérito está na longura da prece e fecham os olhos para os seus próprios defeitos. Fazem da prece uma ocupação, um emprego do tempo, nunca, porém, um estudo de si mesmas. A ineficácia, em tais casos, não é do remédio, sim da maneira por que o aplicam.”

661. Poderemos utilmente pedir a Deus que perdoe as nossas faltas?

“Deus sabe discernir o bem do mal; a prece não esconde as faltas. Aquele que a Deus pede perdão de suas faltas só o obtém mudando de proceder. As boas ações são a melhor prece, por isso que os atos valem mais que as palavras.”

662. Pode-se, com utilidade, orar por outrem? “O Espírito de quem ora atua pela sua vontade de praticar o bem. Atrai a si, mediante a prece, os bons Espíritos e estes se associam ao bem que deseje fazer.” O pensamento e a vontade representam em nós um poder de ação que alcança muito além dos limites da nossa esfera corporal. A prece que façamos por outrem é um ato dessa vontade. Se for ardente e sincera, pode chamar, em auxílio daquele por quem oramos, os bons Espíritos, que lhe virão sugerir bons pensamentos e dar a força de que necessitem seu corpo e sua alma. Mas, ainda aqui, a prece do coração é tudo, a dos lábios nada vale.

663. Podem as preces, que por nós mesmos fizermos mudar a natureza das nossas provas e desviar-lhes o curso?  As vossas provas estão nas mãos de Deus e algumas há que têm de ser suportadas até ao fim; mas, Deus sempre leva em conta a resignação. A prece traz para junto de vós os bons Espíritos e, dando-vos estes a força de suportá-las corajosamente, menos rudes elas vos parecem.

Temos dito que a prece nunca é inútil, quando bem feita, porque fortalece aquele que ora, o que já constitui grande resultado. Ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará, bem o sabes. Demais, não é possível que Deus mude a ordem da natureza ao sabor de cada um, porquanto o que, do vosso ponto de vista mesquinho e do da vossa vida efêmera, vos parece um grande mal é quase sempre um grande bem na ordem geral do Universo. Além disso, de quantos males não se constitui o homem o próprio autor, pela sua imprevidência ou pelas suas faltas? Ele é punido naquilo em que pecou. Todavia, as súplicas justas são atendidas mais vezes do que supondes. Julgais, de ordinário, que Deus não vos ouviu, porque não fez a vosso favor um milagre, enquanto que vos assiste por meios tão naturais que vos parecem obra do acaso ou da força das coisas. Muitas vezes também, as mais das vezes mesmo, ele vos sugere a idéia que vos fará sair da dificuldade pelo vosso próprio esforço.

664. Será útil que oremos pelos mortos e pelos Espíritos sofredores? E, neste caso, como lhes podem as nossas preces proporcionar alívio e abreviar os sofrimentos? Têm elas o poder de abrandar a justiça de Deus? “A prece não pode ter por efeito mudar os desígnios de Deus, mas a alma por quem se ora experimenta alívio, porque recebe assim um testemunho do interesse que inspira àquele que por ela pede e também porque o desgraçado sente sempre um refrigério, quando encontra almas caridosas que se compadecem de suas dores. Por outro lado, mediante a prece, aquele que ora concita o desgraçado ao arrependimento e ao desejo de fazer o que é necessário para ser feliz. Neste sentido é que se lhe pode abreviar a pena, se, por sua parte, ele secunda a prece com a boa vontade. O desejo de melhorar-se, despertado pela prece, atrai para junto do Espírito sofredor Espíritos melhores, que o vão esclarecer, consolar e dar-lhe esperanças. “Jesus orava pelas ovelhas desgarradas, mostrando-vos, desse modo, que culpados vos tornaríeis, se não fizésseis o mesmo pelos que mais necessitam das vossas preces.”

665. Que se deve pensar da opinião dos que rejeitam a prece em favor dos mortos, por não se achar prescrita no Evangelho? “Aos homens disse o Cristo: Amai-vos uns aos outros. Esta recomendação contém a de empregar o homem todos os meios possíveis para testemunhar aos outros homens afeição, sem haver entrado em minúcias quanto à maneira de atingir ele esse fim. Se é certo que nada pode fazer que o Criador, imagem da justiça perfeita, deixe de aplicá-la a todas as ações do Espírito, não menos certo é que a prece que lhe dirigis por aquele que vos inspira afeição constitui, para este, um testemunho de que dele vos lembrais, testemunho que forçosamente contribuirá para lhe suavizar os sofrimentos e consolá-lo. Desde que ele manifeste o mais ligeiro arrependimento, mas só então, é socorrido. Nunca, porém, será deixado na ignorância de que uma alma simpática com ele se ocupou. Ao contrário, será deixado na doce crença de que a intercessão dessa alma lhe foi útil. Daí resulta necessariamente, de sua parte, um sentimento de gratidão e afeto pelo que lhe deu essa prova de amizade ou de piedade. Em consequência, crescerá num e noutro, reciprocamente, o amor que o Cristo recomendava aos homens. Ambos, pois, se fizeram assim obedientes à lei de amor e de união de todos os seres, lei divina, de que resultará a unidade, objetivo e finalidade do Espírito.”1

666. Pode-se orar aos Espíritos? “Pode-se orar aos bons Espíritos, como sendo os mensageiros de Deus e os executores de suas vontades. O poder deles, porém, está em relação com a superioridade que tenham alcançado e dimana sempre do Senhor de todas as coisas, sem cuja permissão nada se faz. Eis por que as preces que se lhes dirigem só são eficazes, se bem aceitas por Deus.”

POLITEÍSMO

667. Por que razão, não obstante ser falsa, a crença politeísta é uma das mais antigas e espalhadas? “A concepção de um Deus único não poderia existir no homem, senão como resultado do desenvolvimento de suas idéias. Incapaz, pela sua ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma determinada, atuando sobre a matéria, conferiu-lhe o homem atributos da natureza corpórea, isto é, uma forma e um aspecto e, desde então, tudo o que parecia ultrapassar os limites da inteligência comum era, para ele, uma divindade. Tudo o que não compreendia devia ser obra de uma potência sobrenatural. Daí a crer em tantas potências distintas quantos os efeitos que observava, não havia mais que um passo. Em todos os tempos, porém, houve homens instruídos, que compreenderam ser impossível a existência desses poderes múltiplos a governarem o mundo, sem uma direção superior, e que, em consequência, se elevaram à concepção de um Deus único.”

668. Tendo-se produzido em todos os tempos e sendo conhecidos desde as primeiras idades do mundo, não haverão os fenômenos espíritas contribuído para a difusão da crença na pluralidade dos deuses? “Sem dúvida, porquanto, chamando deus a tudo o que era sobre-humano, os homens tinham por deuses os Espí- ritos. Daí veio que, quando um homem, pelas suas ações, pelo seu gênio, ou por um poder oculto que o vulgo não lograva compreender, se distinguia dos demais, faziam dele um deus e, por sua morte, lhe rendiam culto.” (603) A palavra deus tinha, entre os antigos, acepção muito ampla. Não indicava, como presentemente, uma personificação do Senhor da Natureza. Era uma qualificação genérica, que se dava a todo ser existente fora das condições da Humanidade.

Ora, tendo-lhes as manifestações espíritas revelado a existência de seres incorpóreos a atuarem como potência da Natureza, a esses seres deram eles o nome de deuses, como lhes damos atualmente o de Espíritos. Pura questão de palavras, com a única diferença de que, na ignorância em que se achavam, mantida intencionalmente pelos que nisso tinham interesse, eles erigiram templos e altares muito lucrativos a tais deuses, ao passo que hoje os consideramos simples criaturas como nós, mais ou menos perfeitas e despidas de seus invólucros terrestres. Se estudarmos atentamente os diversos atributos das divindades pagãs, reconheceremos, sem esforço, todos os de que vemos dotados os Espíritos nos diferentes graus da escala espírita, o estado físico em que se encontram nos mundos superiores, todas as propriedades do perispírito e os papéis que desempenham nas coisas da Terra. Vindo iluminar o mundo com a sua divina luz, o Cristianismo não se propôs destruir uma coisa que está na Natureza. Orientou, porém, a adoração para Aquele a quem é devida. Quanto aos Espíritos, a lembrança deles se há perpetuado, conforme os povos, sob diversos nomes, e suas manifestações, que nunca deixaram de produzir-se, foram interpretadas de maneiras diferentes e muitas vezes exploradas sob o prestígio do mistério. Enquanto para a religião essas manifestações eram fenômenos miraculosos, para os incrédulos sempre foram embustes. Hoje, mercê de um estudo mais sério, feito à luz meridiana, o Espiritismo, escoimado das idéias supersticiosas que o ensombraram durante séculos, nos revela um dos maiores e mais sublimes princípios da Natureza.

 SACRIFÍCIOS

669. Remonta à mais alta antiguidade o uso dos sacrifícios humanos. Como se explica que o homem tenha sido levado a crer que tais coisas pudessem agradar a Deus?  “Primeiramente, porque não compreendia Deus como sendo a fonte da bondade. Nos povos primitivos a matéria sobrepuja o espírito; eles se entregam aos instintos do animal selvagem. Por isso é que, em geral, são cruéis; é que neles o senso moral ainda não se acha desenvolvido. Em segundo lugar, é natural que os homens primitivos acreditassem ter uma criatura animada muito mais valor, aos olhos de Deus, do que um corpo material. Foi isto que os levou a imolarem, primeiro, animais e, mais tarde, homens. De conformidade com a falsa crença que possuíam, pensavam que o valor do sacrifício era proporcional à importância da vítima. Na vida material, como geralmente a praticais, se houverdes de oferecer a alguém um presente, escolhê-lo- -eis sempre de tanto maior valor quanto mais afeto e consideração quiserdes testemunhar a esse alguém. Assim tinha que ser, com relação a Deus, entre homens ignorantes”. a) — De modo que os sacrifícios de animais precederam os sacrifícios humanos? “Sobre isso não pode haver a menor dúvida.”

b) — Então, de acordo com a explicação que vindes de dar, não foi de um sentimento de crueldade que se originaram os sacrifícios humanos? “Não; originaram-se de uma idéia errônea quanto à maneira de agradar a Deus. Considerai o que se deu com Abraão. Com o correr dos tempos, os homens entraram a abusar dessas práticas, imolando seus inimigos comuns, até mesmo seus inimigos particulares. Deus, entretanto, nunca exigiu sacrifícios, nem de homens, nem, sequer, de animais. Não há como imaginar-se que se lhe possa prestar culto, mediante a destruição inútil de suas criaturas.”

670. Dar-se-á que alguma vez possam ter sido agradáveis a Deus os sacrifícios humanos praticados com piedosa intenção? “Não, nunca. Deus, porém, julga pela intenção. Sendo ignorantes os homens, natural era que supusessem praticar ato louvável imolando seus semelhantes. Nesses casos, Deus atentava unicamente na idéia que presidia ao ato e não neste. À proporção que se foram melhorando, os homens tiveram que reconhecer o erro em que laboravam e que reprovar tais sacrifícios, com que não podiam conformar-se as idéias de Espíritos esclarecidos. Digo — esclarecidos, porque os Espíritos tinham então a envolvê-los o véu material; mas, por meio do livre-arbítrio, possível lhes era vislumbrar suas origens e fim, e muitos, por intuição, já compreendiam o mal que praticavam, se bem que nem por isso deixassem de praticá-lo, para satisfazer às suas paixões.”

671. Que devemos pensar das chamadas guerras santas? O sentimento que impele os povos fanáticos, tendo em vista agradar a Deus, a exterminarem o mais possível os que não partilham de suas crenças, poderá equiparar-se, quanto à origem, ao sentimento que os excitava outrora a sacrificarem seus semelhantes? “São impelidos pelos maus Espíritos e, fazendo a guerra aos seus semelhantes, contravêm à vontade de Deus, que manda ame cada um o seu irmão, como a si mesmo. Todas as religiões, ou, antes, todos os povos adoram um mesmo Deus, qualquer que seja o nome que lhe deem. Por que então há de um fazer guerra a outro, sob o fundamento de ser a religião deste diferente da sua, ou por não ter ainda atingido o grau de progresso da dos povos cultos? Se são desculpáveis os povos de não crerem na palavra daquele que o Espírito de Deus animava e que Deus enviou, sobretudo os que não o viram e não lhe testemunharam os atos, como pretenderdes que creiam nessa palavra de paz, quando lhes ides levá-la de espada em punho? Eles têm que ser esclarecidos e devemos esforçar-nos por fazê-los conhecer a doutrina do Salvador, mediante a persuasão e com brandura, nunca a ferro e fogo. Em vossa maioria, não acreditais nas comunicações que temos com certos mortais; como quereríeis que estranhos acreditassem na vossa palavra, quando desmentis com os atos a doutrina que pregais?”

672. A oferenda feita a Deus, de frutos da terra, tinha a seus olhos mais mérito do que o sacrifício dos animais? “Já vos respondi, declarando que Deus julga segundo a intenção e que para ele pouca importância tinha o fato. Mais agradável evidentemente era a Deus que lhe oferecessem frutos da terra, em vez do sangue das vítimas. Como temos dito e sempre repetiremos, a prece proferida do fundo da alma é cem vezes mais agradável a Deus do que todas as oferendas que lhe possais fazer. Repito que a intenção é tudo, que o fato nada vale.” 673. Não seria um meio de tornar essas oferendas agradáveis a Deus consagrá-las a minorar os sofrimentos daqueles a quem falta o necessário e, neste caso, o sacrifício dos animais, praticado com fim útil, não se tornaria meritório, ao passo que era abusivo quando para nada servia, ou só aproveitava aos que de nada precisavam? Não haveria qualquer coisa de verdadeiramente piedoso em consagrar-se aos pobres as primícias dos bens que Deus nos concede na Terra? “Deus abençoa sempre os que fazem o bem. O melhor meio de honrá-lo consiste em minorar os sofrimentos dos pobres e dos aflitos. Não quero dizer com isto que ele desaprove as cerimônias que praticais para lhe dirigirdes as vossas preces. Muito dinheiro, porém, aí se gasta que poderia ser empregado mais utilmente do que o é. Deus ama a simplicidade em tudo. O homem que se atém às exterioridades e não ao coração é um Espírito de vistas acanhadas. Dizei, em consciência, se Deus deve atender mais à forma do que ao fundo.”

 

CAPÍTULO III

 

Da lei do trabalho

 

• Necessidade do trabalho

• Limite do trabalho. Repouso

 

NECESSIDADE DO TRABALHO

674. A necessidade do trabalho é lei da Natureza? “O trabalho é lei da Natureza, por isso mesmo que constitui uma necessidade, e a civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque lhe aumenta as necessidades e os gozos.” 675. Por trabalho só se devem entender as ocupações materiais? “Não; o Espírito trabalha, assim como o corpo. Toda ocupação útil é trabalho.”

676. Por que o trabalho se impõe ao homem?  Por ser uma consequência da sua natureza corpórea. É expiação e, ao mesmo tempo, meio de aperfeiçoamento da sua inteligência. Sem o trabalho, o homem permaneceria sempre na infância, quanto à inteligência. Por isso é que seu alimento, sua segurança e seu bem-estar dependem do seu trabalho e da sua atividade. Ao extremamente fraco de corpo outorgou Deus a inteligência, em compensação. Mas é sempre um trabalho.”

677. Por que provê a Natureza, por si mesma, a todas as necessidades dos animais? “Tudo em a Natureza trabalha. Como tu, trabalham os animais, mas o trabalho deles, de acordo com a inteligência de que dispõem, se limita a cuidarem da própria conservação. Daí vem que do trabalho não lhes resulta progresso, ao passo que o do homem visa duplo fim: a conservação do corpo e o desenvolvimento da faculdade de pensar, o que também é uma necessidade e o eleva acima de si mesmo. Quando digo que o trabalho dos animais se cifra no cuidarem da própria conservação, refiro-me ao objetivo com que trabalham. Entretanto, provendo às suas necessidades materiais, eles se constituem, inconscientemente, executores dos desígnios do Criador e, assim, o trabalho que executam também concorre para a realização do objetivo final da Natureza, se bem quase nunca lhe descubrais o resultado imediato.”

678. Em os mundos mais aperfeiçoados, os homens se acham submetidos à mesma necessidade de trabalhar?  “A natureza do trabalho está em relação com a natureza das necessidades. Quanto menos materiais são estas, menos material é o trabalho. Mas, não deduzais daí que o homem se conserve inativo e inútil. A ociosidade seria um suplício, em vez de ser um benefício”.

679. Achar-se-á isento da lei do trabalho o homem que possua bens suficientes para lhe assegurarem a existência? “Do trabalho material, talvez; não, porém, da obrigação de tornar-se útil, conforme aos meios de que disponha, nem de aperfeiçoar a sua inteligência ou a dos outros, o que também é trabalho. Aquele a quem Deus facultou a posse de bens suficientes a lhe garantirem a existência não está, é certo, constrangido a alimentar-se com o suor do seu rosto, mas tanto maior lhe é a obrigação de ser útil aos seus semelhantes, quanto mais ocasiões de praticar o bem lhe proporciona o adiantamento que lhe foi feito.”

680. Não há homens que se encontram impossibilitados de trabalhar no que quer que seja e cuja existência é, portanto, inútil? “Deus é justo e, pois, só condena aquele que voluntariamente tornou inútil a sua existência, porquanto esse vive a expensas do trabalho dos outros. Ele quer que cada um seja útil, de acordo com as suas faculdades.” (643)

681.A lei da Natureza impõe aos filhos a obrigação de trabalharem para seus pais? “Certamente, do mesmo modo que os pais têm que trabalhar para seus filhos. Foi por isso que Deus fez do amor filial e do amor paterno um sentimento natural. Foi para que, por essa afeição recíproca, os membros de uma família se sentissem impelidos a ajudarem-se mutuamente, o que, aliás, com muita frequência se esquece na vossa sociedade atual.” (205)

LIMITE DO TRABALHO - REPOUSO

682. Sendo uma necessidade para todo aquele que trabalha, o repouso não é também uma lei da Natureza? “Sem dúvida. O repouso serve para a reparação das forças do corpo e também é necessário para dar um pouco mais de liberdade à inteligência, a fim de que se eleve acima da matéria.”

683. Qual o limite do trabalho? “O das forças. Em suma, a esse respeito Deus deixa inteiramente livre o homem.”

684. Que se deve pensar dos que abusam de sua autoridade, impondo a seus inferiores excessivo trabalho? “Isso é uma das piores ações. Todo aquele que tem o poder de mandar é responsável pelo excesso de trabalho que imponha a seus inferiores, porquanto, assim fazendo, transgride a lei de Deus.” (273)

685. Tem o homem o direito de repousar na velhice? “Sim, que a nada é obrigado, senão de acordo com as suas forças.” a) — Mas, que há de fazer o velho que precisa trabalhar para viver e não pode? “O forte deve trabalhar para o fraco. Não tendo este família, a sociedade deve fazer as vezes desta. É a lei de caridade.” Não basta se diga ao homem que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso que aquele que tem de prover à sua existência por meio do trabalho encontre em que se ocupar, o que nem sempre acontece. Quando se generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um flagelo, qual a miséria. A ciência econômica procura remédio para isso no equilíbrio entre a produção e o consumo. Mas, esse equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre intermitências, durante as quais não deixa o trabalhador de ter que viver. Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as consequências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos.

 

CAPÍ TULO I V

 

 Da lei de reprodução

 

• População do globo

• Sucessão e aperfeiçoamento das raças

• Obstáculos à reprodução

• Casamento e celibato

• Poligamia

 

POPULAÇÃO DO GLOBO

686. É lei da Natureza a reprodução dos seres vivos? “Evidentemente. Sem a reprodução, o mundo corporal pereceria.”

687. Indo sempre a população na progressão crescente que vemos, chegará tempo em que seja excessiva na Terra? “Não, Deus a isso provê e mantém sempre o equilíbrio. Ele coisa alguma inútil faz. O homem, que apenas vê um canto do quadro da Natureza, não pode julgar da harmonia do conjunto.”

SUCESSÃO E APERFEIÇOAMENTO DAS RAÇAS

688. Há, neste momento, raças humanas que evidentemente decrescem. Virá momento em que terão desaparecido da Terra? “Assim acontecerá, de fato. É que outras lhes terão tomado o lugar, como outras um dia tomarão o da vossa.”

689. Os homens atuais formam uma criação nova, ou são descendentes aperfeiçoados dos seres primitivos? “São os mesmos Espíritos que voltaram, para se aperfeiçoar em novos corpos, mas que ainda estão longe da perfeição. Assim, a atual raça humana, que, pelo seu crescimento, tende a invadir toda a Terra e a substituir as raças que se extinguem, terá sua fase de decrescimento e de desaparição. Substituí-la-ão outras raças mais aperfeiçoadas, que descenderão da atual, como os homens civilizados de hoje descendem dos seres brutos e selvagens dos tempos primitivos.”

690. Do ponto de vista físico, são de criação especial os corpos da raça atual, ou procedem dos corpos primitivos, mediante reprodução? “A origem das raças se perde na noite dos tempos. Mas, como pertencem todas à grande família humana, qualquer que tenha sido o tronco de cada uma, elas puderam aliar-se entre si e produzir tipos novos.”

691. Qual, do ponto de vista físico, o caráter distintivo e dominante das raças primitivas? “Desenvolvimento da força bruta, à custa da força intelectual. Agora, dá-se o contrário: o homem faz mais pela inteligência do que pela força do corpo. Todavia, faz cem vezes mais, porque soube tirar proveito das forças da Natureza, o que não conseguem os animais.”

692. Será contrário à lei da Natureza o aperfeiçoamento das raças animais e vegetais pela Ciência? Seria mais conforme a essa lei deixar que as coisas seguissem seu curso normal? “Tudo se deve fazer para chegar à perfeição e o próprio homem é um instrumento de que Deus se serve para atingir seus fins. Sendo a perfeição a meta para que tende a Natureza, favorecer essa perfeição é corresponder às vistas de Deus.” a) — Mas, geralmente, os esforços que o homem emprega para conseguir a melhoria das raças nascem de um sentimento pessoal e não objetivam senão o acréscimo de seus gozos. Isto não lhe diminui o mérito? “Que importa seja nulo o seu merecimento, desde que o progresso se realize? Cabe-lhe tornar meritório, pela intenção, o seu trabalho. Demais, mediante esse trabalho, ele exercita e desenvolve a inteligência e sob este aspecto é que maior proveito tira.”

OBSTÁCULOS À REPRODUÇÃO

693. São contrários à lei da Natureza as leis e os costumes humanos que têm por fim ou por efeito criar obstáculos à reprodução? “Tudo o que embaraça a Natureza em sua marcha é contrário à lei geral.” a) — Entretanto, há espécies de seres vivos, animais e plantas, cuja reprodução indefinida seria nociva a outras espécies e das quais o próprio homem acabaria por ser vítima. Pratica ele ato repreensível, impedindo essa reprodução?

“Deus concedeu ao homem, sobre todos os seres vivos, um poder de que ele deve usar, sem abusar. Pode, pois, regular a reprodução, de acordo com as necessidades. Não deve opor-se-lhe sem necessidade. A ação inteligente do homem é um contrapeso que Deus dispôs para restabelecer o equilíbrio entre as forças da Natureza e é ainda isso o que o distingue dos animais, porque ele obra com conhecimento de causa. Mas, os mesmos animais também concorrem para a existência desse equilíbrio, porquanto o instinto de destruição que lhes foi dado faz com que, provendo à própria conservação, obstem ao desenvolvimento excessivo, quiçá perigoso, das espécies animais e vegetais de que se alimentam.”

 694. Que se deve pensar dos usos, cujo efeito consiste em obstar à reprodução, para satisfação da sensualidade? “Isso prova a predominância do corpo sobre a alma e quanto o homem é material.”

CASAMENTO E CELIBATO

695. Será contrário à lei da Natureza o casamento, isto é, a união permanente de dois seres? “É um progresso na marcha da Humanidade.”

696. Que efeito teria sobre a sociedade humana a abolição do casamento? “Seria uma regressão à vida dos animais.” O estado de natureza é o da união livre e fortuita dos sexos. O casamento constitui um dos primeiros atos de progresso nas sociedades humanas, porque estabelece a solidariedade fraterna e se observa entre todos os povos, se bem que em condições diversas. A abolição do casamento seria, pois, regredir à infância da Humanidade e colocaria o homem abaixo mesmo de certos animais que lhe dão o exemplo de uniões constantes.

 697. Está na lei da Natureza, ou somente na lei humana, a indissolubilidade absoluta do casamento? “É uma lei humana muito contrária à da Natureza. Mas os homens podem modificar suas leis; só as da Natureza são imutáveis.”

698. O celibato voluntário representa um estado de perfeição meritório aos olhos de Deus? “Não, e os que assim vivem, por egoísmo, desagradam a Deus e enganam o mundo.” 699. Da parte de certas pessoas, o celibato não será um sacrifício que fazem com o fim de se votarem, de modo mais completo, ao serviço da Humanidade? “Isso é muito diferente. Eu disse: por egoísmo. Todo sacrifício pessoal é meritório, quando feito para o bem. Quanto maior o sacrifício, tanto maior o mérito.” Não é possível que Deus se contradiga, nem que ache mau o que ele próprio fez. Nenhum mérito, portanto, pode haver na violação da sua lei. Mas, se o celibato, em si mesmo, não é um estado meritório, outro tanto não se dá quando constitui, pela renúncia às alegrias da família, um sacrifício praticado em prol da Humanidade. Todo sacrifício pessoal, tendo em vista o bem e sem qualquer idéia egoísta, eleva o homem acima da sua condição material.

POLIGAMIA

700. A igualdade numérica, que mais ou menos existe entre os sexos, constitui indício da proporção em que devam unir-se? “Sim, porquanto tudo, em a Natureza, tem um fim.”

701. Qual das duas, a poligamia ou a monogamia, é mais conforme à lei da Natureza? “A poligamia é lei humana cuja abolição marca um progresso social. O casamento, segundo as vistas de Deus, tem que se fundar na afeição dos seres que se unem. Na poligamia não há afeição real: há apenas sensualidade.” Se a poligamia fosse conforme à lei da Natureza, devera ter possibilidade de tornar-se universal, o que seria materialmente impossível, dada a igualdade numérica dos sexos. Deve ser considerada como um uso ou legislação especial apropriada a certos costumes e que o aperfeiçoamento social fez que desaparecesse pouco a pouco.

 

CAPÍTULO V

 

Da lei de conservação

 

• Instinto de conservação

• Meios de conservação

• Gozo dos bens terrenos

• Necessário e supérfluo

• Privações voluntárias. Mortificações

 

INSTINTO DE CONSERVAÇÃO

702. É lei da Natureza o instinto de conservação? “Sem dúvida. Todos os seres vivos o possuem, qualquer que seja o grau de sua inteligência. Nuns, é puramente maquinal, raciocinado em outros.”

703. Com que fim outorgou Deus a todos os seres vivos o instinto de conservação? “Porque todos têm que concorrer para cumprimento dos desígnios da Providência. Por isso foi que Deus lhes deu a necessidade de viver. Acresce que a vida é necessária ao aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem instintivamente, sem disso se aperceberem.”

MEIOS DE CONSERVAÇÃO

704. Tendo dado ao homem a necessidade de viver, Deus lhe facultou, em todos os tempos, os meios de o conseguir? “Certo, e se ele os não encontra, é que não os compreende. Não fora possível que Deus criasse para o homem a necessidade de viver, sem lhe dar os meios de consegui-lo. Essa a razão por que faz que a Terra produza de modo a proporcionar o necessário aos que a habitam, visto que só o necessário é útil. O supérfluo nunca o é.”

705. Por que nem sempre a terra produz bastante para fornecer ao homem o necessário? “É que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe. Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado da sua imperícia ou da sua imprevidência. A terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ele emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário. Olha o árabe no deserto. Acha sempre de que viver, porque não cria para si necessidades factícias. Desde que haja desperdiçado a metade dos produtos em satisfazer a fantasias, que motivos tem o homem para se espantar de nada encontrar no dia seguinte e para se queixar de estar desprovido de tudo, quando chegam os dias de penúria? Em verdade vos digo, imprevidente não é a Natureza, é o homem, que não sabe regrar o seu viver.”

706. Por bens da Terra unicamente se devem entender os produtos do solo? “O solo é a fonte primacial donde dimanam todos os outros recursos, pois que, em definitivo, estes recursos são simples transformações dos produtos do solo. Por bens da Terra se deve, pois, entender tudo de que o homem pode gozar neste mundo.”

707. É frequente a certos indivíduos faltarem os meios de subsistência, ainda quando os cerca a abundância. A que se deve atribuir isso? “Ao egoísmo dos homens, que nem sempre fazem o que lhes cumpre. Depois e as mais das vezes, devem-no a si mesmos. Buscai e achareis; estas palavras não querem dizer que, para achar o que deseje, basta que o homem olhe para a terra, mas que lhe é preciso procurá-lo, não com indolência, e sim com ardor e perseverança, sem desanimar ante os obstáculos, que muito amiúde são simples meios de que se utiliza a Providência, para lhe experimentar a constância, a paciência e a firmeza.” (534) Se é certo que a Civilização multiplica as necessidades, também o é que multiplica as fontes de trabalho e os meios de viver. Forçoso, porém, é convir em que, a tal respeito, muito ainda lhe resta por fazer. Quando ela houver concluído a sua obra, ninguém deverá haver que possa queixar-se de lhe faltar o necessário, a não ser por sua própria culpa. A desgraça, para muitos, provém de enveredarem por uma senda diversa da que a Natureza lhes traça. É então que lhes falece a inteligência para o bom êxito. Para todos há lugar ao Sol, mas com a condição de que cada um ocupe o seu e não o dos outros. A Natureza não pode ser responsável pelos defeitos da organização social, nem pelas consequências da ambição e do amor-próprio. Fora preciso, entretanto, ser-se cego, para se não reconhecer o progresso que, por esse lado, têm feito os povos mais adiantados. Graças aos louváveis esforços que, juntas, a Filantropia e a Ciência não cessam de despender para melhorar a condição material dos homens e malgrado ao crescimento incessante das populações, a insuficiência da produção se acha atenuada, pelo menos em grande parte, e os anos mais calamitosos do presente não se podem de modo algum comparar aos de outrora. A higiene pública, elemento tão essencial da força e da saúde, a higiene pública, que nossos pais não conheceram, é objeto de esclarecida solicitude. O infortúnio e o sofrimento encontram onde se refugiem. Por toda parte a Ciência contribui para acrescer o bem-estar. Poder-se-á dizer que já se haja chegado à perfeição? Oh! não, certamente; mas, o que já se fez deixa prever o que, com perseverança, se logrará conseguir, se o homem se mostrar bastante avisado para procurar a sua felicidade nas coisas positivas e sérias e não em utopias que o levam a recuar em vez de fazê-lo avançar.

708. Não há situações em as quais os meios de subsistência de maneira alguma dependem da vontade do homem, sendo-lhe a privação do de que mais imperiosamente necessita uma consequência da força mesma das coisas? “É isso uma prova, muitas vezes cruel, que lhe compete sofrer e à qual sabia ele de antemão que viria a estar exposto. Seu mérito então consiste em submeter-se à vontade de Deus, desde que a sua inteligência nenhum meio lhe faculta de sair da dificuldade. Se a morte vier colhê-lo, cumpre-lhe recebê-la sem murmurar, ponderando que a hora da verdadeira libertação soou e que o desespero no derradeiro momento pode ocasionar-lhe a perda do fruto de toda a sua resignação.”

709. Terão cometido crime os que, em certas situações críticas, se viram na contingência de sacrificar seus semelhantes, para matar a fome? Se houve crime, não teve este a atenuá-lo a necessidade de viver, que resulta do instinto de conservação? “Já respondi, quando disse que há mais merecimento em sofrer todas as provações da vida com coragem e abnegação. Em tal caso, há homicídio e crime de lesa-natureza, falta que é duplamente punida.”

710. Nos mundos de mais apurada organização, têm os seres vivos necessidade de alimentar-se? “Têm, mas seus alimentos estão em relação com a sua natureza. Tais alimentos não seriam bastante substanciosos para os vossos estômagos grosseiros; assim como os deles não poderiam digerir os vossos alimentos.”

GOZO DOS BENS TERRENOS

711. O uso dos bens da Terra é um direito de todos os homens? “Esse direito é consequente da necessidade de viver. Deus não imporia um dever sem dar ao homem o meio de cumpri-lo.”

712. Com que fim pôs Deus atrativos no gozo dos bens materiais? “Para instigar o homem ao cumprimento da sua missão e para experimentá-lo por meio da tentação.” a) — Qual o objetivo dessa tentação? “Desenvolver-lhe a razão, que deve preservá-lo dos excessos”.

Se o homem só fosse instigado a usar dos bens terrenos pela utilidade que têm, sua indiferença houvera talvez comprometido a harmonia do Universo. Deus imprimiu a esse uso o atrativo do prazer, porque assim é o homem impelido ao cumprimento dos desígnios providenciais. Mas, além disso, dando àquele uso esse atrativo, quis Deus também experimentar o homem por meio da tentação, que o arrasta para o abuso, de que deve a razão defendê-lo.

713. Traçou a Natureza limites aos gozos? “Traçou, para vos indicar o limite do necessário. Mas, pelos vossos excessos, chegais à saciedade e vos punis a vós mesmos.”

714. Que se deve pensar do homem que procura nos excessos de todo gênero o requinte dos gozos? “Pobre criatura! mais digna é de lástima que de inveja, pois bem perto está da morte!” a) — Perto da morte física, ou da morte moral? “De ambas.” O homem, que procura nos excessos de todo gênero o requinte do gozo, coloca-se abaixo do bruto, pois que este sabe deter-se, quando satisfeita a sua necessidade. Abdica da razão que Deus lhe deu por guia e quanto maiores forem seus excessos, tanto maior preponderância confere ele à sua natureza animal sobre a sua natureza espiritual. As doenças, as enfermidades e, ainda, a morte, que resultam do abuso, são, ao mesmo tempo, o castigo à transgressão da lei de Deus.

NECESSÁRIO E SUPÉRFLUO

715. Como pode o homem conhecer o limite do necessário? “Aquele que é ponderado o conhece por intuição. Muitos só chegam a conhecê-lo por experiência e à sua própria custa.”

716. Mediante a organização que nos deu, não traçou a Natureza o limite das nossas necessidades? “Sem dúvida, mas o homem é insaciável. Por meio da organização que lhe deu, a Natureza lhe traçou o limite das necessidades; porém, os vícios lhe alteraram a constituição e lhe criaram necessidades que não são reais.”

717. Que se há de pensar dos que açambarcam os bens da Terra para se proporcionarem o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário? “Olvidam a lei de Deus e terão que responder pelas privações que houverem causado aos outros.” Nada tem de absoluto o limite entre o necessário e o supérfluo. A Civilização criou necessidades que o selvagem desconhece e os Espíritos que ditaram os preceitos acima não pretendem que o homem civilizado deva viver como o selvagem. Tudo é relativo, cabendo à razão regrar as coisas. A Civilização desenvolve o senso moral e, ao mesmo tempo, o sentimento de caridade, que leva os homens a se prestarem mútuo apoio. Os que vivem à custa das privações dos outros exploram, em seu proveito, os benefícios da Civilização. Desta têm apenas o verniz, como muitos há que da religião só têm a máscara.

PRIVAÇÕES VOLUNTÁRIAS. MORTIFICAÇÕES

718. A lei de conservação obriga o homem a prover às necessidades do corpo? “Sim, porque, sem força e saúde, impossível é o trabalho.”

719. Merece censura o homem, por procurar o bem-estar? “É natural o desejo do bem-estar. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação. Ele não condena a procura do bem-estar, desde que não seja conseguido à custa de outrem e não venha a diminuir-vos nem as forças físicas, nem as forças morais.”

720. São meritórias aos olhos de Deus as privações voluntárias, com o objetivo de uma expiação igualmente voluntária? “Fazei o bem aos vossos semelhantes e mais mérito tereis.” a) — Haverá privações voluntárias que sejam meritórias? “Há: a privação dos gozos inúteis, porque desprende da matéria o homem e lhe eleva a alma. Meritório é resistir à tentação que arrasta ao excesso ou ao gozo das coisas inúteis; é o homem tirar do que lhe é necessário para dar aos que carecem do bastante. Se a privação não passar de simulacro, será uma irrisão.”

 721. É meritória, de qualquer ponto de vista, a vida de mortificações ascéticas que desde a mais remota antiguidade teve praticantes no seio de diversos povos? “Procurai saber a quem ela aproveita e tereis a resposta. Se somente serve para quem a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo, seja qual for o pretexto com que entendam de colori-la. Privar-se a si mesmo e trabalhar para os outros, tal a verdadeira mortificação, segundo a caridade cristã.”

 722. Será racional a abstenção de certos alimentos, prescrita a diversos povos? “Permitido é ao homem alimentar-se de tudo o que lhe não prejudique a saúde. Alguns legisladores, porém, com um fim útil, entenderam de interdizer o uso de certos alimentos e, para maior autoridade imprimirem às suas leis, apresentaram-nas como emanadas de Deus.”

723. A alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza? “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização.”

724. Será meritório abster-se o homem da alimentação animal, ou de outra qualquer, por expiação? “Sim, se praticar essa privação em benefício dos outros. Aos olhos de Deus, porém, só há mortificação, havendo privação séria e útil. Por isso é que qualificamos de hipócritas os que apenas aparentemente se privam de alguma coisa.” (720)

 725. Que se deve pensar das mutilações operadas no corpo do homem ou dos animais? “A que propósito, semelhante questão? Ainda uma vez: inquiri sempre vós mesmos se é útil aquilo de que porventura se trate. A Deus não pode agradar o que seja inútil e o que for nocivo lhe será sempre desagradável. Porque, ficai sabendo, Deus só é sensível aos sentimentos que elevam para ele a alma. Obedecendo-lhe à lei e não a violando é que podereis forrar-vos ao jugo da vossa matéria terrestre.”

726. Visto que os sofrimentos deste mundo nos elevam, se os suportarmos devidamente, dar-se-á que também nos elevam os que nós mesmos nos criamos? “Os sofrimentos naturais são os únicos que elevam, porque vêm de Deus. Os sofrimentos voluntários de nada servem, quando não concorrem para o bem de outrem. Supões que se adiantam no caminho do progresso os que abreviam a vida, mediante rigores sobre-humanos, como o fazem os bonzos, os faquires e alguns fanáticos de muitas seitas? Por que de preferência não trabalham pelo bem de seus semelhantes? Vistam o indigente; consolem o que chora; trabalhem pelo que está enfermo; sofram privações para alívio dos infelizes e então suas vidas serão úteis e, portanto, agradáveis a Deus. Sofrer alguém voluntariamente, apenas por seu próprio bem, é egoísmo; sofrer pelos outros é caridade: tais os preceitos do Cristo.”

727. Uma vez que não devemos criar sofrimentos voluntários, que nenhuma utilidade tenham para outrem, deveremos cuidar de preservar-nos dos que prevejamos ou nos ameacem? “Contra os perigos e os sofrimentos é que o instinto de conservação foi dado a todos os seres. Fustigai o vosso espírito e não o vosso corpo, mortificai o vosso orgulho, sufocai o vosso egoísmo, que se assemelha a uma serpente a vos roer o coração, e fareis muito mais pelo vosso adiantamento do que infringindo-vos rigores que já não são deste século.”

 

CAPÍTULO VI

Da lei de destruição

 

• Destruição necessária e destruição abusiva

• Flagelos destruidores

• Guerras

• Assassínio

• Crueldade

 • Duelo

• Pena de morte

 

DESTRUIÇÃO NECESSÁRIA E DESTRUIÇÃO ABUSIVA

728. É lei da Natureza a destruição? “Preciso é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos”.  a) — O instinto de destruição teria sido dado aos seres vivos por desígnios providenciais? “As criaturas são instrumentos de que Deus se serve para chegar aos fins que objetiva. Para se alimentarem, os seres vivos reciprocamente se destroem, destruição esta que obedece a um duplo fim: manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e utilização dos despojos do invólucro exterior que sofre a destruição. Esse invólucro é simples acessório e não a parte essencial do ser pensante. A parte essencial é o princípio inteligente, que não se pode destruir e se elabora nas metamorfoses diversas por que passa.”

 729. Se a regeneração dos seres faz necessária a destruição, por que os cerca a Natureza de meios de preservação e conservação? “A fim de que a destruição não se dê antes de tempo. Toda destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do princípio inteligente. Por isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse a necessidade de viver e de se reproduzir.”

730. Uma vez que a morte nos faz passar a uma vida melhor, nos livra dos males desta, sendo, pois, mais de desejar do que de temer, por que lhe tem o homem, instintivamente, tal horror, que ela lhe é sempre motivo de apreensão? “Já dissemos que o homem deve procurar prolongar a vida, para cumprir a sua tarefa. Tal o motivo por que Deus lhe deu o instinto de conservação, instinto que o sustenta nas provas. A não ser assim, ele muito frequentemente se entregaria ao desânimo. A voz íntima, que o induz a repelir a morte, lhe diz que ainda pode realizar alguma coisa pelo seu progresso. A ameaça de um perigo constitui aviso, para que se aproveite da dilação que Deus lhe concede. Mas, ingrato, o homem rende graças mais vezes à sua estrela do que ao seu Criador.”

731. Por que, ao lado dos meios de conservação, colocou a Natureza os agentes de destruição? “É o remédio ao lado do mal. Já dissemos: para manter o equilíbrio e servir de contrapeso.”

732. Será idêntica, em todos os mundos, a necessidade de destruição? “Guarda proporções com o estado mais ou menos material dos mundos. Cessa, quando o físico e o moral se acham mais depurados. Muito diversas são as condições de existência nos mundos mais adiantados do que o vosso.”

733. Entre os homens da Terra existirá sempre a necessidade da destruição? “Essa necessidade se enfraquece no homem, à medida que o Espírito sobrepuja a matéria. Assim é que, como podeis observar, o horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral.”

734. Em seu estado atual, tem o homem direito ilimitado de destruição sobre os animais? “Tal direito se acha regulado pela necessidade, que ele tem, de prover ao seu sustento e à sua segurança. O abuso jamais constituiu direito.”

735. Que se deve pensar da destruição, quando ultrapassa os limites que as necessidades e a segurança traçam? Da caça, por exemplo, quando não objetiva senão o prazer de destruir sem utilidade? “Predominância da bestialidade sobre a natureza espiritual. Toda destruição que excede os limites da necessidade é uma violação da lei de Deus. Os animais só destroem para satisfação de suas necessidades; enquanto que o homem, dotado de livre-arbítrio, destrói sem necessidade. Terá que prestar contas do abuso da liberdade que lhe foi concedida, pois isso significa que cede aos maus instintos.”

736. Especial merecimento terão os povos que levam ao excesso o escrúpulo, quanto à destruição dos animais? “Esse excesso, no tocante a um sentimento louvável em si mesmo, se torna abusivo e o seu merecimento fica neutralizado por abusos de muitas outras espécies. Entre tais povos, há mais temor supersticioso do que verdadeira bondade.”

FLAGELOS DESTRUIDORES

737. Com que fim fere Deus a Humanidade por meio de flagelos destruidores? “Para fazê-la progredir mais depressa. Já não dissemos ser a destruição uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos, que, em cada nova existência, sobem um degrau na escala do aperfeiçoamento? Preciso é que se veja o objetivo, para que os resultados possam ser apreciados. Somente do vosso ponto de vista pessoal os apreciais; daí vem que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo que vos causam. Essas subversões, porém, são frequentemente necessárias para que mais pronto se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para que se realize em alguns anos o que teria exigido muitos séculos.” (744)

738. Para conseguir a melhora da Humanidade, não podia Deus empregar outros meios que não os flagelos destruidores? “Pode e os emprega todos os dias, pois que deu a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do mal. O homem, porém não se aproveita desses meios. Necessário, portanto, se torna que seja castigado no seu orgulho e que se lhe faça sentir a sua fraqueza.”

a) — Mas, nesses flagelos, tanto sucumbe o homem de bem como o perverso. Será justo isso? “Durante a vida, o homem tudo refere ao seu corpo; entretanto, de maneira diversa pensa depois da morte. Ora, conforme temos dito, a vida do corpo bem pouca coisa é. Um século no vosso mundo não passa de um relâmpago na eternidade. Logo, nada são os sofrimentos de alguns dias ou de alguns meses, de que tanto vos queixais. Representam um ensino que se vos dá e que vos servirá no futuro. Os Espíritos, que preexistem e sobrevivem a tudo, formam o mundo real (85). Esses os filhos de Deus e o objeto de toda a sua solicitude. Os corpos são meros disfarces com que eles aparecem no mundo. Por ocasião das grandes calamidades que dizimam os homens, o espetáculo é semelhante ao de um exército cujos soldados, durante a guerra, ficassem com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general se preocupa mais com seus soldados do que com os uniformes deles.” b) — Mas, nem por isso as vítimas desses flagelos deixam de o ser. “Se considerásseis a vida qual ela é e quão pouca coisa representa com relação ao infinito, menos importância lhe daríeis. Em outra vida, essas vítimas acharão ampla compensação aos seus sofrimentos, se souberem suportá-los sem murmurar.” Venha por um flagelo a morte, ou por uma causa comum, ninguém deixa por isso de morrer, desde que haja soado a hora da partida. A única diferença, em caso de flagelo, é que maior número parte ao mesmo tempo. Se, pelo pensamento, pudéssemos elevar-nos de maneira a dominar a Humanidade e a abrangê-la em seu conjunto, esses tão terríveis flagelos não nos pareceriam mais do que passageiras tempestades no destino do mundo.

739. Têm os flagelos destruidores utilidade, do ponto de vista físico, não obstante os males que ocasionam? “Têm. Muitas vezes mudam as condições de uma região. Mas, o bem que deles resulta só as gerações vindouras o experimentam.”

740. Não serão os flagelos, igualmente, provas morais para o homem, por porem-no a braços com as mais aflitivas necessidades? “Os flagelos são provas que dão ao homem ocasião de exercitar a sua inteligência, de demonstrar sua paciência e resignação ante a vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se o não domina o egoísmo.”

741. Dado é ao homem conjurar os flagelos que o afligem? “Em parte, é; não, porém, como geralmente o entendem. Muitos flagelos resultam da imprevidência do homem. À medida que adquire conhecimentos e experiência, ele os vai podendo conjurar, isto é, prevenir, se lhes sabe pesquisar as causas. Contudo, entre os males que afligem a Humanidade, alguns há de caráter geral, que estão nos decretos da Providência e dos quais cada indivíduo recebe, mais ou menos, o contragolpe. A esses nada pode o homem opor, a não ser sua submissão à vontade de Deus. Esses mesmos males, entretanto, ele muitas vezes os agrava pela sua negligência.”

Na primeira linha dos flagelos destruidores, naturais e independentes do homem, devem ser colocados a peste, a fome, as inundações, as intempéries fatais às produções da terra. Não tem, porém, o homem encontrado na Ciência, nas obras de arte, no aperfeiçoamento da agricultura, nos afolhamentos e nas irriga- ções, no estudo das condições higiênicas, meios de impedir, ou, quando menos, de atenuar muitos desastres? Certas regiões, outrora assoladas por terríveis flagelos, não estão hoje preservadas deles? Que não fará, portanto, o homem pelo seu bem-estar material, quando souber aproveitar-se de todos os recursos da sua inteligência e quando, aos cuidados da sua conservação pessoal, souber aliar o sentimento de verdadeira caridade para com os seus semelhantes? (707)

GUERRAS

742. Que é o que impele o homem à guerra? “Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem — o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos frequente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária.”

743. Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá? “Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.”

744. Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra? “A liberdade e o progresso.”

a) — Desde que a guerra deve ter por efeito produzir o advento da liberdade, como pode frequentemente ter por objetivo e resultado a escravização? “Escravização temporária, para esmagar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.”

745. Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu? “Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição.”

ASSASSÍNIO

746. É crime aos olhos de Deus o assassínio? “Grande crime, pois que aquele que tira a vida ao seu semelhante corta o fio de uma existência de expiação ou de missão. Aí é que está o mal.”

747. É sempre do mesmo grau a culpabilidade em todos os casos de assassínio? “Já o temos dito: Deus é justo, julga mais pela intenção do que pelo fato.”

748. Em caso de legítima defesa, escusa Deus o assassínio? “Só a necessidade o pode escusar. Mas, desde que o agredido possa preservar sua vida, sem atentar contra a de seu agressor, deve fazê-lo.”

749. Tem o homem culpa dos assassínios que pratica durante a guerra? “Não, quando constrangido pela força; mas é culpado das crueldades que cometa, sendo-lhe também levado em conta o sentimento de humanidade com que proceda.”

750. Qual o mais condenável aos olhos de Deus, o parricídio ou o infanticídio? “Ambos o são igualmente, porque todo crime é um crime.”

751. Como se explica que entre alguns povos, já adiantados sob o ponto de vista intelectual, o infanticídio seja um costume e esteja consagrado pela legislação? “O desenvolvimento intelectual não implica a necessidade do bem. Um Espírito, superior em inteligência, pode ser mau. Isso se dá com aquele que muito tem vivido sem se melhorar: apenas sabe.”

CRUELDADE

752. Poder-se-á ligar o sentimento de crueldade ao instinto de destruição? “É o instinto de destruição no que tem de pior, porquanto, se, algumas vezes, a destruição constitui uma necessidade, com a crueldade jamais se dá o mesmo. Ela resulta sempre de uma natureza má.”

753. Por que razão a crueldade forma o caráter predominante dos povos primitivos? “Nos povos primitivos, como lhes chamas, a matéria prepondera sobre o Espírito. Eles se entregam aos instintos do bruto e, como não experimentam outras necessidades além das da vida do corpo, só da conservação pessoal cogitam e é o que os torna, em geral, cruéis. Demais, os povos de imperfeito desenvolvimento se conservam sob o império de Espíritos também imperfeitos, que lhes são simpáticos, até que povos mais adiantados venham destruir ou enfraquecer essa influência.”

754. A crueldade não derivará da carência de senso moral? “Dize — da falta de desenvolvimento do senso moral; não digas da carência, porquanto o senso moral existe, como princípio, em todos os homens. É esse senso moral que dos seres cruéis fará mais tarde seres bons e humanos. Ele, pois, existe no selvagem, mas como o princípio do perfume no gérmen da flor que ainda não desabrochou.” Em estado rudimentar ou latente, todas as faculdades existem no homem. Desenvolvem-se, conforme lhes sejam mais ou menos favoráveis as circunstâncias. O desenvolvimento excessivo de umas detém ou neutraliza o das outras. A sobre-excitação dos instintos materiais abafa, por assim dizer, o senso moral, como o desenvolvimento do senso moral enfraquece pouco a pouco as faculdades puramente animais.

755. Como pode dar-se que, no seio da mais adiantada civilização, se encontrem seres às vezes tão cruéis quanto os selvagens? “Do mesmo modo que numa árvore carregada de bons frutos se encontram verdadeiros abortos. São, se quiseres, selvagens que da civilização só têm o exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros. Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem encarnar entre homens adiantados, na esperança de também se adiantarem. Mas, desde que a prova é por demais pesada, predomina a natureza primitiva.”

756. A sociedade dos homens de bem se verá algum dia expurgada dos seres malfazejos? “A Humanidade progride. Esses homens, em quem o instinto do mal domina e que se acham deslocados entre pessoas de bem, desaparecerão gradualmente, como o mau grão se separa do bom, quando este é joeirado. Mas, desaparecerão para renascer sob outros invólucros. Como então terão mais experiência, compreenderão melhor o bem e o mal. Tens disso um exemplo nas plantas e nos animais que o homem há conseguido aperfeiçoar, desenvolvendo neles qualidades novas. Pois bem, só ao cabo de muitas gerações o desenvolvimento se torna completo. É a imagem das diversas existências do homem.”

DUELO

757. Pode-se considerar o duelo como um caso de legítima defesa? “Não; é um assassínio e um costume absurdo, digno dos bárbaros. Com uma civilização mais adiantada e mais moral, o homem compreenderá que o duelo é tão ridículo quanto os combates que outrora se consideravam como o juízo de Deus.”

758. Poder-se-á considerar o duelo como um assassínio por parte daquele que, conhecendo a sua própria fraqueza, tem a quase certeza de que sucumbirá? “É um suicídio.” a) — E quando as probabilidades são as mesmas para ambos os duelistas, haverá assassínio ou suicídio? “Um e outro.” Em todos os casos, mesmo quando as probabilidades são idênticas para ambos os combatentes, o duelista incorre em culpa, primeiro, porque atenta friamente e de propósito deliberado contra a vida de seu semelhante; depois, porque expõe inutilmente a sua própria vida, sem proveito para ninguém.

759. Que valor tem o que se chama ponto de honra, em matéria de duelo? “Orgulho e vaidade: dupla chaga da Humanidade.” a) — Mas, não há casos em que a honra se acha verdadeiramente empenhada e em que uma recusa fora covardia? “Isso depende dos usos e costumes. Cada país e cada século tem a esse respeito um modo de ver diferente. Quando os homens forem melhores e estiverem mais adiantados em moral, compreenderão que o verdadeiro ponto de honra está acima das paixões terrenas e que não é matando, nem se deixando matar, que repararão agravos.” Há mais grandeza e verdadeira honra em confessar-se culpado o homem, se cometeu alguma falta, ou em perdoar, se de seu lado esteja a razão, e, qualquer que seja o caso, em desprezar os insultos, que o não podem atingir.

PENA DE MORTE

760. Desaparecerá algum dia, da legislação humana, a pena de morte? “Incontestavelmente desaparecerá e a sua supressão assinalará um progresso da Humanidade. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida na Terra. Não mais precisarão os homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me a uma época ainda muito distante de vós.” Sem dúvida, o progresso social ainda muito deixa a desejar. Mas, seria injusto para com a sociedade moderna quem não visse um progresso nas restrições postas à pena de morte, no seio dos povos mais adiantados, e à natureza dos crimes a que a sua aplicação se acha limitada. Se compararmos as garantias de que, entre esses mesmos povos, a justiça procura cercar o acusado, a humanidade de que usa para com ele, mesmo quando o reconhece culpado, com o que se praticava em tempos que ainda não vão muito longe, não poderemos negar o avanço do gênero humano na senda do progresso.

761. A lei de conservação dá ao homem o direito de preservar sua vida. Não usará ele desse direito, quando elimina da sociedade um membro perigoso? ‘Há outros meios de ele se preservar do perigo, que não matando. Demais, é preciso abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento.

762. A pena de morte, que pode vir a ser banida das sociedades civilizadas, não terá sido de necessidade em épocas menos adiantadas? “Necessidade não é o termo. O homem julga necessária uma coisa, sempre que não descobre outra melhor. À proporção que se instrui, vai compreendendo melhormente o que é justo e o que é injusto e repudia os excessos cometidos, nos tempos de ignorância, em nome da justiça.”

763. Será um indício de progresso da civilização a restrição dos casos em que se aplica a pena de morte? “Podes duvidar disso? Não se revolta o teu Espírito, quando lês a narrativa das carnificinas humanas que outrora se faziam em nome da justiça e, não raro, em honra da Divindade; das torturas que se infligiam ao condenado e até ao simples acusado, para lhe arrancar, pela agudeza do sofrimento, a confissão de um crime que muitas vezes não cometera? Pois bem! Se houvesses vivido nessas épocas, terias achado tudo isso natural e talvez mesmo, se foras juiz, fizesses outro tanto. Assim é que o que pareceu justo, numa época, parece bárbaro em outra. Só as leis divinas são eternas; as humanas mudam com o progresso e continuarão a mudar, até que tenham sido postas de acordo com aquelas.”

764. Disse Jesus: Quem matou com a espada, pela espada perecerá. Estas palavras não consagram a pena de talião e, assim, a morte dada ao assassino não constitui uma aplicação dessa pena? “Tomai cuidado! Muito vos tendes enganado a respeito dessas palavras, como acerca de outras. A pena de talião é a justiça de Deus. É Deus quem a aplica. Todos vós sofreis essa pena a cada instante, pois que sois punidos naquilo em que haveis pecado, nesta existência ou em outra. Aquele que foi causa do sofrimento para seus semelhantes virá a achar-se numa condição em que sofrerá o que tenha feito sofrer. Este o sentido das palavras de Jesus. Mas, não vos disse ele também: Perdoai aos vossos inimigos? E não vos ensinou a pedir a Deus que vos perdoe as ofensas como houverdes vós mesmos perdoado, isto é, na mesma proporção em que houverdes perdoado, compreendei-o bem?”

765. Que se deve pensar da pena de morte imposta em nome de Deus? “É tomar o homem o lugar de Deus na distribuição da justiça. Os que assim procedem mostram quão longe estão de compreender Deus e que muito ainda têm que expiar. A pena de morte é um crime, quando aplicada em nome de Deus; e os que a impõem se sobrecarregam de outros tantos assassínios.”

 

CAPÍTULO VII

Da lei de sociedade

 

• Necessidade da vida social

• Vida de insulamento. Voto de silêncio

 • Laços de família

 

NECESSIDADE DA VIDA SOCIAL

766. A vida social está em a Natureza? “Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação.”

767. É contrário à lei da Natureza o insulamento absoluto? “Sem dúvida, pois que por instinto os homens buscam a sociedade e todos devem concorrer para progresso, auxiliando-se mutuamente.”

768. Procurando a sociedade, não fará o homem mais do que obedecer a um sentimento pessoal, ou há nesse sentimento algum providencial objetivo de ordem mais geral? “O homem tem que progredir. Insulado, não lhe é isso possível, por não dispor de todas as faculdades. Falta-lhe o contato com os outros homens. No insulamento, ele se embrutece e estiola.” Homem nenhum possui faculdades completas. Mediante a união social é que elas umas às outras se completam, para lhe assegurarem o bem-estar e o progresso. Por isso é que, precisando uns dos outros, os homens foram feitos para viver em sociedade e não insulados.

VIDA DE INSULAMENTO. VOTO DE SILÊNCIO

769. Concebe-se que, como princípio geral, a vida social esteja na Natureza. Mas, uma vez que também todos os gostos estão na Natureza, por que será condenável o do insulamento absoluto, desde que cause satisfação ao homem? “Satisfação egoísta. Também há homens que experimentam satisfação na embriaguez. Merece-te isso aprovação? Não pode agradar a Deus uma vida pela qual o homem se condena a não ser útil a ninguém.”

770. Que se deve pensar dos que vivem em absoluta reclusão, fugindo ao pernicioso contato do mundo? “Duplo egoísmo.” a) — Mas, não será meritório esse retraimento, se tiver por fim uma expiação, impondo-se aquele que o busca uma privação penosa? “Fazer maior soma de bem do que de mal constitui a melhor expiação. Evitando um mal, aquele que por tal motivo se insula cai noutro, pois esquece a lei de amor e de caridade.”

771. Que pensar dos que fogem do mundo para se votarem ao mister de socorrer os desgraçados? “Esses se elevam, rebaixando-se. Têm o duplo mérito de se colocarem acima dos gozos materiais e de fazerem o bem, obedecendo à lei do trabalho.” a) — E dos que buscam no retiro a tranquilidade que certos trabalhos reclamam? “Isso não é retraimento absoluto do egoísta. Esses não se insulam da sociedade, porquanto para ela trabalham.”

772. Que pensar do voto de silêncio prescrito por algumas seitas, desde a mais remota antiguidade? “Perguntai, antes, a vós mesmos se a palavra é faculdade natural e por que Deus a concedeu ao homem. Deus condena o abuso e não o uso das faculdades que lhe outorgou. Entretanto, o silêncio é útil, pois no silêncio pões em prática o recolhimento; teu espírito se torna mais livre e pode entrar em comunicação conosco. Mas o voto de silêncio é uma tolice. Sem dúvida obedecem a boa intenção os que consideram essas privações como atos de virtude. Enganam-se, no entanto, porque não compreendem suficientemente as verdadeiras leis de Deus.” O voto de silêncio absoluto, do mesmo modo que o voto de insulamento, priva o homem das relações sociais que lhe podem facultar ocasiões de fazer o bem e de cumprir a lei do progresso.

LAÇOS DE FAMÍLIA

773. Por que é que, entre os animais, os pais e os filhos deixam de reconhecer-se, desde que estes não mais precisam de cuidados?

774. Há pessoas que, do fato de os animais ao cabo de certo tempo abandonarem suas crias, deduzem não serem os laços de família, entre os homens, mais do que resultado dos costumes sociais e não efeito de uma lei da Natureza. Que devemos pensar a esse respeito? “Diverso do dos animais é o destino do homem. Por que, então, quererem identificá-lo com estes? Há no homem alguma coisa mais, além das necessidades físicas: há a necessidade de progredir. Os laços sociais são necessários ao progresso e os de família mais apertados tornam os primeiros. Eis por que os segundos constituem uma lei da Natureza. Quis Deus que, por essa forma, os homens aprendessem a amar-se como irmãos.” (205)

 775. Qual seria, para a sociedade, o resultado do relaxamento dos laços de família? “Uma recrudescência do egoísmo.”

 

CAPÍTULO VIII

Da lei do progresso

 

• Estado de natureza

 • Marcha do progresso

• Povos degenerados

• Civilização

• Progresso da legislação humana

• Influência do Espiritismo no progresso

 

ESTADO DE NATUREZA

776. Serão coisas idênticas o estado de natureza e a lei natural? “Não, o estado de natureza é o estado primitivo. A civilização é incompatível com o estado de natureza, ao passo que a lei natural contribui para o progresso da Humanidade.” O estado de natureza é a infância da Humanidade e o ponto de partida do seu desenvolvimento intelectual e moral. Sendo perfectível e trazendo em si o gérmen do seu aperfeiçoamento, o homem não foi destinado a viver perpetuamente no estado de natureza, como não o foi a viver eternamente na infância. Aquele estado é transitório para o homem, que dele sai por virtude do progresso e da civilização. A lei natural, ao contrário, rege a Humanidade inteira e o homem se melhora à medida que melhor a compreende e pratica.

777. Tendo o homem, no estado de natureza, menos necessidades, isento se acha das tribulações que para si mesmo cria, quando num estado de maior adiantamento. Diante disso, que se deve pensar da opinião dos que consideram aquele estado como o da mais perfeita felicidade na Terra? “Que queres! é a felicidade do bruto. Há pessoas que não compreendem outra. É ser feliz à maneira dos animais. As crianças também são mais felizes do que os homens feitos.”

778. Pode o homem retrogradar para o estado de natureza? “Não, o homem tem que progredir incessantemente e não pode volver ao estado de infância. Desde que progride, é porque Deus assim o quer. Pensar que possa retrogradar à sua primitiva condição fora negar a lei do progresso.”

MARCHA DO PROGRESSO

779. A força para progredir, haure-a o homem em si mesmo, ou o progresso é apenas fruto de um ensinamento? “O homem se desenvolve por si mesmo, naturalmente. Mas, nem todos progridem simultaneamente e do mesmo modo. Dá-se então que os mais adiantados auxiliam o progresso dos outros, por meio do contato social.”

780. O progresso moral acompanha sempre o progresso intelectual? “Decorre deste, mas nem sempre o segue imediatamente.” (l92-365) a) — Como pode o progresso intelectual engendrar o progresso moral? “Fazendo compreensíveis o bem e o mal. O homem, desde então, pode escolher. O desenvolvimento do livre-arbítrio acompanha o da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos.” b) — Como é, nesse caso, que, muitas vezes, sucede serem os povos mais instruídos os mais pervertidos também? “O progresso completo constitui o objetivo. Os povos, porém, como os indivíduos, só passo a passo o atingem. Enquanto não se lhes haja desenvolvido o senso moral, pode mesmo acontecer que se sirvam da inteligência para a prática do mal. O moral e a inteligência são duas forças que só com o tempo chegam a equilibrar-se.” (365-751)

781. Tem o homem o poder de paralisar a marcha do progresso? “Não, mas tem, às vezes, o de embaraçá-la.” a) — Que se deve pensar dos que tentam deter a marcha do progresso e fazer que a Humanidade retrograde? “Pobres seres, que Deus castigará! Serão levados de roldão pela torrente que procuram deter.” Sendo o progresso uma condição da natureza humana, não está no poder do homem opor-se-lhe. É uma força viva, cuja ação pode ser retardada, porém não anulada, por leis humanas más. Quando estas se tornam incompatíveis com ele, despedaça-as juntamente com os que se esforcem por mantê-las. Assim será, até que o homem tenha posto suas leis em concordância com a justiça divina, que quer que todos participem do bem e não a vigência de leis feitas pelo forte em detrimento do fraco.

782. Não há homens que de boa-fé obstam ao progresso, acreditando favorecê-lo, porque, do ponto de vista em que se colocam, o veem onde ele não existe? “Assemelham-se a pequeninas pedras que, colocadas debaixo da roda de uma grande viatura, não a impedem de avançar.”

783. Segue sempre marcha progressiva e lenta o aperfeiçoamento da Humanidade? “Há o progresso regular e lento, que resulta da força das coisas. Quando, porém, um povo não progride tão depressa quanto devera, Deus o sujeita, de tempos a tempos, a um abalo físico ou moral que o transforma.” O homem não pode conservar-se indefinidamente na ignorância, porque tem de atingir a finalidade que a Providência lhe assinou. Ele se instrui pela força das coisas. As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram nas idéias pouco a pouco; germinam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de estar em harmonia com as necessidades novas e com as novas aspirações. Nessas comoções, o homem quase nunca percebe senão a desordem e a confusão momentâneas que o ferem nos seus interesses materiais. Aquele, porém, que eleva o pensamento acima da sua própria personalidade, admira os desígnios da Providência, que do mal faz sair o bem. São a procela, a tempestade que saneiam a atmosfera, depois de a terem agitado violentamente.

784. Bastante grande é a perversidade do homem. Não parece que, pelo menos do ponto de vista moral, ele, em vez de avançar, caminha aos recuos? “Enganas-te. Observa bem o conjunto e verás que o homem se adianta, pois que melhor compreende o que é mal, e vai dia a dia reprimindo os abusos. Faz-se mister que o mal chegue ao excesso, para tornar compreensível a necessidade do bem e das reformas.

785. Qual o maior obstáculo ao progresso? “O orgulho e o egoísmo. Refiro-me ao progresso moral, porquanto o intelectual se efetua sempre. À primeira vista, parece mesmo que o progresso intelectual reduplica a atividade daqueles vícios, desenvolvendo a ambição e o gosto das riquezas, que, a seu turno, incitam o homem a empreender pesquisas que lhe esclarecem o Espírito. Assim é que tudo se prende, no mundo moral, como no mundo físico, e que do próprio mal pode nascer o bem. Curta, porém, é a duração desse estado de coisas, que mudará à proporção que o homem compreender melhor que, além da que o gozo dos bens terrenos proporciona, uma felicidade existe maior e infinitamente mais duradoura.” (Vide: Egoísmo, cap. XII.) Há duas espécies de progresso, que uma a outra se prestam mútuo apoio, mas que, no entanto, não marcham lado a lado: o progresso intelectual e o progresso moral. Entre os povos civilizados, o primeiro tem recebido, no correr deste século, todos os incentivos. Por isso mesmo atingiu um grau a que ainda não chegara antes da época atual. Muito falta para que o segundo se ache no mesmo nível. Entretanto, comparando-se os costumes sociais de hoje com os de alguns séculos atrás, só um cego negaria o progresso realizado. Ora, sendo assim, por que haveria essa marcha ascendente de parar, com relação, de preferência, ao moral, do que com relação ao intelectual? Por que será impossível que entre o século dezenove e o vigésimo quarto século haja, a esse respeito, tanta diferença quanta entre o décimo quarto século e o século dezenove? Duvidar fora pretender que a Humanidade está no apogeu da perfeição, o que seria absurdo, ou que ela não é perfectível moralmente, o que a experiência desmente.

POVOS DEGENERADOS

786. Mostra-nos a História que muitos povos, depois de abalos que os revolveram profundamente, recaíram na barbaria. Onde, neste caso, o progresso? “Quando tua casa ameaça ruína, mandas demoli-la e constróis outra mais sólida e mais cômoda. Mas, enquanto esta não se apronta, há perturbação e confusão na tua morada. “Compreende mais o seguinte: eras pobre e habitavas um casebre; tornando-te rico, deixaste-o, para habitar um palácio. Então, um pobre diabo, como eras antes, vem tomar o lugar que ocupavas e fica muito contente, porque estava sem ter onde se abrigar. Pois bem! aprende que os Espíritos que, encarnados, constituem o povo degenerado não são os que o constituíam ao tempo do seu esplendor. Os de então, tendo-se adiantado, passaram para habita- ções mais perfeitas e progrediram, enquanto os outros, menos adiantados, tomaram o lugar que ficara vago e que também, a seu turno, terão um dia que deixar.”

787. Não há raças rebeldes, por sua natureza, ao progresso? “Há, mas vão aniquilando-se corporalmente, todos os dias.” a) — Qual será a sorte futura das almas que animam essas raças? “Chegarão, como todas as demais, à perfeição, passando por outras existências. Deus a ninguém deserda.” b) — Assim, pode dar-se que os homens mais civilizados tenham sido selvagens e antropófagos? “Tu mesmo o foste mais de uma vez, antes de seres o que és.”

788. Os povos são individualidades coletivas que como os indivíduos, passam pela infância, pela idade da madureza e pela decrepitude. Esta verdade, que a História comprova, não será de molde a fazer supor que os povos mais adiantados deste século terão seu declínio e sua extinção, como os da antiguidade? “Os povos, que apenas vivem a vida do corpo, aqueles cuja grandeza unicamente assenta na força e na extensão territorial, nascem, crescem e morrem, porque a força de um povo se exaure, como a de um homem. Aqueles, cujas leis egoísticas obstam ao progresso das luzes e da caridade, morrem, porque a luz mata as trevas e a caridade mata o egoísmo. Mas, para os povos, como para os indivíduos, há a vida da alma. Aqueles, cujas leis se harmonizam com as leis eternas do Criador, viverão e servirão de farol aos outros povos.”

789. O progresso fará que todos os povos da Terra se achem um dia reunidos, formando uma só nação? “Uma nação única, não; seria impossível, visto que da diversidade dos climas se originam costumes e necessidades diferentes, que constituem as nacionalidades, tornando indispensáveis sempre leis apropriadas a esses costumes e necessidades. A caridade, porém, desconhece latitudes e não distingue a cor dos homens. Quando, por toda parte, a lei de Deus servir de base à lei humana, os povos praticarão entre si a caridade, como os indivíduos. Então, viverão felizes e em paz, porque nenhum cuidará de causar dano ao seu vizinho, nem de viver a expensas dele.” A Humanidade progride, por meio dos indivíduos que pouco a pouco se melhoram e instruem. Quando estes preponderam pelo número, tomam a dianteira e arrastam os outros. De tempos a tempos, surgem no seio dela homens de gênio que lhe dão um impulso; vêm depois, como instrumentos de Deus, os que têm autoridade e, nalguns anos, fazem-na adiantar-se de muitos séculos. O progresso dos povos também realça a justiça da reencarnação. Louváveis esforços empregam os homens de bem para conseguir que uma nação se adiante, moral e intelectualmente. Transformada, a nação será mais ditosa neste mundo e no outro, concebe-se. Mas, durante a sua marcha lenta através dos séculos, milhares de indivíduos morrem todos os dias. Qual a sorte de todos os que sucumbem ao longo do trajeto? Privá-los-á, a sua relativa inferioridade, da felicidade reservada aos que chegam por último? Ou também relativa será a felicidade que lhes cabe? Não é possível que a justiça divina haja consagrado semelhante injustiça. Com a pluralidade das existências, é igual para todos o direito à felicidade, porque ninguém fica privado do progresso. Podendo, os que viveram ao tempo da barbaria, voltar, na época da civilização, a viver no seio do mesmo povo, ou de outro, é claro que todos tiram proveito da marcha ascensional. Outra dificuldade, no entanto, apresenta aqui o sistema da unicidade das existências. Segundo este sistema, a alma é criada no momento em que nasce o ser humano. Então, se um homem é mais adiantado do que outro, é que Deus criou para ele uma alma mais adiantada. Por que esse favor? Que merecimento tem esse homem, que não viveu mais do que outro, que talvez haja vivido menos, para ser dotado de uma alma superior? Esta, porém, não é a dificuldade principal. Se os homens vivessem um milênio, conceber-se-ia que, nesse período milenar, tivessem tempo de progredir. Mas, diariamente morrem criaturas em todas as idades; incessantemente se renovam na face do planeta, de tal sorte que todos os dias aparece uma multidão delas e outra desaparece. Ao cabo de mil anos, já não há naquela nação vestígio de seus antigos habitantes. Contudo, de bárbara, que era, ela se tornou policiada. Que foi o que progrediu? Foram os indivíduos outrora bárbaros? Mas, esses morreram há muito tempo. Teriam sido os recém-chegados? Mas, se suas almas foram criadas no momento em que eles nasceram, essas almas não existiam na época da barbaria e forçoso será então admitir-se que os esforços que se despendem para civilizar um povo têm o poder, não de melhorar almas imperfeitas, porém de fazer que Deus crie almas mais perfeitas. Comparemos esta teoria do progresso com a que os Espíritos apresentaram. As almas vindas no tempo da civilização tiveram sua infância, como todas as outras, mas já tinham vivido antes e vêm adiantadas por efeito do progresso realizado anteriormente. Vêm atraídas por um meio que lhes é simpático e que se acha em relação com o estado em que atualmente se encontram. De sorte que, os cuidados dispensados à civilização de um povo não têm como consequência fazer que, de futuro, se criem almas mais perfeitas; têm, sim, o de atrair as que já progrediram, quer tenham vivido no seio do povo que se figura, ao tempo da sua barbaria, quer venham de outra parte. Aqui se nos depara igualmente a chave do progresso da Humanidade inteira. Quando todos os povos estiverem no mesmo nível, no tocante ao sentimento do bem, a Terra será ponto de reunião exclusivamente de bons Espíritos, que viverão fraternalmente unidos. Os maus, sentindo-se aí repelidos e deslocados, irão procurar, em mundos inferiores, o meio que lhes convém, até que sejam dignos de volver ao nosso, então transformado. Da teoria vulgar ainda resulta que os trabalhos de melhoria social só às gerações presentes e futuras aproveitam, sendo de resultados nulos para as gerações passadas, que cometeram o erro de vir muito cedo e que ficam sendo o que podem ser, sobrecarregadas com o peso de seus atos de barbaria. Segundo a doutrina dos Espíritos, os progressos ulteriores aproveitam igualmente às gerações pretéritas, que voltam a viver em melhores condições e podem assim aperfeiçoar-se no foco da civilização. (222)

CIVILIZAÇÃO

790. É um progresso a civilização ou, como o entendem alguns filósofos, uma decadência da Humanidade? “Progresso incompleto. O homem não passa subitamente da infância à madureza.” a) — Será racional condenar-se a civilização? “Condenai antes os que dela abusam e não a obra de Deus.”

791. Apurar-se-á algum dia a civilização, de modo a fazer que desapareçam os males que haja produzido? “Sim, quando o moral estiver tão desenvolvido quanto a inteligência. O fruto não pode surgir antes da flor.”

792. Por que não efetua a civilização, imediatamente, todo o bem que poderia produzir? “Porque os homens ainda não estão aptos nem dispostos a alcançá-lo.” a) — Não será também porque, criando novas necessidades, suscita paixões novas? “É, e ainda porque não progridem simultaneamente todas as faculdades do Espírito. Tempo é preciso para tudo. De uma civilização incompleta não podeis esperar frutos perfeitos.” (751-780)

793. Por que indícios se pode reconhecer uma civilização completa? “Reconhecê-la-eis pelo desenvolvimento moral. Credes que estais muito adiantados, porque tendes feito grandes descobertas e obtido maravilhosas invenções; porque vos alojais e vestis melhor do que os selvagens. Todavia, não tereis verdadeiramente o direito de dizer-vos civilizados, senão quando de vossa sociedade houverdes banido os vícios que a desonram e quando viverdes como irmãos, praticando a caridade cristã. Até então, sereis apenas povos esclarecidos, que hão percorrido a primeira fase da civilização.” A civilização, como todas as coisas, apresenta gradações diversas. Uma civilização incompleta é um estado transitório, que gera males especiais, desconhecidos do homem no estado primitivo. Nem por isso, entretanto, constitui menos um progresso natural, necessário, que traz consigo o remédio para o mal que causa. À medida que a civilização se aperfeiçoa, faz cessar alguns dos males que gerou, males que desaparecerão todos com o progresso moral. De duas nações que tenham chegado ao ápice da escala social, somente pode considerar-se a mais civilizada, na legítima acepção do termo, aquela onde exista menos egoísmo, menos cobiça e menos orgulho; onde os hábitos sejam mais intelectuais e morais do que materiais; onde a inteligência se puder desenvolver com maior liberdade; onde haja mais bondade, boa-fé, benevolência e generosidade recíprocas; onde menos enraizados se mostrem os preconceitos de casta e de nascimento, por isso que tais preconceitos são incompatíveis com o verdadeiro amor do próximo; onde as leis nenhum privilégio consagrem e sejam as mesmas, assim para o último, como para o primeiro; onde com menos parcialidade se exerça a justiça; onde o fraco encontre sempre amparo contra o forte; onde a vida do homem, suas crenças e opiniões sejam melhormente respeitadas; onde exista menor número de desgraçados; enfim, onde todo homem de boa vontade esteja certo de lhe não faltar o necessário.

PROGRESSO DA LEGISLAÇÃO HUMANA

794. Poderia a sociedade reger-se unicamente pelas leis naturais, sem o concurso das leis humanas? “Poderia, se todos as compreendessem bem. Se os homens as quisessem praticar, elas bastariam. A sociedade, porém, tem suas exigências. São-lhe necessárias leis especiais.”

795. Qual a causa da instabilidade das leis humanas? “Nas épocas de barbaria, são os mais fortes que fazem as leis e eles as fizeram para si. À proporção que os homens foram compreendendo melhor a justiça, indispensável se tornou a modificação delas. Quanto mais se aproximam da vera justiça, tanto menos instáveis são as leis humanas, isto é, tanto mais estáveis se vão tornando, conforme vão sendo feitas para todos e se identificam com a lei natural.” A civilização criou necessidades novas para o homem, necessidades relativas à posição social que ele ocupe. Tem-se então que regular, por meio de leis humanas, os direitos e deveres dessa posição. Mas, influenciado pelas suas paixões, ele não raro há criado direitos e deveres imaginários, que a lei natural condena e que os povos riscam de seus códigos à medida que progridem. A lei natural é imutável e a mesma para todos; a lei humana é variável e progressiva. Na infância das sociedades, esta só pôde consagrar o direito do mais forte.

796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais não constitui uma necessidade? “Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”

797. Como poderá o homem ser levado a reformar suas leis? “Isso ocorre naturalmente, pela força mesma das coisas e da influência das pessoas que o guiam na senda do progresso. Muitas já ele reformou e muitas outras reformará. Espera!”

INFLUÊNCIA DO ESPIRITISMO NO PROGRESSO

798. O Espiritismo se tornará crença comum, ou ficará sendo partilhado, como crença, apenas por algumas pessoas? “Certamente que se tornará crença geral e marcará nova era na história da humanidade, porque está na natureza e chegou o tempo em que ocupará lugar entre os conhecimentos humanos. Terá, no entanto, que sustentar grandes lutas, mais contra o interesse, do que contra a convicção, porquanto não há como dissimular a existência de pessoas interessadas em combatê-lo, umas por amor-próprio, outras por causas inteiramente materiais. Porém, como virão a ficar insulados, seus contraditores se sentirão forçados a pensar como os demais, sob pena de se tornarem ridículos.” As idéias só com o tempo se transformam; nunca de súbito. De geração em geração, elas se enfraquecem e acabam por desaparecer, paulatinamente, com os que as professavam, os quais vêm a ser substituídos por outros indivíduos imbuídos de novos princípios, como sucede com as idéias políticas. Vede o paganismo. Não há hoje mais quem professe as idéias religiosas dos tempos pagãos. Todavia, muitos séculos após o advento do Cristianismo, delas ainda restavam vestígios, que somente a completa renovação das raças conseguiu apagar. Assim será com o Espiritismo. Ele progride muito; mas, durante duas ou três gerações, ainda haverá um fermento de incredulidade, que unicamente o tempo aniquilará. Sua marcha, porém, será mais célere que a do Cristianismo, porque o próprio Cristianismo é quem lhe abre o caminho e serve de apoio. O Cristianismo tinha que destruir; o Espiritismo só tem que edificar.

799. De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso? “Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida futura de estar velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o seu futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos.”

800. Não será de temer que o Espiritismo não consiga triunfar da negligência dos homens e do seu apego às coisas materiais? “Conhece bem pouco os homens quem imagine que uma causa qualquer os possa transformar como que por encanto. As idéias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode operar. Para cada geração uma parte do véu se dissipa. O Espiritismo vem rasgá-lo de alto a baixo. Entretanto, conseguisse ele unicamente corrigir num homem um único defeito que fosse e já o haveria forçado a dar um passo. Ter-lhe-ia feito, só com isso, grande bem, pois esse primeiro passo lhe facilitará os outros.”

801. Por que não ensinaram os Espíritos, em todos os tempos, o que ensinam hoje? “Não ensinais às crianças o que ensinais aos adultos e não dais ao recém-nascido um alimento que ele não possa digerir. Cada coisa tem seu tempo. Eles ensinaram muitas coisas que os homens não compreenderam ou adulteraram, mas que podem compreender agora. Com seus ensinos, embora incompletos, prepararam o terreno para receber a semente que vai frutificar.”

802. Visto que o Espiritismo tem que marcar um progresso da Humanidade, por que não apressam os Espíritos esse progresso, por meio de manifestações tão generalizadas e patentes, que a convicção penetre até nos mais incrédulos? “Desejaríeis milagres; mas, Deus os espalha a mancheias diante dos vossos passos e, no entanto, ainda há homens que o negam. Conseguiu, porventura, o próprio Cristo convencer os seus contemporâneos, mediante os prodígios que operou? Não conheceis presentemente alguns que negam os fatos mais patentes, ocorridos às suas vistas? Não há os que dizem que não acreditariam, mesmo que vissem? Não; não é por meio de prodígios que Deus quer encaminhar os homens. Em sua bondade, ele lhes deixa o mérito de se convencerem pela razão.”

 

 

CAPÍTULO I X

Da lei de igualdade

• Igualdade natural

 • Desigualdade das aptidões

• Desigualdades sociais

• Desigualdade das riquezas

• As provas de riqueza e de miséria

• Igualdade dos direitos do homem e da mulher

• Igualdade perante o túmulo

 

IGUALDADE NATURAL

803. Perante Deus, são iguais todos os homens? “Sim, todos tendem para o mesmo fim e Deus fez suas leis para todos. Dizeis frequentemente: ‘O Sol luz para todos’ e enunciais assim uma verdade maior e mais geral do que pensais.” Todos os homens estão submetidos às mesmas leis da Natureza. Todos nascem igualmente fracos, acham-se sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se destrói como o do pobre. Deus a nenhum homem concedeu superioridade natural, nem pelo nascimento, nem pela morte: todos, aos seus olhos, são iguais.

DESIGUALDADE DAS APTIDÕES

804. Por que não outorgou Deus as mesmas aptidões a todos os homens? “Deus criou iguais todos os Espíritos, mas cada um destes vive há mais ou menos tempo, e, conseguintemente, tem feito maior ou menor soma de aquisições. A diferença entre eles está na diversidade dos graus da experiência alcançada e da vontade com que obram, vontade que é o livre-arbítrio. Daí o se aperfeiçoarem uns mais rapidamente do que outros, o que lhes dá aptidões diversas. Necessá- ria é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência, no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais. O que um não faz, fá-lo outro. Assim é que cada qual tem seu papel útil a desempenhar. Demais, sendo solidários entre si todos os mundos, necessário se torna que os habitantes dos mundos superiores, que, na sua maioria, foram criados antes do vosso, venham habitá-lo, para vos dar o exemplo.” (361)

805. Passando de um mundo superior a outro inferior, conserva o Espírito, integralmente, as faculdades adquiridas? “Sim, já temos dito que o Espírito que progrediu não retrocede. Poderá escolher, no estado de Espírito livre, um invólucro mais grosseiro, ou posição mais precária do que as que já teve, porém tudo isso para lhe servir de ensinamento e ajudá-lo a progredir.” (180) Assim, a diversidade das aptidões entre os homens não deriva da natureza íntima da sua criação, mas do grau de aperfeiçoamento a que tenham chegado os Espíritos encarnados neles. Deus, portanto, não criou faculdades desiguais; permitiu, porém, que os Espíritos em graus diversos de desenvolvimento estivessem em contato, para que os mais adiantados pudessem auxiliar o progresso dos mais atrasados e também para que os homens, necessitando uns dos outros, compreendessem a lei de caridade que os deve unir.

DESIGUALDADES SOCIAIS

806. É lei da natureza a desigualdade das condições sociais? “Não; é obra do homem e não de Deus.” a) — Algum dia essa desigualdade desaparecerá? “Eternas somente as leis de Deus o são. Não vês que dia a dia ela gradualmente se apaga? Desaparecerá quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Restará apenas a desigualdade do merecimento. Dia virá em que os membros da grande família dos filhos de Deus deixarão de considerar-se como de sangue mais ou menos puro. Só o Espírito é mais ou menos puro e isso não depende da posição social.”

807. Que se deve pensar dos que abusam da superioridade de suas posições sociais, para, em proveito próprio, oprimir os fracos? “Merecem anátema! Ai deles! Serão, a seu turno, oprimidos: renascerão numa existência em que terão de sofrer tudo o que tiverem feito sofrer aos outros.” (684)

DESIGUALDADE DAS RIQUEZAS

808. A desigualdade das riquezas não se originará das faculdades, em virtude da qual uns dispõem de mais meios de adquirir bens do que outros? “Sim e não. Da velhacaria e do roubo, que dizes?” a) — Mas, a riqueza herdada, essa não é fruto de paixões más. “Que sabes a esse respeito? Busca a fonte de tal riqueza e verás que nem sempre é pura. Sabes, porventura, se não se originou de uma espoliação ou de uma injustiça? Mesmo, porém, sem falar da origem, que pode ser má, acreditas que a cobiça da riqueza, ainda quando bem adquirida, os desejos secretos de possuí-la o mais depressa possível, sejam sentimentos louváveis? Isso o que Deus julga e eu te asseguro que o seu juízo é mais severo que o dos homens.”

809. Aos que, mais tarde, herdam uma riqueza inicialmente mal adquirida, alguma responsabilidade cabe por esse fato? “É fora de dúvida que não são responsáveis pelo mal que outros hajam feito, sobretudo se o ignoram, como é possível que aconteça. Mas, fica sabendo que, muitas vezes, a riqueza só vem ter às mãos de um homem, para lhe proporcionar ensejo de reparar uma injustiça. Feliz dele, se assim o compreende! Se a fizer em nome daquele que cometeu a injustiça, a ambos será a reparação levada em conta, porquanto, não raro, é este último quem a provoca.”

810. Sem quebra da legalidade, quem quer que seja pode dispor de seus bens de modo mais ou menos equitativo. Aquele que assim proceder será responsável, depois da morte, pelas disposições que haja tomado? “Toda ação produz seus frutos; doces são os das boas ações, amargos sempre os das outras. Sempre, entendei-o bem.”

811. Será possível e já terá existido a igualdade absoluta das riquezas? “Não; nem é possível. A isso se opõe a diversidade das faculdades e dos caracteres.” a) — Há, no entanto, homens que julgam ser esse o remédio aos males da sociedade. Que pensais a respeito? “São sistemáticos esses tais, ou ambiciosos cheios de inveja. Não compreendem que a igualdade com que sonham seria à curto prazo desfeita pela força das coisas. Combatei o egoísmo, que é a vossa chaga social, e não corrais atrás de quimeras.”

812. Por não ser possível a igualdade das riquezas, o mesmo se dará com o bem-estar? “Não, mas o bem-estar é relativo e todos poderiam dele gozar, se se entendessem convenientemente, porque o verdadeiro bem-estar consiste em cada um empregar o seu tempo como lhe apraza e não na execução de trabalhos pelos quais nenhum gosto sente. Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer”. “Em tudo existe o equilíbrio; o homem é quem o perturba”. a) — Será possível que todos se entendam? “Os homens se entenderão quando praticarem a lei de justiça.”

813. Há pessoas que, por culpa sua, caem na miséria. Nenhuma responsabilidade caberá disso à sociedade? “Mas, certamente. Já dissemos que a sociedade é muitas vezes a principal culpada de semelhante coisa. Demais, não tem ela que velar pela educação moral dos seus membros? Quase sempre, é a má-educação que lhes falseia o critério, ao invés de sufocar-lhes as tendências perniciosas.”

 (685) AS PROVAS DE RIQUEZA E DE MISÉRIA

814. Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a outros, a miséria? “Para experimentá-los de modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com frequência.”

815. Qual das duas provas é mais terrível para o homem, a da desgraça ou a da riqueza? “São-no tanto uma quanto outra. A miséria provoca as queixas contra a Providência, a riqueza incita a todos os excessos.” 816. Estando o rico sujeito a maiores tentações, também não dispõe, por outro lado, de mais meios de fazer o bem? “Mas, é justamente o que nem sempre faz. Torna-se egoísta, orgulhoso e insaciável. Com a riqueza, suas necessidades aumentam e ele nunca julga possuir o bastante para si unicamente.” A alta posição do homem neste mundo e o ter autoridade sobre os seus semelhantes são provas tão grandes e tão escorregadias como a desgraça, porque, quanto mais rico e poderoso é ele, tanto mais obrigações tem que cumprir e tanto mais abundantes são os meios de que dispõe para fazer o bem e o mal. Deus experimenta o pobre pela resignação e o rico pelo emprego que dá aos seus bens e ao seu poder. A riqueza e o poder fazem nascer todas as paixões que nos prendem à matéria e nos afastam da perfeição espiritual. Por isso foi